Consultor Tributário

Novas medidas de recuperação de dívidas tributárias

Autor

  • Heleno Taveira Torres

    é professor titular de Direito Financeiro e chefe do Departamento de Direito Econômico Financeiro e Tributário da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) presidente da Associação Brasileira de Direito Financeiro (ABDF) e advogado.

17 de julho de 2013, 8h01

Spacca
O país tem assistido a múltiplas demandas de aumento da qualidade na prestação de serviços públicos, notadamente da educação e da saúde, ampliação da acessibilidade ao gozo de direitos sociais básicos, assim como dos benefícios de assistência social. Tudo isso equivale a aumento de despesas públicas. Para atender a essas necessidades, três saídas são possíveis: aumento de tributo, reestruturação dos créditos orçamentários, segundo revisão das prioridades ou recuperação de dívidas.

Como não há espaço para aumento de tributos, impõe-se uma revisão profunda da forma de distribuição do volume de receitas ao longo do orçamento público. É chegado o tempo de se enfrentar a elaboração de uma lei complementar com reforma da lei geral de direito financeiro, cristalizada na Lei 4.320, de 1964.

Entretanto, há uma outra forma de rápido incremento das receitas públicas, que é a melhoria e celeridade na solução dos conflitos tributários, o que atormenta contribuintes, cria dificuldades de toda ordem ao desempenho das atividades econômicas, com suas excessivas exigências de garantias que se multiplicam e se sobrepõem, além de sanções gravíssimas, mas que também, por parte das fazendas públicas, eterniza o passivo tributário, com prevalência dos expedientes processuais sobre a verdadeira finalidade, que é a percepção do crédito público, para atender às demandas sociais e estruturais do Estado.

Sabe-se que o passivo tributário, no Brasil, é altíssimo. Somente no âmbito dos tributos federais, chega a uma cifra superior a R$ 1,2 trilhão. Não obstante os esforços louváveis dos advogados públicos, a verdade é que a recuperação deste passivo de dívidas tributárias ainda é muito aquém do esperado. Estima-se que não supere os R$ 20 bilhões anuais. Culpa de uma lei superada e antiquada, que é a Lei 6.830, de 1980. Sozinha, ela não tem capacidade de oferta da celeridade esperada.

Por esse motivo, afora os únicos meios de solução de litígios hoje vigentes, o processo administrativo e a execução fiscal, afora os meios processuais ordinários (mandado de segurança e outros), algumas alternativas são importantes para serem refletidas, como a conciliação judicial, a transação e a arbitragem em matéria tributária. Diversos países alcançaram bons êxitos na redução dos seus passivos tributários, acomodando os princípios de indisponibilidade do patrimônio público e segurança jurídica dos contribuintes, com aqueles da eficiência e simplificação fiscal.

O princípio jurídico e técnico da praticabilidade da tributação impõe um verdadeiro dever ao Legislador de busca dos caminhos de maior economia, eficiência e celeridade para viabilizar a imposição tributária, o que poderá ser alcançado com intensificação da participação dos administrados na gestão tributária e possibilidade de solução extrajudicial de conflitos entre a Administração e os contribuintes.

Sabe-se, muitos são os obstáculos teóricos e culturais a superar, tendo em vista conceitos e valores que merecem novos sopesamentos, diante do atual quadro de evolução técnica dos ordenamentos e renovação científica da doutrina. Há sempre o temor da corrupção, assim como o medo das autoridades administrativas em decidirem conflitos e que mais tarde, pelo simples fato da participação e assinatura dos atos, sejam alvo de penosos processos penais ou de improbidade administrativa. Entretanto, essas ressalvas devem ser motivo para impor rigores e controles, e não para se afastar o dever do adequado exame do emprego das formas jurídicas de solução dos conflitos.

Dentre todos, é o princípio da indisponibilidade do patrimônio público (tributo) o que maiores problemas de análise e de afetação comporta.

O que vem a ser, precisamente, “indisponibilidade do crédito tributário”? O princípio da indisponibilidade do patrimônio público e, no caso em apreço, do crédito tributário, desde a ocorrência do fato jurídico tributário, firmou-se como dogma quase absoluto do direito de estados ocidentais, indiscutível e absoluto na sua formulação, a tal ponto que sequer a própria legalidade, seu fundamento, poderia dispor em contrário. E como o conceito de tributo, até hoje não definido satisfatioriamente, acompanha também essa indeterminação conceitual da sua indisponibilidade, avolumam-se as dificuldades para que a doutrina encontre rumo seguro na discussão do problema.

