Melhor prática

Arbitragem internacional funde civil law e common law

Autor

17 de julho de 2013, 16h55

A International Bar Association (IBA) lançou a Diretriz para Representação de Partes em Arbitragens Internacionais (Diretriz), em 25 de maio de 2013.[1] A Diretriz impõe aos representantes das partes o dever de agir com integridade e honestidade, assim como veda conduta que resulte em atraso e custos desnecessários ao procedimento arbitral. A intenção da IBA é nobre, visto que a Diretriz é o primeiro instrumento elaborado para homogeneizar, regular e punir a conduta de advogados em procedimentos arbitrais internacionais.

A IBA é uma associação global cujo escopo é, entre outras coisas, desenvolver e harmonizar áreas do direito internacional. A IBA examina áreas específicas através de forças tarefa, as quais consultam advogados sobre pontos práticos problemáticos para, então, sugerir melhorias. A IBA já produziu três diretrizes prévias relacionadas à arbitragem internacional: Diretriz relativa a Conflitos de Interesse; Diretriz para Redação de Cláusulas de Arbitragem Internacional; Rules on the Taking of Evidence. Esta última, cujo escopo é definir um sistema de produção de provas eficiente, justo e econômico; é utilizada em 60% dos procedimentos arbitrais internacionais, de acordo com pesquisa da Queen Mary University of London.[2]

Arbitragem comercial internacional é um sistema desenvolvido para resolver disputas originadas de contratos que envolvem múltiplas jurisdições. O sistema, inicialmente criado como uma alternativa às jurisdições estatais, hoje é a regra para disputas internacionais.

Procedimentos arbitrais internacionais podem reunir partes, advogados e árbitros de culturas e influências legais variadas. Muitos, naturalmente, atuam em procedimentos arbitrais de acordo com particularidades e experiências adquiridas durante a prática contenciosa em suas jurisdições de origem. Essa mistura de posturas levanta questões sobre o aspecto procedimental da arbitragem.

No contencioso civil pátrio, a conduta do advogado brasileiro é regulada, principalmente, pelo Código de Ética e Disciplina da OAB e pela Lei 8.906/1994. Advogado que ultrapassar os limites estabelecidos pelos respectivos regulamentos estará sujeito a sanções.

Em procedimentos arbitrais internacionais a situação é diferente. Imagine o seguinte cenário: advogado brasileiro atuando em procedimento arbitral com sede na França, regido pela lei processual inglesa, governado pela lei material alemã, com parte contrária chinesa, a qual é representada por advogado americano. O advogado brasileiro estaria sujeito a qual regulamento de conduta? Poderia o advogado brasileiro estar sujeito a um regulamento de conduta e o advogado americano sujeito a outro?

Times de arbitragem de grandes escritórios são formados por advogados de várias nacionalidades. Assim, advogados representando o mesmo cliente estariam sujeitos a padrões de conduta distintos? Os advogados estariam sujeitos ao regulamento da sua respectiva jurisdição de origem, da sede da arbitragem, do local onde as audiências são realizadas, ou tudo junto e misturado?

Necessário lembrar que cada país dita regras de conduta delineadas por expectativas e características legais que, muitas vezes, são singulares. Logo, os padrões de conduta podem ser incompatíveis.

A única forma de responder as questões acima, até então, era através de um teste de conflito de leis. Tais testes, além de extremamente complexos, potencialmente trazem resultados insatisfatórios.

A IBA, por sua vez, propõe uma solução simples ao problema complexo. A Diretriz é um conjunto de normas uniformes internacionais de conduta profissional elaborado para atacar as incertezas acima. Assim, a IBA desenvolveu um conjunto de dispositivos que acomodam diferenças culturais e legais dos representantes das partes, desenvolvido de acordo com a "melhor prática"[3] arbitral internacional.

