Sociedades S.A.

Mudando a cultura dentro de um escritório de advocacia

Autores

  • Rodrigo Bertozzi

    é administrador especializado em escritórios de advocacia MBA em marketing e sócio da Selem Bertozzi & Consultores Associados.

  • Lara Selem

    é sócia da Selem Bertozzi Consultoria empresa especializada na Gestão de Serviços Jurídicos para a advocacia e departamentos jurídicos.

19 de julho de 2013, 14h46

Spacca
O desafio que mais enfrentamos nas consultorias por todo o país é a barreira e resistência impostas pelos advogados para que a mudança proposta possa estabelecer-se realmente dentro da mente das pessoas. Novos padrões podem e devem ser criados. Justamente por isso, é essencial um plano desenhado para que a gestão da mudança possa florescer com sucesso nas organizações jurídicas.

Para que a cultura da reinvenção possa ser instalada em seu escritório ou em sua vida, são necessários passos rumo à identificação da liderança e da gestão da mudança. Todo advogado é um líder em potencial. Identificar as qualidades que o auxiliem a tornar a mudança menos dramática é uma tarefa básica.

Em um ambiente de rápidas mudanças, a estratégia de ontem raramente é a resposta para os problemas de amanhã. O ser humano tende a prender-se ao conforto de práticas anteriores, em vez de aventurar-se em território desconhecido. Isso é natural.

No entanto, o amadurecimento de um profissional ou de uma organização é diretamente proporcional à coragem em inovar constantemente em suas estratégias, reorganizando-se para conquistar e manter clientes, bem como motivar sua equipe.

A mudança inevitável
Imagine, mais uma vez, um advogado que atuava na década de 1960 e, por algum acidente científico, ficasse congelado e fosse reavivado em 2005. Pense no susto e no mais completo deslocamento que ele sentiria: computador, celular, internet, TV a cabo, audiências on-line, peticionamento eletrônico, certidão on-line. Em quase 50 anos o mundo foi reformulado graças à tecnologia. Só que não vamos parar por aí.

Como as transformações estão mais velozes, podemos afirmar que tudo o que conhecemos sobre gestão da advocacia tende a mudar nos próximos sete anos. Exagero? Será mesmo? A teia da advocacia está se modificando. Eis alguns indícios disso:

— A internet alterou para sempre a maneira de advogar;
— Antes, a “estrela” era o advogado. Hoje, ela é o cliente;
— Os escritórios dos grandes centros estão migrando parte de suas operações para o interior do país, seja por meio de abertura de filiais, seja por meio de fusões e alianças com outros escritórios, gerando uma elevação da concorrência;
— Advogados ampliam seus leques de conhecimentos e optam por cursos de gestão empresarial, negociação e outras áreas;
— Executivos oriundos do mercado empresarial são contratados para administrarem as bancas;
— Pequenas bancas se fundem visando seu fortalecimento;
— O fenômeno dos concursos públicos com uma relação candidato/vaga é recorde; prova da saturação do mercado jurídico;
— São criados planos estratégicos que viabilizam o crescimento e desenvolvimento do escritório jurídico em longo prazo;
— Comando nas bancas mais antigas são trocados ou substituídos para entrarem sócios mais novos e ousados.

Podemos afirmar, com tranquilidade, que nenhum escritório de advocacia ou advogado está mais seguro em um período de tanta competitividade. Se essa lhe parecer uma tese nada nova, você pode ter razão. Mas o que assusta é que aparentemente todos percebem isso, mas poucos agem para neutralizar esse problema.

A notícia boa é que esse momento conturbado favorece a inovação e o conhecimento compartilhado. Um ambiente de negócios inseguro geralmente é propulsor de grandes ideias. Nada é para sempre no mundo jurídico, nem escritórios nem reputação. Nada.

Em Cinco Escritos Morais, Umberto Eco utiliza-se de um vasto repertório para discutir o novo século sob diversos ângulos, proferindo seu parecer sobre o totalitarismo, antifascismo, igreja, guerra e meios de comunicação, sendo esse o ponto que nos importa.

Para Eco, o quarto poder não se mostra interessado em sua própria reforma. Isso aconteceria somente por meio de uma revolução do tecido social cultural, alterando os gostos populares, gerando uma postura reflexiva e modificando a mídia que se apresenta.

Logo, a estrutura que foi criada e desenvolvida não deseja mutar-se em algo melhor. Os lucros que geram são suficientes para afirmar que ninguém alterará o quadro atual. O mesmo não podemos dizer da advocacia, cuja pressão para mudar é tão extraordinária que saltos acabarão sendo dados para aliviar a sensação de sufocamento. E o momento é agora.