Porquanto “tributo” e “indisponibilidade” não sejam conceitos lógicos, mas, sim, conceitos de direito positivo, variáveis segundo a cultura de cada nação, próprios de cada ordenamento. Será o direito positivo a dar os contornos do que queira denominar de “direito indisponível”, inclusive suas exceções (direito inalienável inter vivos, direito intrasmitível mortis causa, direito irrenunciável, direito não penhorável etc). Tome-se como premissa a inexistência, no direito de todos os povos, de um tal princípio universal de “indisponibilidade do tributo”.

Berliri tentou responder a esta indagação ao fazer a diferença entre “rapporto giuridico tributario” e “obrigação tributária”, definindo como indisponível apenas o primeiro. No Brasil, onde a Constituição Federal discrimina competências prévias, prescrevendo os tributos que cada pessoa pode criar, isso permitiria vislumbrar uma indisponibilidade absoluta da competência tributária; mas não do “crédito tributário” – previsto em lei – que pode ser disponível para a Administração, segundo os limites estabelecidos pela própria lei, atendendo a critérios de interesse coletivo, ao isolar (a lei) os melhores critérios para constituição, modificação ou extinção do crédito tributário, bem como de resolução de conflitos, guardados os princípios fundamentais, mui especialmente aqueles da igualdade, da generalidade e da definição de capacidade contributiva. Eis o que merece grande acuidade, para alcançar respostas adequadas aos temas de conciliação, transação, arbitragem e outros pactos na relação tributária, tomando como premissa a inexistência, no direito, de um tal princípio universal de “indisponibilidade do tributo”.

Assim, no campo da aplicação, nada impede que a lei possa qualificar, dentro de limites e no atendimento do interesse coletivo, os melhores critérios para constituição, modificação ou extinção do crédito tributário, inclusive os meios de resolução de conflitos, vinculativamente e com espaço para discricionariedade, no que couber, visando a atender a economicidade, celeridade e eficiência da administração tributária.

De fato, se encarados como meios ordinários disponíveis para qualquer modalidade de conflito, seria algo deveras preocupante, tendo em vista as implicações com o princípio da legalidade estrita em matéria tributária. Cabe estabelecer, portanto, antes que uma cortina de preconceitos, os limites para a adoção desses regimes, como bem já o fizeram outros países de bases democráticas sólidas como França (Conciliation; Transaction; Régler autrement les conflits, de 1994), Alemanha, Itália (accertamento con adesione e conciliazione giudiciale), Inglaterra (Alternative Dispute Resolution – ADR) e Estados Unidos (Alternative Dispute Act, de 1990; Closing Agreement, Sec 7121, IRC), empregando-os de forma prévia à utilização da via judicial ou no seu curso, como nos casos de conciliação.

Esses meios alternativos de soluções de controvérsias, nestes incluídos a arbitragem, como o fez Portugal, serão sempre úteis para resolver conflitos baseados na interpretação daquilo que não for claro e determinável à luz de certo caso concreto.

Temos para nós que o legislador detém, sim, liberdade constitucional para proceder à identificação de métodos alternativos para extinção do crédito tributário, mediante solução de controvérsias em matéria tributária, ao tempo em que, ao fazê-lo, deverá predispor, de modo claro, os limites que permitirão aos contribuintes e à Administração alcançarem bom êxito na resolução de conflitos que tenham como objeto matéria de fato de difícil delimitação ou cujas provas apresentadas não permitam a formação de um juízo consistente para identificar a proporção da ocorrência factual ou mesmo a correta quantificação da base de cálculo do tributo. Havendo dificuldades nesses processos lógicos de subsunção, poderia ser útil a utilização de algum desses mecanismos.


Basta pensar nos casos que impliquem inversão do ônus da prova, por presunções e similares, que geralmente garantem largo espaço de disponibilidade à Administração, relativamente aos direitos patrimoniais envolvidos, ao permitir que as autoridades cheguem a uma média ou a uma quantificação meramente presumida. É o que se vê nos casos de incidências com bases de cálculo presumidas ou dependentes de arbitramento, como “preço de mercado”, “valor venal”, valor da terra nua”, pautas de valores, definição de preços de transferência, definição de mercadorias, na qualificação de produtos, mediante tabela ordenada segundo a seletividade e essencialidade, custos e valor de bens intangíveis, hipóteses de cabimento de analogia e equidade etc.