Diretrizes
Válido notar que a Diretriz utiliza o termo "Representante da Parte", e não "advogado da parte". Isto porque cada país possui sua respectiva lei de arbitragem, e muitas leis não exigem que as partes sejam, necessariamente, representadas por advogado. A própria Lei de Arbitragem brasileira ilustra a questão: "as partes ‘poderão’ postular por intermédio de advogado, respeitada, sempre, a faculdade de designar quem as represente ou assista no procedimento arbitral".[4]

Na opinião desta nota, cabe o argumento de que as partes não precisam nomear advogados em procedimentos arbitrais governados pela lei de arbitragem brasileira. Partindo desta premissa, é possível argumentar, de forma razoável, que os regulamentos de conduta da OAB não são aplicáveis aos procedimentos arbitrais. Aí, surgiria uma nova questão: procedimento arbitral governado pela lei brasileira de arbitragem pode ser regido sem qualquer regulamentação de conduta? A pergunta é difícil e foge do escopo desta nota, por isso merece ser discutida em outro momento.

Representação das partes
A Diretriz dispõe que, uma vez constituído o tribunal arbitral, uma pessoa não deve aceitar representar uma parte, caso exista relação entre esta pessoa e o árbitro que possa gerar um conflito de interesse. Se o dispositivo for desrespeitado, o tribunal arbitral deve tomar as medidas necessárias para resguardar a integridade do procedimento arbitral. Dentre tais medidas, consta a exclusão total ou parcial do representante da parte do procedimento.

O dispositivo tenta impedir que as partes tumultuem o procedimento arbitral. Por exemplo, uma parte poderia constituir, intencionalmente, um representante que possua relação familiar ou profissional com um dos árbitros. Assim, esta parte tentaria macular a independência e imparcialidade do tribunal, a fim de impugnar a legitimidade do procedimento arbitral.

Comunicação com os árbitros
Como regra, a Diretriz determina que comunição unilateral entre representante da parte e o árbitro é inaceitável. Contudo, a Diretriz lista situações nas quais tal comunicação é permita, por exemplo:

— "a fim de verificar: experiência, conhecimento, habilidade, disponibilidade, e possíveis conflitos de interesse; para então decidir se o árbitro deve ser apontado para constituir o tribunal; 

— comunição com provável árbitro, ou árbitro apontado pela parte, a fim de selecionar o presidente do tribunal arbitral; 

— comunicação com o provável presidente do tribunal arbitral, caso as demais partes da arbitragem concordem, a fim de verificar: a experiência, conhecimento, habilidade, disponibilidade, e possíveis conflitos de interesse; para então decidir se este deve ser apontado como presidente; 

— em caso de comunicação com o provável árbitro, ou provável presidente do tribunal arbitral; tal comunicação deve ser restrita à descrição geral da disputa. O representante da parte não deve requerer opinião sobre a substância da disputa".

É possível verificar como a arbitragem se afasta, em muitas situações, do contencioso civil brasileiro. O advogado brasileiro detém prerrogativa legal de ser ouvido, e pode discutir o caso com o juiz togado em qualquer momento do processo.[5]

Requerimentos ao tribunal arbitral
O representante da parte não deve submeter, conscientemente, alegações fáticas falsas ao tribunal arbitral. Ainda, ao descobrir alegação falsa previamente submetida, o representante da parte deve corrigir a respectiva alegação.

Válido destacar que o dispositivo discorre sobre alegações fáticas. O representante da parte é livre para construir as alegações de direito e contratuais que entenda razoável.

Igualmente, o representante da parte não deve submeter, intencionalmente, prova testemunhal ou pericial falsa. Este dispositivo também discorre sobre situações que uma testemunha ou perito queira apresentar, ou tenha apresentado, prova que o represente da parte descobriu ser falsa. Nesses casos, o representante da parte deve aconselhar seu cliente a remediar a situação, além de alertá-lo sobre as possíveis consequências em caso de inércia.

A Diretriz listou um rol não exaustivo de condutas que o representante da parte deve tomar para remediar as situações acima: (i) aconselhar a testemunha ou o perito a falar a verdade; (ii) adotar medidas razoáveis para evitar a submissão de prova falsa; (iii) compelir a correção de prova falsa já submetida; (iv) corrigir ou retirar do procedimento a prova falsa; (v) desistir de representar seu cliente e deixar o procedimento arbitral.