Administrando a mudança
Considerando os focos de sobrevivência às intempéries de um mercado extremamente competitivo, as organizações, sejam elas de que naturezas forem, passam a ser comparáveis a organismos vivos. Elas crescem para buscar novos espaços de mercado, reduzir seu nível de vulnerabilidade e buscar a perpetuidade, bem como prosperar, no sentido de ganhar condições de continuidade em estado crescente e de forma autônoma.

Enxergando dessa maneira, os escritórios de advocacia são estruturas que sofrerão traumas e doenças. Precisarão de cuidados e intervenções para que se adaptem à nova situação de forma rápida e preferencialmente preventiva. Por que esperar que o pior aconteça? Por que aguardar a concorrência estar sempre à frente? Por que ignorar as mudanças em uma época em que isso é fundamental?

Como construí-la?
O primeiro passo do projeto de administração da mudança é entender claramente a situação atual da banca e traçar-lhe um mapa, para depois esclarecer seu escopo de atuação — ou sua “definição do negócio jurídico”. Nessa definição, a frase precisa ser clara e facilmente comunicável e conter alguns atributos específicos: perenidade, visibilidade, contagiante, provocante, precisa e concisa.

O elemento-chave dessa construção está nas pessoas. São elas que influenciarão positiva ou negativamente e propagarão resistências e conflitos. É importante ressaltar que em cada papel exercido nesse projeto está presente uma maior ou menor probabilidade de ganho ou perda de credibilidade. Os quatro papeis a serem exercidos na condução de um projeto de mudança são:

Patrocinador: é quem vai ganhar com as alterações efetivadas, normalmente os sócios do escritório;
Gestor do Projeto: tem a responsabilidade de fazer as coisas acontecerem — é o maestro da orquestra;
Executores: pessoas envolvidas nas discussões, na formulação das soluções e que as colocarão em prática após a implementação do projeto;
Mentores: escolhidos pelo gestor do projeto, são pessoas de confiança que têm o papel de validar as soluções propostas pela equipe do projeto; servem como aprovadores informais da solução.

O que vai fazer o projeto dar certo ou não é a mobilização das pessoas. Para isso, é preciso atingi-las em suas motivações internas, por intermédio de um projeto que convença, que faça sentido, que seja desafiador e tenha a significação de algo nobre e importante.

Nesse momento, entender as pressões nos processos de mudança é importante. É preciso compreender que há sempre campos de forças concorrentes, representados por pessoas favoráveis e por resistências em abandonar a zona de conforto constituída e validada ao longo do tempo. Essa dinâmica afeta os interesses pessoais, desequilibrando as relações de poder instaladas e criando outras totalmente distintas.

A cultura é a soma de todos os valores. Os valores são compostos de crenças (dizem respeito aos comportamentos mais fundamentais, éticos e morais da organização) e práticas (formas de colocar em uso o que se acredita). A leitura correta do líder quanto ao tipo de cultura existente na organização também é fundamental. Sem ela, seu grau de vulnerabilidade será bem maior durante a condução dos processos de mudança. Nunca esqueça a importância dos treinamentos internos. Eles são os motores propulsores para que as novas ideias circulem e as práticas descartáveis sejam finalmente sepultadas. Programe com periodicidade treinamentos que auxiliem as mudanças.

Alguns facilitadores dos processos de mudança:
— Incorporar a mudança como parte do trabalho;
— Incentivar o trabalho polivalente;
— Comunicar ao máximo para todos do escritório;
— Minimizar o poder da hierarquia;
— Minimizar as barreiras de ordem burocrática;
— Forçar a troca de informações.

Erros fatais na condução dos processos de mudança:
— Complacência excessiva;
— Não realizar a efetiva coalizão com os envolvidos externos (parceiros e clientes);
— Comunicar de forma ineficiente;
— Evitar que os obstáculos internos bloqueiem os rumos da mudança;
— Não comemorar as vitórias de curto prazo;
— Declarar prematuramente a vitória;
— Deixar de incorporar as mudanças na cultura.

Alinhamento do comportamento para o sucesso da mudança
Não se deve conduzir nenhum processo de mudança organizacional da banca e de mobilização de pessoas (sócios, advogados, estagiários e administrativos) sem que certos comportamentos desejados da organização estejam alinhados e validados para sustentar a estratégia pretendida. Esses comportamentos são aqueles que impactam diretamente nos processos de mudança. Estão relacionados aos rituais conduzidos pelos líderes. A construção deve ser liderada para a busca do espírito de equipe e outros comportamentos que se queiram.

As ações das lideranças poderiam ser resumidas em: construir o empreendimento técnico; inspirar o comportamento empreendedor nas pessoas; capacitar os agentes e a massa da mudança; servir de modelo; encorajar os braços, as mentes e os corações.

A liderança é um atributo essencial em qualquer transformação. Os principais atributos de líderes que fazem acontecer a mudança e o desenvolvimento do espírito de liderança nos vários níveis hierárquicos da organização são:

Coragem para realizar a mudança: em termos de processos de mudança, significa estabelecer a conexão entre o que vai mudar no campo dos negócios e o que precisa ser alterado na área do comportamento individual e organizacional.