A transação tributária tem como pressupostos o litígio e a vontade de transigir, mediante concessões recíprocas da Administração e dos contribuintes, mediante o acordo obtido.

O Código Tributário Nacional contempla a transação, no seu artigo 156, III, como meio de extinção do crédito tributário, aduzindo no art. 171, suas finalidades essenciais e requisitos:

“A lei pode facultar, nas condições que estabeleça, aos sujeitos ativo e passivo da obrigação tributária celebrar transação que, mediante concessões mútuas, importe em determinação de litígio e conseqüente extinção de crédito tributário.

Parágrafo único. A lei indicará a autoridade competente para autorizar a transação em cada caso.”

Como se vê, essa disposição normativa não pôs qualquer limite material para o exercício da transação. Por isso, o modo lógico de alcançar o acordo será sempre aquele que se evidencia por aproximação consensual e bilateral, mediante concurso de vontade das partes, com mútuo sacrifício de expectativas. Diante dessa circunstância, não pode a Administração pretender rever atos tributários que foram objeto de controle pelas autoridades competentes e extintos no âmbito da transação, como parte do litígio. A bilateralidade de vontade e o custo da cessão de interesses e prejuízos pessoais o proíbe.

A autonomia que dispunha a Administração para rever unilateralmente os atos de lançamento cessa com a transação, que extingue o crédito tributário submetido ao Acordo, seja qual a modalidade do seu objeto. No seu lugar, comparece a bilateralidade do acordo, decorrente do concurso de vontade dos transatores, como solução aos litígios existentes, mediante concessões mútuas. E exatamente por isso é que não assiste direito à Administração de alegar o direito de revisibilidade unilateral dos atos administrativos, pelos sacrifícios gerados pelo procedimento e adesão aos interesses do contribuinte.

No ato decisional do procedimento não há “contrato” entre o contribuinte e a Administração. O que se verifica é tão-só a ponência, no sistema jurídico, de uma norma individual e concreta, típico ato administrativo, por meio do qual o contribuinte chega à solução do litígio em concurso de vontade com a Administração.

Fartos são os exemplos. Ajustes de pautas de valores, definição de preços de mercado, quando não se tenha elementos convincentes para aferir sua quantificação, valor de intangíveis, hipóteses de cabimento de analogia e equidade, no espaço autorizado pelo ordenamento (art. 108, do CTN), dentre outros, demonstram que há espaço para decisões arbitrais, transações ou conciliações judiciais, a depender do estágio de interferência do procedimento.

Em nenhum desses casos estar-se-ia abandonando o espaço da legalidade. Ao contrário, com a lei, criando condições para que se alcance uma posição de justiça sobre os elementos concretos da situação conflitiva, regula-se o modo adequado para solução do conflito e conseqüente extinção do crédito tributário sem demoras ou excessos de procedimentos.

Deveras, é difícil aceitar que a transação ou a arbitragem se possam prestar para discutir situações jurídicas formais ou adequadamente provadas, como bem salienta José Osvaldo Casás, em preciosa monografia, porquanto estejam em jogo questões de técnica jurídica e não questões de fato.

É preciso perder o medo da liberdade (vigiada) que se possa atribuir aos agentes da Administração, sempre presente nos conteúdos de normas tributárias, especialmente aquelas destinadas a reconhecer direitos para os contribuintes, como isenções, remissões, anistias, parcelamentos ou moratórias. Como bem conclui Raffaello Lupi: il “concordato” non costituisce un “atto dispositivo” del credito tributario, ma un compromesso sugli aspetti controversi della determinazione dell’imposta[1]. Os aspectos discutíveis, para os quais seja possível encontrar uma solução de compromisso, são os que revelam o conteúdo dos atos sujeitos a alguma hipótese de solução alternativa de controvérsia.

Preferível, sim, soluções individuais, caso a caso, do que as modalidades generalistas de generosos parcelamentos, sem atenção à situação típica de cada contribuinte, ou concessões de isenções que se aplicam indistintamente a todos. São formas de gastos tributários que poderiam ser perfeitamente evitados, com maior economia de resultado para o erário.