O dever de atuar de forma honesta e justa é um princípio consagrado e implícito em arbitragens internacionais. Entretanto, a Diretriz deu um passo além. Agora, o representante da parte detém dupla responsabilidade: zelar pela sua própria conduta; e supervisionar a conduta das testemunhas e peritos do seu cliente.

Troca de informações e disclosure
Em disputas envolvendo a produção de prova documental, o representante da parte deve informar seu cliente sobre a necessidade de preservar documentos. Por exemplo, email antigos, muitas vezes arquivados ou deletados da caixa de entrada do Outlook, podem ajudar o tribunal arbitral a entender o contexto comercial da disputa.

Além disso, o representante da parte não deve requerer a produção de documentos desnecessários, tampouco contestar requerimento de produção de documentos efetuados pela parte contrária. Tais condutas são consideradas estratégias para tumultuar, obstruir, ou prolongar o curso do procedimento arbitral.

Cabe, ainda, ao representante da parte explicar ao seu cliente a necessidade de produzir os documentos requeridos pela parte contrária, assim como discorrer sobre as consequências advindas da não produção de documentos. Para tanto, é preciso demonstrar os passos necessários para assegurar uma busca documental razoável nos arquivos do cliente. Igualmente, é necessário identificar e categorizar os documentos relevantes de forma que facilite a compreensão do tribunal arbitral. 

A Diretriz segue ainda mais incisiva ao afirmar que o representante da parte não deve ocultar ou suprimir documentos cuja produção seja relevante ao preciso desfecho da disputa. Caso o representante da parte, no curso do procedimento, descubra documento que deveria ter sido produzido, é necessário aconselhar seu cliente sobre a necessidade de produzi-lo.

Aqui, as Diretrizes penderam para a prática exercida no sistema common law, a qual impõe as partes o dever de fornecer à parte contrária toda a documentação referente ao litígio, o chamado disclosure. Como resultado, muitas vezes, as partes iniciam o procedimento arbitral ou judicial com um esqueleto de requerimento e defesa, para então construir o caso durante o desenrolar do procedimento, com base na documentação fornecida pela parte contrária.

Como contraste, a parte sujeita ao sistema civil law constrói seu caso com base, somente, na documentação em sua posse. Ainda, a parte possui a prerrogativa de acostar ao procedimento somente documentos benéficos ao seu caso.

O contencioso civil brasileiro segue o sistema civil law. Logo, é dever processual das partes instruir a peça inicial e contestação com toda a documentação necessária à fundamentação do caso. A juntada posterior de documento ou requerimento de produção documento em posse da parte contrária somente é permitida em situações excepcionais.

Também é interessante destacar que a lei de arbitragem brasileira não dispõe sobre a forma de produção de documentos. De fato, esta é uma característica presente nas leis de arbitragem de países desenvolvidos. E tal característica é intencional, a fim de permitir um procedimento flexível e maleável de acordo com a necessidade das partes.

Necessário frisar que, ao contrário da opinião de alguns juristas, o Código de Processo Civil (CPC) brasileiro não se aplica, de forma subsidiária, à produção de documentos em procedimentos arbitrais. Pouco importa se a arbitragem é nacional ou internacional.

As partes detêm autonomia para acordar, direta ou indiretamente,[6] sobre a forma de produção de documentos na arbitragem, cabendo ao tribunal arbitral preencher eventuais lacunas. O tribunal arbitral pode delinear a produção de provas depois de consultar as partes ou, caso não haja consenso, de acordo com a discricionariedade conferida pela lei de arbitragem e regulamento institucional aplicável ao procedimento.

Testemunhas e peritos
O representante da parte pode auxiliar na preparação de depoimento testemunhal escrito (witness statements) e na preparação do relatório elaborado por perito. Para tanto, a Diretriz permite, expressamente, o encontro e interação com testemunhas e peritos. Tudo sob a ressalva de que os testemunhos escritos e relatórios reflitam a questão fática e opiniões dos peritos.

