Vínculo conjugal

Comissão acerta ao manter separação no CPC

Autor

  • Regina Beatriz Tavares da Silva

    é conselheira no Iasp consultora da Comissão de Direito de Família da OAB-SP. Doutora e Mestre em Direito pela USP integrou a Comissão Especial do Projeto de Código Civil na Câmara dos Deputados. É coordenadora e professora dos cursos de pós-graduação em Responsabilidade Civil no GVlaw — FGV e Coordenadora e Professora dos Cursos de Especialização em Direito de Família e Direito das Sucessões da ESA – OAB-SP.

17 de julho de 2013, 15h19

Parabéns aos congressistas membros da Comissão Especial na Câmara dos Deputados do Projeto de Lei de novo Código de Processo Civil PC — PL 8.046/2010 — pela aprovação das emendas de inserção da separação nesse projeto.

Note-se que o artigo 226, parágrafo 6º da Constituição Federal, na redação da EC 66/2010, dispensou, no divórcio, os requisitos temporais de um ano de separação judicial e de dois anos de separação de fato, mas não proscreveu o instituto da separação, como é reconhecido pelo CNJ (Resolução 120) e também em inúmeros julgados proferidos pelo STF, STJ e Tribunais Estaduais, assim como por vários doutrinadores, conforme apontamos no livro Divórcio e separação, 2ª ed. São Paulo, Saraiva, 2012.

As duas espécies dissolutórias, separação e divórcio, têm consequências diversas. A separação dissolve a sociedade conjugal, mas mantém íntegro o vínculo conjugal; o divórcio dissolve a sociedade e o vínculo matrimonial (Código Civil, artigo 1.571, caput, III e IV e parágrafo 1º).

A primeira inconstitucionalidade na eliminação da separação residia no desrespeito ao direito fundamental da liberdade (CF, artigo 5º, caput). Exatamente por ser o Brasil um Estado laico, é inviolável a liberdade de consciência e de crença, assim como é preservado a todos, inclusive em razão de suas crenças, o exercício de direitos (CF, artigo 5º, VI e VIII). Em caso de impossibilidade de manutenção da vida em comum, os religiosos que não admitem a dissolução do vínculo conjugal e somente aceitam a separação, se esta fosse suprimida de nosso ordenamento legal, teriam de optar pelo divórcio, em renúncia ao seu credo, ou permanecer na situação irregular de casados e sem convivência conjugal, para manter a sua crença. Em suma, os religiosos sofreriam violação àqueles direitos fundamentais da liberdade religiosa e ao exercício do direito de regularização do estado civil pela separação.

O Código Civil vigente regula na separação judicial as espécies remédio e sanção, assim como seus efeitos adequados às respectivas causas de pedir, sendo que o divórcio é regulado somente na espécie ruptura (artigos 1.571 a 1.582).

Na espécie ruptura, baseada na mera impossibilidade de vida em comum, não há razão para a existência de efeito específico protetivo ou punitivo. Já na espécie remédio, reside a proteção patrimonial, além da assistencial ao cônjuge mentalmente enfermo (CC, artigo 1.572, parágrafo 2º e parágrafo 3º) e na espécie sanção ou culposa, baseada no grave descumprimento de dever conjugal (CC, artigos 1.572, caput e 1.573), aplicam-se ao culpado as sanções de perda do direito à pensão alimentícia plena e do direito ao uso do sobrenome marital (CC, artigos 1.704 e 1.578), e, quando ocorrer dano, de condenação na indenização cabível (CC, artigo 186).

Equivaleria a grave violação constitucional a eliminação das espécies remédio e sanção, que, reitere-se, são reguladas somente na separação judicial.

Ocorreria violação à dignidade da pessoa humana (CF, artigo 1º, III).

É inadmissível que o cônjuge que trai, ao descumprir o dever de fidelidade, possa ficar impune e ter o direito de receber pensão alimentícia plena da vítima do adultério.

É inadmissível que o cônjuge que pratica violência doméstica mantenha o direito de receber pensão alimentícia plena do consorte agredido.

Como destacou a ministra Nancy Andrighi, em doutrina prefacial, “remanesceria impune o infrator que, além do mais, ante o preenchimento de certos requisitos, poderia ainda fazer jus ao recebimento de alimentos plenos, a serem prestados pela perplexa vítima do ato ilícito.” E completou: “Relava anotar, nesse sentido, que somente nas relações familiares deixaria de ser aplicada a noção de que o descumprimento de dever jurídico acarreta sanção ao inadimplente ou agente do ato lesivo” (Divórcio e separação, obra citada).

Outras inconstitucionalidades são apontadas, se viessem a ser suprimidas as espécies dissolutórias remédio e sanção: violação ao artigo 5º da Constituição Federal, que tutela a vida, em seu caput, a integridade física, em seu inciso III, e a honra, em seu inciso X.

Também ocorreria violação ao artigo 226, caput, segundo o qual a família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado, compreendidos, na expressão família, os seus membros, e ao artigo 226, parágrafo 8º, que impõe ao Estado o dever de criar mecanismos para coibir a violência no âmbito das relações familiares, já que o direito do agressor à pensão alimentícia plena seria um incentivo a essa abominável prática.

A supressão do procedimento da separação, diante de sua previsão no Código Civil vigente, levaria a debates processuais intermináveis, com batalhas judiciais que possibilitariam inúmeros recursos, inclusive pela ordem constitucional, o que contraria o espírito do projeto de lei em tela.

Por isso, foram apresentadas pelo deputado Arnaldo Faria de Sá as Emendas 9 a 14, sugeridas por esta articulista, acolhidas pelo relator parcial deputado Efraim Filho, tendo em vista recompor os artigos que versam sobre a competência e o sigilo no procedimento contencioso e o procedimento não contencioso das ações dissolutórias, com o acréscimo da separação e de sua conversão em divórcio.

A Comissão Especial de novo CPC, sob a relatoria do deputado Paulo Teixeira, merece os nossos cumprimentos, já que não incorreu nas inconstitucionalidades acima apontadas, tendo acolhido as referidas sugestões legislativas e incluído a separação como espécie de dissolução conjugal.

Autores

  • é presidente da Comissão de Direito de Família do IASP, coordenadora e professora dos cursos de pós-graduação em responsabilidade civil da Escola de Direito da FGV – GVlaw e dos Cursos de Especialização em Direito de Família e das Sucessões da ESA – OAB/SP, doutora e mestre em Direito Civil pela USP e advogada sócia e titular do escritório Regina Beatriz Tavares da Silva Sociedade de Advogados.

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!