Formas alternativas para resolução de conflitos em matéria tributária podem ser desenvolvidas e aplicadas tanto de um modo preventivo, para aquelas situações antecedentes a contenciosos formalmente qualificados, como para as que se encontrem já na forma de lides, de modo incidental, servindo de objeto para processos administrativos ou judiciais em curso. No primeiro caso, temos diversas modalidades de procedimentos, alguns dos quais já adotados com plena eficácia, como é o caso do parcelamento (artigo 155A, CTN), denúncia espontânea (artigo 138, CTN), consignação em pagamento (artigo 164, CTN), anistia (artigo 180, CTN); bem como outras experiências, como é o caso da arbitragem, presente no nosso ordenamento, mas limitadamente para os chamados “direitos disponíveis” (art. 1º, da Lei nº 9307/96). No outro, como alternativa para a solução de conflitos em andamento, parece-nos que a conciliação judicial, a mediação e a transação (administrativa, artigo 171, CTN) e outros pactos na relação tributária, seriam os instrumentos recomendáveis, dentro dos limites que a legislação possa impor.

O que importa é que, ao final, tenha-se um ato administrativo, unilateral, constitutivo de um direito de crédito para a Fazenda Pública, nos termos do acordo pactuado, segundo as previsões legais, mas que fica ainda dependente de extinção por parte dos contribuintes, nos termos da lei tributária regula o procedimento de exigibilidade. Nada que ver com hipóteses de negócios contratuais ou coisa do gênero, até porque não há qualquer definitividade no crédito cumprido ao final, porque a disponibilidade limita-se à administração, cabendo a revisão do ato dentro do prazo de prescrição.

Qualquer conflito em matéria tributária decorre da existência ou possibilidade de aplicação de normas tributárias, como atos denegatórios de solicitação à restituição ou compensação de tributo, reconhecimento de benefícios, medidas exoneratórias ou de pedidos de parcelamento, respostas insuficientes expedidas ao final do procedimento de consulta e, com maior evidência, para evitar a formação dos atos administrativos de lançamento e autos de infração, quando praticados com ilegalidade ou abuso de poder.

A simplificação fiscal, porém, vista como critério hermenêutico que se presta também a garantir os conteúdos axiológicos superiores do sistema tributário, especialmente para os fins da exigibilidade dos tributos, como elemento de influência sobre os procedimentos e técnicas de resolução de conflitos em matéria tributária, deve coincidir com o princípio da indisponibilidade do patrimônio público (crédito tributário), na tentativa de garantir compatibilização entre ambos, mas este não pode ser um obstáculo intransponível para a realização daquele valor. Seu fundamento é a garantia de segurança jurídica e a eficiência do patrimônio público, ao que formas alternativas de resolução de conflitos, empregadas à luz dos critérios democráticos de uma tributação justa, certa, rápida e econômica, podem contribuir adequadamente à ampliação dos seus efeitos.


Não se encontra em nenhum artigo da Constituição qualquer impedimento para a adoção de soluções pactícias em matéria tributária, cabendo à lei decidir fazê-lo, nos termos e limites que julgar satisfatórios.

O procedimento de arbitragem aplicado em matéria tributária, para ser adotado na exigência de créditos tributários ou mesmo na solução de conflitos em geral, teria que atender a todos os ditames de legalidade, como: a) previsão por Lei, a definir a arbitragem como medida de extinção de obrigações tributárias e indicar seus pressupostos gerais, limites e condições; b) edição de lei ordinária pelas pessoas de direito público interno para regular, no âmbito formal, o procedimento de escolha dos árbitros, bem como a composição do tribunal arbitral, a tramitação de atos, e bem assim os efeitos da decisão e do laudo arbitral, além de outros (artigo 37, da CF); e c) que ofereça, em termos materiais, os contornos dos conflitos que poderiam ser levados ao conhecimento e decisão do tribunal arbitral (artigo 150, CF). A legalidade deve perpassar todo o procedimento, reduzindo o campo de discricionariedade e garantindo plena segurança jurídica na sua condução. Como visto, esta é uma questão que só depende de esforço político.

Sobre seus limites materiais, no âmbito de relações tributárias, a arbitragem poderia ser adotada para hipóteses de litígios fundados em questões de fato, mesmo que envolvendo aplicação do direito material; simples dúvidas sobre a aplicação da legislação tributária restaria como âmbito próprio para ser resolvidas por consultas fiscais; do mesmo modo que assuntos vinculados a matérias típicas de sujeição a julgamento sobre o direito material, como controle de inconstitucionalidade ou de legalidade, aplicação de sanções pecuniárias, dentre outras, continuariam sujeitas a controle exclusivo dos órgãos do processo administrativo ou judicial.

