Experiência cotidiana

Juiz mostra função de direitos fundamentais

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12 de julho de 2013, 18h50

Com o objetivo de explicar a função dos direitos fundamentais no cotidiano dos tribunais brasileiros, o juiz federal e professor Jairo Schäfer lança a 2ª edição do livro Classificação dos Direitos Fundamentais do Sistema Geracional ao Sistema Unitário.

O prefácio do livro, escrito pelo ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes, a quem Schäfer assessora, destaca a acessibilidade da obra, que não se rendeu ao juridiquês e usa linguagem simples e exemplos. Trata-se de obra “bem ilustrada com os ensinamentos do Direito Comparado e com os exemplos extraídos de minuciosa pesquisa jurisprudencial que ultrapassa as fronteiras nacionais”, diz o ministro.

O lançamento será no dia 20 de agosto às 19h, no Centro Cultural do Superior Tribunal de Justiça, em Brasília. A obra está à venda neste site.

Leia o prefácio:

O verniz civilizacional que, à primeira vista, transparece do avançado grau de informação de nossos dias não parece convencer sobre igual progresso no âmbito das relações sociais. Senão, como explicar o fato de que, em pleno século XXI, violações graves ainda continuem a ser perpetradas? O que dizer dos vários tipos de escravidão moderna – meninas submetidas à prostituição forçada, trabalhadores encapsulados em virtude da servidão por dívida, crianças recrutadas pelo tráfico, pelos conflitos tribais, pela guerra civil? Como não estarrecer diante das 215 milhões de crianças que trabalham atualmente em todo o mundo (dados da Organização Internacional do Trabalho), em clara afronta ao universal direito à educação? A extensa lista de ignomínias – capaz der causar perplexidade até nos mais céticos ou cínicos – contempla ainda, entre tantas, morte por apedrejamento de adúlteras, execução de homossexuais, tortura estatal como método investigativo.

O fato é que, passados quase oitocentos anos do documento havido como a petição de direitos que configurou o primeiro esboço de Constituição – a Magna Carta de 1215, imposta ao rei britânico João I, conhecido como João sem Terra –, o constitucionalismo ainda dá mostras contundentes de que precisa continuar avançando, num processo que, a um só tempo, revela-se como causa e efeito do gradual movimento de democratização do mundo.

De eméritos teóricos a autores bissextos, de renomados doutrinadores a artífices locais – o que inclui milhares de anônimos e incansáveis juízes, professores, advogados –, vasto é o universo de heróis que lutam diariamente para que, em suma, a dignidade humana – o fundamento primeiro de toda Constituição verdadeiramente democrática – seja reconhecida e respeitada como inerente condição de cidadania, ao largo de quaisquer considerações pessoais.

Nesse lento processo de evolução da consciência política e jurídica dos povos, as constituições – construções abertas e coletivas como, de resto, devem ser as democracias – hão de ser interpretadas à mercê de visão sistêmica que conduza do inaugural individualismo à responsabilização coletiva, e não o contrário. Em outras palavras, para que a humanidade caminhe mais celeremente à realização plena dos valores da cidadania, ajudaria muito se intermináveis elucubrações doutrinárias e jurisprudenciais cedessem espaço às expectativas constitucionais plasmadas nos catálogos de direitos fundamentais.

Com o talento natural dos grandes mestres, Jairo Schäfer – jurista de escol que, além de professor, é juiz federal – propõe-se a desmitificar certos pressupostos doutrinários, de maneira a desconstruir a dupla ética que se esteia na subdivisão desses direitos em categorias estruturalmente estanques.

Ao combater a hierarquia valorativa que, para justificar o postergamento da incorporação dos direitos fundamentais sociais, empurra-os a um segundo plano, o autor endossa lições de Jorge Miranda, eminente constitucionalista português que, identificando princípios e regras comuns a todos os direitos fundamentais, garante a aplicabilidade de regras idênticas àquelas pertinentes aos direitos, liberdades e garantias aos direitos econômicos, sociais e culturais. Dessa maneira, reconhecendo a existência de eficácia jurídica obrigatória aos direitos sociais, evita-se que conquistas civilizatórias de tão elevado jaez fiquem relegadas à categoria de meros enunciados programáticos.

O texto claro e preciso do Dr. Jairo Schäfer, aliado ao cunho didático da exposição – bem ilustrada com os ensinamentos do Direito Comparado e com os exemplos extraídos de minuciosa pesquisa jurisprudencial que ultrapassa as fronteiras nacionais – torna a obra acessível não só à comunidade acadêmica ou jurídica. Em síntese simplista, trata-se de obra que vem a ser, de fato, positivo receituário para compreender e estimular o percurso até a cidadania plena.

Classificação dos Direitos Fundamentais do Sistema Geracional ao Sistema Unitário – uma Proposta de Compreensão, agora em 2ª edição, revista e atualizada, é daquelas publicações que, além de já nascerem com perfil de verdadeiro clássico, oferecem real contributo ao aperfeiçoamento do Estado de Direito, mormente em sociedades como a brasileira, cuja democracia, ainda imberbe, ressente-se de atávica injustiça social, em que pese figurar entre os dez maiores PIBs do planeta.

A obra de Jairo Schäfer, ao contribuir para a extirpação de obsolescências teóricas, mostra que é possível tornar concreto, driblando pseudoimpedimentos institucionais, o prioritário objetivo de incorporar decisivamente os direitos fundamentais sociais ao patrimônio jurídico dos cidadãos. Mais uma razão para vivamente recomendá-la.

Ótima leitura e proveitoso aprendizado a todos.

Brasília, junho de 2013.

Gilmar Mendes
Ministro do Supremo Tribunal Federal

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