Proteção à comunidade

Incra tenta impedir reintegração de posse em quilombo

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17 de julho de 2013, 15h32

O Instituto de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e a Fundação Cultural Palmares (FCP) ajuizaram na segunda-feira (15/7) Ação Civil Pública na Justiça Federal para tornar sem efeito prático uma decisão da Justiça estadual de São Paulo. A discussão é sobre a posse de um terreno de mil hectares no litoral norte de São Paulo, perto da praia de Ubatuba, ocupado por uma comunidade quilombola. O caso está na 1ª Vara Federal de Caraguatatuba.

O processo judicial se arrasta há quase 40 anos, como costumam ser as questões agrárias brasileiras, principalmente as que envolvem comunidades remanescentes de quilombos. Em 1976, João Bento de Carvalho ajuizou uma ação de reintegração de posse no terreno, que já estava ocupado pela Comunidade Remanescente de Quilombo Cambury, a quem hoje o Incra quer repassar a posse da terra. Quem estava no polo passivo da ação naquela época era Genésio dos Santos, um líder da comunidade.

Sentença da 1ª Vara de Ubatuba, de 1982, deu razão a Carvalho e em 1984 o processo transitou em julgado. Trinta e quatro anos se passaram sem que os vencedores fizessem qualquer movimentação, dentro ou fora dos autos, em relação ao terreno. Não foram nem mesmo buscar a execução da sentença. E os quilombolas continuaram instalados na área durante esse período. 

Em 2008, o Incra foi informado do risco que a Comunidade Cambury corria e pediu para ingressar na ação. Na mesma ação que transitou em julgado em 1984, o Incra afirmou que o caso tratava de comunidade quilombola em processo de reconhecimento e pediu a transferência do caso para a Justiça Federal, a quem compete o julgamento das causas de interesse da União e suas autarquias. A manifestação da autarquia de reforma agrária foi acolhida, a reintegração de posse foi suspensa e o caso foi enviado à Vara Federal de Taubaté.

Dois anos depois, em 2010, a Justiça Federal extinguiu a ação sem julgamento de mérito, determinando que a ação de reintegração de posse voltasse a correr, mas de maneira independente. O caso foi redistribuído à 1ª Vara Federal de Caragatatuba.

Em junho de 2012, ficou decidido que, como a reintegração de posse já havia transitado em julgado, não faria sentido permitir o ingresso de uma terceira parte no feito já na fase de cumprimento da sentença, ainda mais depois de tantos anos. Sendo assim, a decisão foi de reenviar os autos à Justiça estadual “por não haver pressuposto lógico para alteração da competência da Justiça Federal”. E em dezembro de 2012 o caso voltou a Ubatuba.

Comunidade remanescente
Em março deste ano, o juiz Eduardo Passos Behring Cardoso, titular da 1ª Vara de Ubatuba, determinou o cumprimento da sentença, com uso de força policial, se necessário. Deu o prazo de cinco dias para que os ocupantes da terra a deixassem. “Não há motivos que autorizem a reapreciação da questão. Assim, defiro o novo pleito e determino que se desentranhe o mandado de reintegração de posse”, escreveu.

Na Ação Civil Pública ajuizada na segunda-feira, o Incra, representado pela Advocacia-Geral da União, apresenta Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID) reconhecendo que a comunidade que ocupa a área em discussão é remanescente de quilombo. O parecer é de 2008.

Também são apresentados relatórios técnicos e antropológicos com a mesma conclusão. O mais antigo é do Instituto de Terras de São Paulo, o Itesp, que é de 2005. Em 2006, a Fundação Cultural Palmares, que também assina a Ação Civil Pública, reconheceu que as 40 famílias que estão na terra em discussão na Justiça compõem uma comunidade quilombola.

Na ação, a discussão é que, como a sentença é de 1984, mas nunca foi cumprida, as famílias já estavam lá quando da promulgação da Constituição Federal, em 1988. E o artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) garante às comunidades descendentes de quilombos as terras que estavam ocupando em 1988, argumenta o Incra.

Segundo as autarquias federais que assinam o pedido, a questão tratada não é o direito das 40 famílias, individualmente, de permanecer ali. Mas da defesa dos interesses de uma comunidade remanescente de quilombo. “Qualquer tipo de ameaça sobre a posse de território de comunidades descendente de quilombo é uma afronta à Constituição Federal, ameaçando a própria existência das comunidades, incluindo seus valores, tradição, cultura e hábitos”, diz a inicial da ação. 

As autarquias também ressaltam que o pedido não é para que se desconsidere a decisão da Justiça estadual, de 1982. O que se pede, afirmam, é que seja declarada a posse da terra pela comunidade dos quilombolas. Ou seja: a decisão de 1982 ficará sem efeito prático, pois, se a terra for declarada como de propriedade da Comunidade Cambury, João Bento de Carvalho, a quem foi determinada a reintegração da posse do terreno, será obrigado a entregá-lo às famílias.

Processo 0000584-19.2013.4.03.6135

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