A Toda Prova

Competência para julgar desvios de verbas federais

Autor

  • Aldo de Campos Costa

    é procurador da República. Foi advogado professor substituto da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília conselheiro da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça assessor especial do Ministro da Justiça e assessor de ministro do Supremo Tribunal Federal.

11 de julho de 2013, 8h00

É de competência da justiça estadual processar e julgar prefeito por desvio de verba transferida e incorporada ao patrimônio da municipalidade, ainda que tal verba tenha sido repassada pela União (Prova objetiva seletiva do 2º concurso público para provimento de vagas e formação de cadastro de reserva para o cargo de Defensor Público substituto do estado de Roraima).

Spacca
Compete à Justiça Estadual processar e julgar prefeito por desvio de verbas transferidas e incorporadas ao patrimônio municipal, excetuadas as complementadas pela União (STJ CC 88.899). Correspondem, via de regra, às transferências constitucionais, parcelas de recursos arrecadados pelo Governo Federal remetidos aos municípios por força de mandamento estabelecido em dispositivo da Constituição Federal. Dentre as principais previstas no texto constitucional, destacam-se: a) o Fundo de Participação dos Municípios – FPM (STJ CC 15.887) e b) o Fundo de Manutenção e de Desenvolvimento do Ensino Fundamental – FUNDEF (STJ CC 104.306 e STJ CC 88.899). É importante anotar que o interesse moral (político-social) da União em assegurar a adequada destinação dos recursos do FUNDEF, poderá atrair a competência da Justiça Federal, em caráter excepcional, para o julgamento dos crimes praticados em detrimento dessas verbas (STF ACO 1.109).[1]

Compete à Justiça Federal processar e julgar prefeito municipal por desvio de verbas sujeitas a prestação de contas perante órgão federal[2], excetuadas as transferências legais desvinculadas e as verbas recebidas da União sem condição e não sujeitas a prestação de contas e ao controle do Tribunal de Contas da União. O mencionado órgão, a propósito, já consignou, na Decisão Plenária 506/1997, que os recursos repassados pelo Sistema Único de Saúde (SUS) constituem recursos federais e que, dessa forma, estão sujeitos à sua fiscalização as ações e os serviços de saúde pagos à conta desses recursos, quer sejam os mesmos transferidos pela União mediante convênio, quer sejam repassados com base em outro instrumento ou ato legal. Também asseverou, na Decisão Plenária 449/1998, que a transferência de recursos da União, no âmbito do SUS, tem natureza convenial, muito embora seja admitido outro instrumento ou ato legal para sua efetivação (salvo casos de investimentos e programas específicos), ante a legislação de regência.

As transferências legais são regulamentadas em leis específicas, que determinam a forma de habilitação, transferência, aplicação de recursos e prestação de contas. Podem ser desvinculadas ou vinculadas.

São desvinculadas quando o município possui discricionariedade para definir a despesa correspondente ao recurso encaminhado pela União. Em outros dizeres, a aplicação dos recursos não estão vinculados a um fim específico. É o caso, por exemplo, dos royalties recebidos em decorrência do resultado da exploração de petróleo ou gás natural[3], de recursos hídricos para fins de geração de energia elétrica, de recursos minerais em seus respectivos territórios, plataformas continental, mar territorial ou zona econômica exclusiva, de que trata o inciso I do parágrafo 1º do artigo 17 da Lei 7.990/1989. Conforme ressaltado, são hipóteses que atraem a incidência do verbete número 209 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça (“Compete à Justiça Estadual processar e julgar prefeito por desvio de verba transferida e incorporada ao patrimônio municipal”).

São vinculadas as transferências legais cuja aplicação dos recursos remetidos está atrelada a um fim específico. Podem ser classificadas em automáticas, fundo a fundo ou diretas ao cidadão.

As transferências automáticas consistem no repasse de recursos financeiros sem a utilização de convênio, ajuste, acordo ou contrato, mediante o depósito em conta corrente específica, aberta em nome do beneficiário. Essa forma de transferência é empregada na descentralização de recursos em determinados programas da área de educação. São objeto de transferências automáticas pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento Escolar (FNDE), que fiscaliza os recursos remetidos com a finalidade de estimular o desenvolvimento da educação nos estados, Distrito Federal e municípios: a) o Programa Nacional de Alimentação Escolar – PNAE; (b) o Programa Dinheiro Direto na Escola – PDDE (TRF5 ACR 200405000132349); c) o Programa Nacional de Apoio ao Transporte do Escolar – PNATE (TRF-5 HC 00038642120104050000); d) o Programa de Educação de Jovens e Adultos – PEJA (TRF-5 INQ 200781010002366); e) o Programa Brasil Alfabetizado — PBA; e f) o Programa Fundescola (STJ HC 62998).