A principal característica da arbitragem é a atribuição do dever de sujeição das partes à decisão dos árbitros ou tribunal arbitral, a quem se submetem voluntariamente. Por isso, ao se ter como parte do litígio um órgão da Administração, a vontade desta há de ser externada por órgão competente, legalmente estabelecido, preferencialmente de composição coletiva, de sorte a garantir plena legitimidade da decisão, pela composição dos valores persistentes na garantia dos princípios de legalidade, indisponibilidade do crédito tributário (patrimônio público), moralidade, eficiência administrativa e isonomia tributária.

Quanto aos efeitos, o “compromisso arbitral” geraria eficácia vinculante para a Administração, que ficaria obrigada ao quanto fosse acordado e decidido no laudo arbitral, para os fins de lançamento e cobrança do crédito tributário. Para o contribuinte, teríamos como único efeito aquele de afastar o direito ao processo administrativo, ao assumir o compromisso de renunciar a qualquer espécie de recurso administrativo visando a discutir o conteúdo material da resolução alcançada. A Constituição, ao garantir o monopólio da jurisdição judicial, nos termos do artigo 5º, XXXV, não admitiria que tal impedimento pudesse ir além dos limites administrativos. Nenhuma espécie de autoexecutoriedade tampouco poderia ser reclamada pela Administração, objetivando superar a execução judicial de créditos tributários, na medida que a arbitragem não substitui nem os atos de lançamento, nem os de cobrança ordinária do crédito tributário. Isso não impede, outrossim, que a lei defina o “laudo arbitral” como espécie de título executivo extrajudicial, para os fins de execução fiscal dos créditos ali definidos e liquidados.

Outro exemplo de arbitragem prevista em matéria tributária, pode ser encontrado nos tratados internacionais para evitar a dupla tributação internacional firmados pelo Brasil, mediante o chamado procedimento amigável consultivo de eliminação de casos de bitributação, inserto na segunda parte do parágrafo 3º do artigo 25, predisposto para resolução dos casos de dupla tributação internacional não previstos no texto convencional, com a devida eliminação das lacunas deste, através de uma relação direta de consulta entre os Estados. Trata-se de uma típica espécie de arbitragem em matéria tributária. Os sistemas fiscais, de um modo geral, têm-se mostrado suficientemente flexíveis para apresentar uma solução por meio de procedimento amigável e aplicar as determinações coligidas na sua conclusão. Todavia, os Estados não estão obrigados a chegar a uma “conclusão”, eles apenas devem esforçar-se para chegar ao acordo. E mesmo este acordo, quando alcançado, fica vinculado às faculdades discricionárias das Administrações, para os fins do seu cumprimento.

O procedimento para a transação há de ser necessariamente conciliatório de conflito formalmente reconhecido, em curso de processo administrativo. Mais não será do que espécie de ato preparatório ou de revisão de lançamento tributário previamente praticado. O modo lógico de alcançar a decisão, por aproximação consensual e bilateral, mediante concurso de vontade das partes, com mútuo sacrifício de expectativas, não desnatura o resultado, qualificando-o como espécie de ato negocial.

Visto que a transação e a arbitragem estão permitidas no direito brasileiro, ambos plenamente passíveis de serem adotadas como medidas de solução de conflitos em matéria tributária, no âmbito de procedimentos tipicamente administrativos, resta saber se haveria espaço para uma possível inserção de procedimento conciliatório preventivo no corpo do processo judicial, com idêntica finalidade, qual seja, resolver definitivamente o litígio de modo célere, prático, eficaz e econômico.