Além disso, o representante da parte pode compensar financeiramente as testemunhas pelo tempo gasto e despesas incorridas durante a preparação do testemunho escrito e comparecimento em audiência. Igualmente, é permitido pagar pelos serviços prestados pelo perito.

Sob a ótica do contencioso civil brasileiro: nada novo em relação aos peritos; porém uma enorme diferença em relação às testemunhas.

Em sistemas civil law, a relação entre advogado e testemunha é extremamente limitada e regulada. O processo civil brasileiro, por exemplo, segue um sistema inquisitorial. As peças escritas detêm imperiosa relevância, e a possibilidade de apresentar argumentos oralmente é restrita. O juiz exerce conduta ativa no controle do procedimento. Em audiências, os advogados direcionam as perguntas ao juiz e, somente caso este entenda pertinente, tais perguntas são redirecionadas às testemunhas. Pessoas relacionadas às partes do litígio perdem o status de testemunha e figuram como informante. Inexiste testemunho escrito, e o depoimento da testemunha é guiado, em audiências, pelos princípios da imediatidade e da oralidade. O advogado que orientar testemunha comete infração ética passível de sanção pela OAB.

Já em sistemas common law, o procedimento segue um sistema adversarial. Neste, as partes possuem maior autonomia para ditar o ritmo e escopo do procedimento, enquanto o “juiz senta e decide”.[7] Na Inglaterra, por exemplo, os argumentos orais são as peças centrais do procedimento, e as audiências podem durar mais de uma semana. O depoimento fático de uma testemunha pode suplantar a prova documental. Qualquer pessoa, mesmo que relacionada às partes, é considerada testemunha. As perguntas são dirigidas diretamente às testemunhas, as quais precisam concordar ou discordar das afirmações apresentadas em audiência, restando expostas à pressão efetuada pelos advogados da parte contrária, o chamado cross examination. Por isso a preparação de testemunhas é considerada tão importante.

A Diretriz permite ao representante da parte “ensaiar” a audiência com as testemunhas, praticando perguntas e respostas em audiências simuladas — coisa de outro mundo para um advogado de sistema civil law. Logo, resta verificado que padrões do common law poderiam ser considerados antiéticos e potencialmente criminais em sistemas civil law.

Entretanto, necessário informar que a IBA não decidiu, ao seu alvedrio, impor característica do common law aos procedimentos arbitrais internacionais. Ao revés, a IBA apenas formalizou dispositivo que reflete a "melhor prática" arbitral internacional, a qual tem sido desenvolvida ao longo de décadas.[8]

A qualidade e o estilo do representante da parte influenciam substancialmente na apresentação do caso ao tribunal; logo, são essenciais ao resultado da disputa. É impreterível ao advogado de sistema civil law, em arbitragens internacionais, auxiliar na redação dos depoimentos testemunhais escritos, e submetê-los com antecedência ao tribunal arbitral. Ainda, o advogado deve esmiuçar os depoimentos escritos submetidos pela parte contrária, os quais podem ser contrapostos por novos depoimentos. Caso contrário, a parte ex adversa representada por advogados de origem common law teria vantagem.

Sanções
O tribunal arbitral detém poderes para aplicar sanções; caso o representante da parte atue em desconformidade com disposto na Diretriz. Esta foi a forma encontrada pela IBA para conferir efeitos práticos à Diretriz.

As medidas repressivas e punitivas incluem: (i) advertir o representante da parte; (ii) considerar a conduta do representante da parte ao avaliar as provas e argumentos legais apresentados no procedimento (draw negative inferences); (iii) considerar a conduta do representante da parte ao alocar as custas do procedimento arbitral; (iv) tomar outras medidas para preservar a justiça e integridade da procedimento arbitral. Este último item esclarece que o rol não é exaustivo e confere discricionariedade ao tribunal arbitral.

Importante verificar que, de acordo com o rol acima sugerido pela IBA, ao final do procedimento, quem paga o preço pela conduta inapropriada do representante da parte é o cliente representado.