Controlando o impulso das pessoas e apesar delas: a habilidade de controlar o impulso dos que realmente aderiram ao programa e impulsionar os últimos aderentes, sem comprometer nenhuma das partes, deve ser a motivação dos líderes do processo.

Vencer obstáculos é não optar pelos caminhos mais fáceis: bons líderes são ousados, têm a determinação e coragem inabaláveis na hora de tomar decisões difíceis, sendo irredutíveis em sacrificar a segurança de hoje em benefício do futuro pretendido. Deve fazer-se o que precisa ser feito.

Prestigiar pessoas: um dos segredos para ser admirado está no fato de saber proteger as pessoas a serviço de sua missão. Prestigiar não significa bajular ou realizar um marketing enganoso. Mas, sim, separar cada feito notável e procurar divulgá-lo internamente de maneira sutil, até que o próprio sistema psicossocial do lugar (“rádio peão”, boca a boca) leve ao responsável a notícia de que seu líder está comentando positivamente a seu respeito.

Justiça e confiança são o básico: uma das características da liderança é a confiança, sentimento que não apresenta meio-termo. Confiar significa pular com o paraquedas que outra pessoa dobrou. A relação líder-liderado precisa contar com esse tipo de confiança bipolar. Ser justo é outra questão. A sensação de justiça ocorre no momento em que o líder trata pessoas diferentes de forma muito diferente, seja para o lado da alta quanto da baixa performance. Agir com todos do mesmo jeito é bem mais confortável, mas não justo à luz daqueles que têm velocidade superior e realmente agregam valor ao processo de mudança de maneira muito mais visível e avaliável.

Desenhando o futuro na cabeça das pessoas: liderança diz respeito à mudança, à condução de um conjunto de pessoas de um certo lugar, onde estão, real e emocionalmente, para onde devem estar no futuro, ou seja, rumo ao desconhecido. O trabalho do líder nesse sentido é tornar esse destino mais familiar e desejável possível. Isso só se consegue pela imaginação. Bons líderes de mudança são capazes de fazer grupos de pessoas pisarem no futuro e abandonarem o presente confortável.

Arenas de ação contínua: cada atitude da liderança durante o processo de mudança é observada por todos os participantes e passos em falso têm um alto preço na credibilidade do líder. A primeira arena é a do humor e clima favorável, a segunda é a da coerência. A terceira arena é a do culto ao relacionamento e a última é a de criar significados.

Alinhar para evitar surpresas: manter pessoas focadas é a questão principal. É atribuição do líder agir como fiel guardião dos comportamentos definidos e promover prestígio e punição aos aderentes e não aderentes, respectivamente.

Vitalidade não é questão de aparência: energia é a chave. Estar presente emocional e fisicamente onde as mudanças acontecem e tirar proveito de todos os momentos para “vender” o futuro são atitudes imprescindíveis e o líder deve estar disposto e preparado para realizá-las. Não se esqueça de que mesmo os maiores prazeres da vida cansam e, quando se está cansado, o melhor remédio é isolar-se e  descansar.

Sucesso só se consegue desenvolvendo outros líderes: demonstrar um forte compromisso e agir no intuito de deixar como seu legado uma equipe de líderes é uma questão vencedora em liderança. Ensinar a liderar deve ser uma obsessão missionária, pois esse é um dos poucos atributos que realmente funcionam como moeda de troca por desempenho e lealdade durante o processo de mudança. Prestigiar totalmente aquelas pessoas que desenvolvem, encorajam e prestigiam as outras parece ser um bom caminho.

Conclusão
Enfrentar as mudanças é uma postura inevitável para a evolução profissional. Só assim será possível acompanhar os tempos. Dentro de um escritório de advocacia, as mudanças devem ocorrer coletivamente, mas com um foco único: atingir a excelência dentro do escopo de atuação escolhido pelo escritório. Olhar para fora e olhar para dentro. O alinhamento desses olhares permitirá a clareza necessária para que as mudanças se operem. O processo é diário e intermitente.

Autores

  • Brave

    é sócio da Selem, Bertozzi & Consultores Associados, MBA em marketing e administrador especializado em escritórios de advocacia. Autor dos livros Marketing Jurídico Essencial, A Reinvenção da Advocacia, entre outros.

  • Brave

    é advogada, consultora em planejamento estratégico, composição societária e gestão de pessoas na advocacia, International Executive MBA pela Baldwin-Wallace College (EUA), especialista em gestão de serviços jurídicos pela FGV-SP e em Liderança de Empresas de Serviços Profissionais pela Harvard Business School (EUA), sócia da Selem, Bertozzi & Consultores Associados.

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!