Direito sem papel

Portais com capital estrangeiro continuam na legalidade

Autor

  • Alexandre Atheniense

    é sócio de Alexandre Atheniense Advogados coordenador do Comitê de Direito Digital do Centro de Estudos das Sociedades de Advogados (Cesa) membro das Comissões de Proteção de Dados Pessoais da OAB-MG e Direito Digital no Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB).

19 de julho de 2013, 11h06

Spacca
Caricatura: Alexandre Atheniense - 20/07/2011 [Spacca]O debate sobre o limite da participação societária do capital estrangeiro envolvendo empresas jornalísticas, de radiodifusão e portais de conteúdo da internet foi retomado na semana passada, com a aprovação da Medida Provisória 612/2013. A norma alterou a Lei 12.546/2011, que tem o objetivo de aumentar a desoneração fiscal. A novidade é que no texto desta foi mencionado pela primeira vez a existência de benefícios fiscais para empresas que atuam na atividade de portal de conteúdo da internet.

Este fato reacendeu as controvérsias sobre os efeitos de uma suposta equivalência conceitual entre os portais e as empresas jornalísticas e de radiodifusão. Porém, nos parece que o assunto não foi solucionado pelos motivos que iremos abordar.

O cerne da discussão reside sobre a interpretação conceitual e o alcance dos termos “empresa jornalística e de radiodifusão sonora e de imagens”, preceituados no artigo 222 da Constituição Federal. Isso porque esse artigo diz que pelo menos 70% da titularidade do capital total e do capital votante dessas empresas, direta ou indiretamente, seja de brasileiros natos ou naturalizados há mais de dez anos. Estes deverão exercer obrigatoriamente a gestão das atividades e estabelecerão o conteúdo da programação.

Nesse embate estão posicionados dois grupos com interesses bem diferenciados. De um lado, as empresas jornalísticas com predominância do capital acionário brasileiro, equivalente a até 70% das cotas, que conta com o apoio dos radiodifusores e das associações de classe como a ABERT (Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão) e a ANJ (Associação Nacional de Jornais). Este grupo defende  que os portais de conteúdo na internet devem ser enquadrados como empresas jornalísticas e, portanto, deveriam se submeter às regras e limitações fixadas pela Constituição Federal.

Os argumentos defendidos sustentam que o não cumprimento das normas estabelecidas na Constituição enfraquece o direito à propriedade, torna ainda mais precário o direito autoral e alimenta concorrência desleal entre empresas num mesmo mercado. Segundo o atual ministro do STF Luís Roberto Barroso, que em 2010 manifestou-se sobre o tema, a garantia à propriedade e administração de empresas de comunicação por brasileiros é uma forma de se proteger a cultura e a soberania nacional, pois nenhum país civilizado permite que as empresas jornalísticas sejam controladas por estrangeiros. Além disso, sustentou que nenhum país deseja que sua agenda política ou social seja controlada por estrangeiros.

De outro lado, em defesa da predominância do capital estrangeiro nos portais de conteúdo da internet, que vêm atuando no Brasil sem qualquer restrição, se alinham o portal Terra, o jornal Brasil Econômico, o jornal O Dia, a BBC Brasil, as agências Reuters e Bloomberg, o portal Yahoo e outros, que defendem que o artigo 222 da Constituição Federal não se aplica ao seu segmento profissional.

A dúvida que permanece sem solução é se o fato de a Constituição Federal não preceituar expressamente o termo “portais de conteúdo da internet” no artigo 222 torna ou não essa modalidade de negócio diferenciada de uma empresa jornalística ou de radiodifusão.

Analisando a questão sob o ponto de vista da natureza do serviço, não é admissível, sequer por analogia, aceitar que uma empresa que atue como portal de conteúdo na internet seja tratada de forma equivalente à radiodifusão, pois a internet não admite fronteiras.