Draw negative inferences também é um princípio de sistemas common law. Por exemplo, se a parte não apresenta documentos requeridos pela parte contrária, é legítimo ao tribunal arbitral presumir que a parte não apresentou os respectivos documentos porque estes seriam favoráveis à tese da parte contrária. Tal presunção, por óbvio, irá influenciar no resultado da disputa.

A lei de arbitragem brasileira concede poder ao tribunal arbitral similar ao draw negative inferences. Contudo, a aplicabilidade é limitada a situações que a parte ignore ordem para prestar depoimento pessoal.[9]

Ainda, o tribunal arbitral pode punir a parte impropriamente representada através de determinação para que esta pague uma proporção maior das custas do procedimento arbitral.

As sanções acima refletem de duas maneiras no procedimento arbitral. Primeiro, as partes devem monitorar a conduta do seu representante, pois eventual conduta inapropriada deste resultará em punição à parte. Segundo, evita que partes inescrupulosas autorizem dois grupos de representantes no mesmo procedimento: um a fim apresentar as razões fáticas e de direito, e o outro a fim de tumultuar o curso da arbitragem.

Por último, as Diretrizes determinam que o tribunal arbitral observe a conduta do representante da parte sob a ótica da boa fé, antes de decidir sobre a aplicação de sanções. A boa fé é princípio originário de sistemas civil law, cuja interpretação pode confundir advogados do sistema common law.

Aplicabilidade
A Diretriz não possui natureza legal, mas sim contratual. Isto significa que a Diretriz só tem efeito vinculante ao desenrolar da arbitragem em duas situações. Primeiro, se as partes incorporarem a Diretriz à convenção de arbitragem. Em outras palavras, as partes precisam acordar sobre aplicabilidade, integral ou parcialmente, da Diretriz ao procedimento arbitral. Segundo, em situações que a lei de arbitragem ou regulamento institucional conceda discricionariedade ao tribunal arbitral, e este entenda que possui poderes para aplicar a Diretriz, depois de consultar as partes do procedimento.

Um tribunal arbitral possui jurisdição somente sobre as partes da convenção de arbitragem. Logo, sob uma análise técnica, um tribunal arbitral geralmente não possui jurisdição sobre os advogados atuando no procedimento arbitral. Ao contratar a Diretriz, as partes estendem a jurisdição sobre os advogados. Este link jurídico legitima o controle e punição da conduta de advogados pelo tribunal arbitral.

A IBA especificou forma para resolução de conflitos de leis no texto da Diretriz. Se houver lei, normativa de órgão regulador da profissão de advogados (tal como a OAB), ou regulamento de arbitragem que estabeleça ponto incompatível ao texto da Diretriz, esta deixa de ser aplicável. Portanto, normas que regulam a confidencialidade e relação privilegiada entre advogado e cliente não são derrogadas pela Diretriz.

Maior regulação
Algumas vozes renomadas no cenário arbitral já pugnavam por maior certeza e claridade em procedimentos arbitrais internacionais.[10] No discurso chave proferido no ICCA de 2012, Sundaresh Menon atentou sobre a necessidade de: "achar um conjunto uniforme de padrões éticos e regras de conduta profissional que possa penetrar os diferentes cenários dos sistemas legais ao redor do mundo".[11]

O novo regulamento de arbitragem da LCIA, o qual estará vigente até o final de 2013, seguirá linha similar. O representante da parte deverá exercer conduta delineada por princípios éticos e de boa fé. Caso contrário, o tribunal arbitral poderá excluir o representante da parte da arbitragem.

Conclusão
O objetivo da IBA foi desenvolver um regulamento de conduta personalizado para arbitragens internacionais. Este objetivo é válido, pois evita que regulamentos desenvolvidos para lidar com contencioso nacional sejam impostos aos procedimentos arbitrais internacionais.

Logo, a Diretriz é um conjunto de regras do jogo, pautadas no princípio do fair play, e aplicável de forma homogênea aos participantes da arbitragem. Incorporar a Diretriz à convenção de arbitragem, sem dúvida, trará maior previsibilidade e segurança ao procedimento arbitral. Como resultado, as partes aumentam a chance de exequibilidade da sentença arbitral.