As transferências fundo a fundo (STJ CC 122376) consistem em um instrumento de descentralização de recursos disciplinado em leis específicas que se caracterizam pela remessa direta de recursos provenientes de fundos da esfera federal para fundos da esfera estadual, municipal e do Distrito Federal, dispensando a celebração de convênios. As transferências fundo a fundo, na área de saúde, desenvolvem-se no âmbito do SUS (STF RE 196982), por meio do Fundo Nacional de Saúde — FNS (TRF-4 Inq 200404010290995), e, na área de assistência social, são realizadas pelo Fundo Nacional de Assistência Social — FNAS (TRF5 INQ 00094599820104050000).

Já as transferências diretas ao cidadão referem-se aos programas que concedem benefício monetário mensal à populações-alvo do programa. Nesta modalidade de transferência, compete ao município a missão de operacionalizar os programas, por meio de ações como o credenciamento junto ao Governo Federal e a manutenção do cadastro das pessoas beneficiadas e, ainda, instituir os conselhos de controle social. Pode-se citar como programas vinculados a esta modalidade de transferência: o Programa Bolsa Família (TRF-2 ACR 200551030006863) e o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil – PETI (TRF-5 Inq 200905001118012).

Por fim, as transferências voluntárias consistem em remessas de recursos correntes ou de capital da União a título de cooperação, auxílio ou assistência financeira, que não decorram de determinação constitucional, legal, ou os destinados ao SUS. Como se vê, essa definição, constante da Lei Complementar 101/2000, tem caráter restritivo, não contemplando as entidades privadas sem fins lucrativos. Vale ressaltar, no entanto, que o artigo 25 dispõe ser esta uma definição para efeitos da própria Lei.

Os instrumentos utilizados para viabilizar as transferências voluntárias são: a) os convênios (STJ AgR-CC 31168); acordos ou ajustes que regulam a transferência de recursos financeiros de dotações consignadas nos Orçamentos Fiscal e da Seguridade Social da União; b) os repasses; instrumentos utilizados para a transferência de recursos da União por intermédio de instituições ou agências financeiras oficiais federais, destinados à execução de programas governamentais nas áreas de habitação, saneamento e infra-estrutura urbana, esporte, bem como nos programas relacionados à agricultura (STJ CC 14566); e c) os contratos de parceria; instrumento jurídico destinado voltado para transferência de recursos a entidades qualificadas como organização da sociedade civil de interesse público para o fomento e a execução das atividades de interesse público.

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[1] Embora o julgado tenha ressaltado o caráter eventual da competência da Justiça Federal para apurar e julgar os crimes de malversação de verbas públicas oriundas do FUNDEF, o Superior Tribunal de Justiça, a partir desse pronunciamento, passou a decidir, como regra, que mesmo em não havendo complementação por parte da União, compete ao Ministério Público Federal a propositura da ação penal, atraindo, nessa hipótese, a da Justiça Federal, bem como o controle a ser exercido pelo Tribunal de Contas da União (STJ CC 119.305 e STJ CC 123.8170).
[2] Esse o inteiro teor do verbete nº 209 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça.
[3] O Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do MS 24.312/DF, da relatoria da min. Ellen Gracie, julgado em 19/2/2003, com acórdão veiculado no Diário da Justiça de 19/12/2003,  reconheceu não deter o Tribunal de Contas da União competência para fiscalizar a aplicação dos recursos oriundos da exploração de petróleo, tendo em vista que a compensação financeira paga aos Estados, Distrito Federal e Municípios, pela "participação no resultado da exploração de petróleo ou gás natural (artigo 21, parágrafo 1º da Constituição Federal), constitui receita originária desses entes federativos, não se inserindo a fiscalização da aplicação dessas receitas na competência da Corte de Contas, prevista no do artigo 71, inciso VI da Constituição Federal, uma vez que não se trata de quaisquer recursos repassados pela União.

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