Em outras palavras, para driblar de maneira operacional o dispositivo do artigo 222 da Constituição Federal, seria plenamente possível admitir que um portal de conteúdos com sede e capital acionário predominantemente estrangeiro produzisse conteúdos em língua portuguesa e os divulgasse pela internet para o público alvo brasileiro, sem que o Estado tivesse meios efetivos de fiscalizar ou coibir essa atividade.

Esse é mais um exemplo em que fica demonstrado que, em se tratando de modalidade de negócios que proliferam na internet, nem sempre o Estado consegue obter êxito de exercer integralmente sua soberania. A internet foi criada em um ambiente descentralizado, no qual nem sempre as regras tradicionais do mundo presencial são efetivamente aplicáveis.

Outro exemplo que ilustra a vulnerabilidade de controle estatal é o fatos de vários sites que exploram jogos de azar na internet serem passíveis de punição pela incidência de contravenção preceituada pela legislação brasileira. É bem verdade que existem diversos cassinos virtuais que proliferam a partir de sites hospedados no exterior,  atraindo diversos interessados no Brasil, inclusive com conteúdo em língua portuguesa.

Mais uma vez, nesse exemplo o Estado Brasileiro se mostra incapaz de exercer a fiscalização quanto a essa contravenção praticada pelos apostadores brasileiros, que costumeiramente acessam os cassinos virtuais a partir de seus domicílios em território nacional, sem o monitoramento e punição estatais.

Some-se ainda a esse fato a inexatidão sobre qual órgão estatal teria a competência para exercer o controle das atividades supostamente ilegais dos portais de notícias de internet.

É importante registrar que o Ministério das Comunicações já se manifestou alegando que não tem a função de exercer essa fiscalização, e o Ministério Público, quando consultado, se pronunciou alegando que os portais de conteúdo na internet não estão compreendidos no conceito de empresas jornalísticas.

O fato novo ocorrido na semana passada, com a entrada em vigor da MP 612/2013, — que no artigo 8º mencionou expressamente, pela primeira vez, a existência da atividade “dos portais de conteúdo da internet”, ressuscitou a discussão.

As primeiras interpretações que surgiram na internet sobre esse artigo depreendiam que o legislador havia equiparado o conceito de empresas jornalísticas aos portais de conteúdo da internet.

Vejamos como o artigo trata o tema:

Art. 8 – (…)

§ 6º Consideram-se empresas jornalísticas, para os fins do inciso XX do § 3º, aquelas que têm a seu cargo a edição de jornais, revistas, boletins e periódicos, ou a distribuição de noticiário por qualquer plataforma, inclusive em portais de conteúdo da Internet.

Ouso divergir desse entendimento pois, ao meu ver, se analisarmos a redação do citado artigo, deduziremos que o legislador admitiu, sim, a existência de duas classes profissionais distintas, ou seja, empresas jornalísticas e, “inclusive”, portais de conteúdo da internet.

Portanto, como o legislador utilizou o critério enumerativo para tratar as classes profissionais que se beneficiarão da desoneração fiscal — ou seja, empresas jornalísticas e portais de conteúdo da internet —, fica afastada, portanto, a interpretação de que tais classes possuem conceito equivalente.

O efeito dessa referência legal é inerente apenas à desoneração fiscal, e não pode ser compreendida como uma forma análoga de elucidar a controvérsia conceitual do artigo 222 da Constituição Federal.

Portanto, não me parece razoável interpretar que a MP 612/2013 tenha solucionado uma controvérsia e, muito menos, decretado a ilegalidade das atividades das empresas que atuam como portais de conteúdo na internet com capital predominante estrangeiro.

Cumpre repisar que, mesmo que uma norma venha a declarar uma atividade profissional como ilícita, é indispensável que a legislação seja esclarecedora quanto ao órgão competente para exercer essa fiscalização.

Em outras palavras, se inexiste solução legal para dirimir o problema da legalidade das atividades profissionais dos portais de conteúdo de internet com capital estrangeiro, solucionado está.

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