A arbitragem internacional é muitas vezes definida como: globalização do direito. Como consequência, diferentes características advindas de variados backgrounds legais normalmente coexistem em um procedimento arbitral.[12] A Diretriz corrobora a assertiva anterior e a análise do seu texto ensina duas lições.

Primeiro: procedimentos de arbitragem internacional representam um ponto de fusão entre o sistema civil law e o sistema common law.[13] Tal peculiaridade originou a chamada "melhor prática" arbitral internacional, a qual consiste em advogados atuando em conformidade com as peculiaridades de ambos os sistemas legais.

Portanto, o advogado que atuar pautado em experiência adquirida em somente um dos sistemas legais não representará seu cliente de maneira ideal.

Segundo: o Código de Processo Civil não se aplica de forma subsidiária a arbitragens nacionais e internacionais. Isto somente ocorre quando a lei de arbitragem faz menção expressa aos dispositivos do CPC. A lei de arbitragem brasileira, intencionalmente, deixou de delinear certos aspectos do procedimento arbitral. Esta característica é uma vantagem que respeita a autonomia da vontade das partes para moldar o procedimento de acordo com a disputa em tela.

Procedimento arbitral e processo judicial são mundos diversos. Importar conduta exercida perante o judiciário brasileiro ao procedimento arbitral, em especial em arbitragem internacional, está longe de ser a melhor prática.

Felipe Vollbrecht Sperandio é mestre em Resolução de Disputas Internacionais pela Queen Mary University of London, e advogado de Clyde & Co em Londres.


[1] Para conferir a Diretriz para Representação de Partes em Arbitragens Internacionais em inglês, clique aqui.

[2] Para conferir a pesquisa realizada pela School of International Arbitration – Queen Mary University of London em inglês, clique aqui.

[3] O comitê de arbitragem da IBA realizou uma pesquisa em 2010 com foco na conduta de advogados em arbitragens internacionais. O grupo de estudos investigou se diferentes normas éticas e culturais, padrões, regras disciplinares, e se uma falta de diretriz internacional poderia comprometer o tratamento igualitário e justo em procedimentos arbitrais internacionais. A pesquisa também identificou como advogados de common law, civil law e sistema legal islâmico atuam, a fim de delinear a "melhor prática" arbitral internacional.

[4] Art. 21, § 3º, da Lei no. 9.307/96.

[5] Art. 7, VIII da Lei Federal n. 8.906/94.

[6] O acordo indireto se dá pela incorporação de regulamentos institucionais à convenção de arbitragem.

[7] Christian Borris. Common Law and civil law: fundamental differences and their impact on arbitration. JCI Arbitration 60 (2) (1194), p.78.

[8] Ver nota de roda pé n. 3;

[9] Art. 22, §2 da Lei n. 9.307/96.

[10] O Congresso do ICCA de 2010 propôs o International Code of Ethics for Lawyers Practicing Before International Tribunals. O instrumento discorreu, em momento pretério, sobre alguns princípios estabelecidos pela Diretriz. Contudo, a ICCA não concedeu poderes ao tribunal arbitral para sancionar o advogado que exerça conduta inapropriada. Logo, a afirmação contida no primeiro parágrafo desta nota subsiste: "a Diretriz é o primeiro instrumento elaborado para homogeneizar, regular, e punir a conduta de advogados em procedimentos arbitrais internacionais".

[11] Para conferir o texto do discurso chave do ICCA 2012, clique aqui.

[12] Gary B. Born, International Commercial Arbitration, Kluwer Law International, 2009, p. 1748-1765.

[13] Arbitragens internacionais também são influenciadas por características do sistema de Sharia law, porém os dois principais sistemas são civil law e common law.

Autores

  • Brave

    é mestre em Arbitragem Internacional e Comparada pela Queen Mary University, em Londres. Pós-graduado em Direito Processual Civil pelo Instituto Romeu Felipe Bacellar. Pós-graduado em Direito Empresarial pela Academia Brasileira de Direito Constitucional. Membro da Comissão de Mediação e Arbitragem da OAB Paraná. Advogado e Administrador de Empresas.

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!