Uma alternativa que merece encômios, praticada atualmente no direito italiano como solução de controvérsia em matéria tributária, é a chamada conciliação judicial (Lei 656, de 30 de novembro de 1994; D.L. 218, de 19 de junho de 1997), à semelhança do que ocorre nos domínios de outras matérias, como a trabalhista ou de direito de família, que pode ser provocada no início de qualquer processo judicial, no âmbito de juízo singular, visando à composição da lide mediante acordo prévio, gerando efeitos vinculantes e definitivos para as partes, contribuinte e Administração, quando assim o confirme o recurso necessário. Materialmente, essa conciliação prévia não encontra qualquer restrição, podendo reportar-se a provas, matéria de fato ou de direito, bastando que se trate de tributos sobre os quais a “Comissione Tributaria” tenha domínio e o Juiz seja competente para julgar; e formalmente, constitui-se como instituto eminentemente processual, ao pressupor um processo judicial em curso. Seguindo uma espécie de “incidente processual”, é oportunidade que a lei confere às partes para que ponham fim ao conflito, previamente ao procedimento judicial. Tanto a Administração como o contribuinte podem propor a conciliação, inclusive solicitando audiência própria para este fim. Alcançando bom êxito, a Administração expede um “decreto de extinção do processo”, com eficácia provisória de 20 dias, dentro do qual o contribuinte poderá efetuar o pagamento e, consequentemente, promover a extinção da dívida tributária. Outro efeito adicional é reduzir a um terço o montante da sanção pecuniária eventualmente imposta ao contribuinte. Como fica demonstrado, não há maiores dificuldades para que se transponha para os demais processos existentes, em matéria tributária, essa rica experiência, aplicando-se critérios de transação ou conciliação para compor litígios em audiência própria para esse fim, alcançando, com isso, agilidade na percepção definitiva dos créditos tributários e evitando o desgaste de longos e morosos processos inúteis.

O fundamento dessas medidas de soluções alternativas de controvérsias tributárias é a confiança recíproca, amparada na boa-fé objetiva, no respeito ao pacta sunt servanda e no fundamento constitucional do ato jurídico perfeito (artigo 5º, XXXVI — a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada).

Por conta daqueles fundamentos, a revisibilidade do conteúdo de transações é peremptoriamente proibida, por serem, estas, causas de extinção do crédito tributário (art. 156, III, do CTN). Ora, dizer que a transação “extingue” o crédito tributário nada tem que ver com o “pagamento” desta eventualmente decorrente. Decerto que tal menção no rol das causas extintivas das obrigações tributárias só tem cabimento se entendermos a transação no contexto de extinção da pretensão tributária sobre o quanto foi concedido pela Administração tributária, com respeito às concessões (recíprocas) dos contribuintes. A legalidade constitucional (artigo 150, inciso I, da CF), aliada à impossibilidade de usar tributo com efeito de confisco (artigo 150, incio IV, da CF), vedam que o procedimento de transação possa ser reaberto para qualquer tipo de revisão.

Não por menos, o Supremo Tribunal Federal fez editar, como sua primeira Súmula Vinculante, única aprovada por unanimidade, exatamente sobre um acordo em matéria tributária, em relação à transação realizada no caso do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço. In verbis:

“Súmula Vinculante 1 (FGTS) – Ofende a garantia constitucional do ato jurídico perfeito a decisão que, sem ponderar as circunstâncias do caso concreto, desconsidera a validez e a eficácia de acordo constante de termo de adesão instituído pela Lei Complementar nº 110/2001.”

Neste, o ato jurídico perfeito (acordo do FGTS, conforme previsto na Lei Complementar nº 110/2006) foi alvo de diversas decisões judiciais editadas com o escopo de prejudicar sua manutenção, pelas mais desencontradas razões. A pacificação da jurisprudência, pelo STF, entretanto, não veio pela escolha entre uma ou outra, mas, sim, pelo banimento de qualquer ataque ao pacta sunt servanda e aos efeitos do Acordo, especialmente aquele de ser um típico “ato jurídico perfeito”, após a adesão do contribuinte e cumprimento de todos os atos necessários perante a Administração e o Judiciário.

Como demonstrado, a introdução de meios alternativos de controvérsias tributárias pode ser um auspicioso meio de ampliação das receitas tributárias no financiamento das necessidades públicas, pela recuperação dos créditos estagnados em processos que se eternizam. São formas que não encontram resistência constitucional. E qualquer dúvida pode ser solucionada previamente por Ação Declaratória de Constitucionalidade. E para afastar qualquer temor com vícios no procedimento, seja qual for o procedimento, mister que o espaço de discricionariedade limite-se o mais que possível pelo texto legal, indicando precisamente o campo de atuação das autoridades competentes, as hipóteses de cabimento e outros elementos de mérito que mereçam demarcação prévia. E isto é também domínio de legalidade, por predeterminação normativa de conduta. Nenhuma quebra de legalidade ou de isonomia, portanto. Uma sugestão para análise dos projetos de lei em curso no Congresso Nacional, assim como para análise pelos estados e municípios que ainda não adotaram semelhantes medidas.


[1] LUPI, Raffaello. Prime considerazione sul nuovo regime del concordato fiscale. Rassegna Tributaria. Roma: ETI, 1997, nº 4, a. XL, lug.-ago., p. 794;

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