Sistema recursal

Não se mede qualidade pelas possibilidades de recurso

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19 de julho de 2013, 12h33

A regra de cabimento de recursos no âmbito dos Juizados Especiais Federais, definida pelo artigo 5º, da Lei 10.259/01(LJEF), é suficientemente clara em delimitar o campo de acolhimento daquela via de revisão judicial, e prevendo a possibilidade recursal, nos casos de decisões liminares, apenas quando houver seu deferimento. Idêntica regra foi prevista para os Juizados Especiais da Fazenda Pública, nos estados e no Distrito Federal, pela Lei 12.153/2009, artigo 4º.

Disso decorre que questões atinentes à rediscussão de decisões interlocutórias que têm por objeto, dentre outras, o indeferimento de liminar, a justiça gratuita, competência, produção de provas, execuções, ultrapassam os estritos limites da via recursal admitida nos JEFs. 

A restrição recursal, de base legal, ora destacada, justifica-se em razão dos próprios critérios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade, próprios dos juizados especiais, e definidos pela Lei 9.099/95. Mais do que critérios, tais aspectos traduzem autênticos valores dessa jurisdição especial e que devem ser prestigiados com afinco, de modo a não se afastar a jurisdição especial do compromisso que lhe fora reservado de ser uma justiça eficiente e de autêntica efetividade para a solução de conflitos e promoção da paz social.

Não há nada de novo em se admitir a delimitação recursal imposta pela Lei 10.259/01, pois a legislação dos juizados especiais, atenta aos mencionados valores da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade, também impõe outras excepcionalidades processuais impensáveis na jurisdição ordinária, como o são, por exemplo, o exercício da capacidade postulatória sem advogado (Lei 9099/95, artigo 9º, e Lei 10.259/01, artigo 10), a impossibilidade de intervenção de terceiros (Lei 9.099/95, artigo 10), a impossibilidade de prazos diferenciados para as pessoas de direito público (Lei 10.259/01, artigo 9º), a mitigação do ônus da prova (Lei 10.259/01, artigo 11), a inexistência de reexame necessário (Lei 10.259/01, artigo 13), a inexistência de ação rescisória (Lei 9099/95, artigo 59), e a impossibilidade de Recurso Especial (súmula 203/STJ).

E não é na mera opção legislativa, a do não cabimento do agravo de instrumento nas liminares indeferidas. Aqui se deve compreender a lógica que encerra o sistema recursal dos Juizados Especiais Federais. Tal lógica, em realidade, associa-se à ideia da convalidação da situação de fato. Desta decorre que apenas a decisão de deferimento é que implica a alteração do estado de fato anteriormente existente, e daí sendo razoável que essa decisão seja submetida ao crivo da revisão por um novo juízo, no caso, por um órgão colegiado, exatamente para se alcançar um momento de fato convalidado, seja confirmando-se o novo fato resultante da decisão agravada, seja restabelecendo a situação de fato anterior que foi modificada por aquela decisão. Por sua vez, quando se está diante de decisão indeferitória, a situação anterior de fato mantém-se inalterada, o que significa dizer que a decisão de primeiro grau convalidou-a, ainda que provisoriamente. 

E mesmo na exclusiva situação em que cabe agravo de instrumento para a Turma Recursal, não há espaço para a prolação de decisão liminar pelo relator. Essa faculdade encontra-se restrita à hipótese do artigo 14, parágrafo 5º, da Lei 10.259/01, e que tem direcionamento específico aos incidentes de uniformização de interpretação de lei, no âmbito exclusivo do STJ. Tivesse o legislador o intento de estender tal regra ao relator de Turma Recursal, teria feito expressa remissão a respeito, ou, ao menos, remetido o tratamento do recurso cabível da decisão de deferimento de medida liminar a regra semelhante, seja do artigo 527, do CPC, seja do artigo 14, parágrafo 5º, da Lei dos JEFs. 

É importante destacar que as restrições que se impõem ao cabimento do Agravo de Instrumento nos JEFs não implicam em supressão do direito constitucional de acesso à justiça e à ampla defesa (CF, artigo 5º, XXXV e LV). Tais garantias constitucionais realizam-se com os “meios e recursos a ela inerentes”, consoante preconiza o artigo 5º, inciso LV, da Constituição Federal. E esses meios e recursos, no caso dos juizados especiais, são os explicitamente definidos pelas Leis 9.099/95 e 10.259/01. Além disso, todas as questões decididas em primeiro grau, e das quais não cabe o recurso de Agravo de Instrumento, comportam ser devolvidas à análise da Turma Recursal, por ocasião do recurso interposto da sentença. Esse, aliás, é o entendimento que emerge do Enunciado 107, do Fonajef: “Fora das hipóteses do artigo 4º da Lei 10.259/2001, a impugnação de decisões interlocutórias proferidas antes da sentença deverá ser feita no recurso desta (artigo 41 da Lei 9.099/95)”.

Essa meritória restrição ao Agravo de Instrumento adotada pelo modelo do JEF, não bastasse imprimir reais contornos de economia e celeridade processuais, resta por valorizar a atuação jurisdicional do juiz de primeiro grau, cuja autoridade de suas convicções deve ser respeitada, até mesmo como primado de real observância ao princípio do juiz natural, e que não se confunde com a atuação do juiz do segundo grau chamado a decidir, ocasional e incidentalmente, em grau de recurso.

A cultura recursal ilimitada e criativa na jurisdição ordinária não pode e nem deve contaminar os juizados especiais, sob pena de estes virem a ter apenas a roupagem de uma nova justiça, pois, na verdade, estarão guardando na sua essência os resquícios de um sistema, o da jurisdição ordinária, que o tempo já se incumbiu de chancelar como atrofiado, por sua nada discreta ou sutil morosidade.

Por fim, um essencial registro: também é da lógica das causas nos juizados especiais que a parte se conforme com o prejuízo econômico decorrente da solução judicial, mesmo que não disponha de uma ampla gama de oportunidades para rediscussão da decisão. Isso é inerente às ações de alçada e, no modelo dos juizados especiais, uma opção da sociedade expressada pelo legislador. Se isso é bom ou ruim não é no Judiciário que se tem o local apropriado para essa discussão, e sim no Legislativo, não obstante este já ter reafirmado, pelo artigo 4º, da Lei 12.153/09, editada quase dez anos após a edição da Lei 10.259/01, o acerto daquela opção. 

Demais disso, a qualidade da prestação jurisdicional não se mede pela oportunidade de prolongamento dos debates nas mais diversas instâncias recursais, mas sim pela decisão fundamentada, o que, em última análise, é o que se exige já desde o primeiro grau de jurisdição.

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