Cassação de licença

TRF-1 suspende 'contrabando' em lei de conversão de MP

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10 de julho de 2013, 21h01

Os chamados "contrabandos" inseridos pelo Congresso quando da aprovação de leis de conversão de medidas provisórias são comuns, mas não passaram despercebidos pelos olhos da desembargadora Maria do Carmo Cardoso, do Tribunal Regional Federal da 1ª Região. A julgadora aceitou Agravo de Instrumento apresentado por uma indústria de cigarros e suspendeu, para o caso concreto, a eficácia do artigo 68 da Lei 12.715/2012, fruto da Medida Provisória 563/2012, porque a alteração feita pelos parlamentares não tinha relação com o texto original da MP. Na redação do Executivo, a norma instituía diversos programas governamentais de isenção fiscal, e os parlamentares aproveitaram a conversão em lei para mudar o texto do Decreto-lei 1.593, que versa sobre a fabricação de cigarros.

De acordo com a desembargadora, a MP 563 tratava de algumas alterações pontuais sobre a legislação tributária, mas em seu texto original não incluía qualquer mudança no Imposto sobre Produtos Industrializados nas operações que envolvem a indústria do fumo. Regras sobre esse aspecto, porém, foram incluídas no artigo 68 da Lei 12.715, que previa nova redação para o Decreto-lei 1.593, com a inclusão dos artigos 2º-A a 2º-D.

O artigo 68 regulamenta a possibilidade de a Receita Federal determinar o fechamento da indústria ou da importadora de cigarros que seja acusada por fraude tributária contumaz. O setor afirma que a interrupção das atividades não pode ser uma forma para realizar a cobrança de impostos. Já a Receita Federal alega que a atividade é regulada, e não livre, o que permite a imposição de qualquer condição aos empresários que atuam com a produção e importação de cigarros. A matéria é alvo de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 3.952), suspensa no Supremo Tribunal Federal por pedido de vista da ministra Cármem Lúcia, após o primeiro voto, dado pelo ministro Joaquim Barbosa, presidente do STF, a favor da validade da regra.

Em sua decisão, a desembargadora Maria do Carmo reconheceu que a argumentação da Congo Indústria e Comércio de Cigarros Importação e Exportação Ltda é válida, pois o artigo 68 da Lei 12.715 não está relacionado ao tema inicialmente tratado pela MP 563. Ela também questiona a constitucionalidade e a legalidade do artigo, lembrando que o Supremo Tribunal Federal analisou o assunto por conta da Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.697, relatada pelo ministro Ricardo Lewandowski e que determinou que há espaço para emendas parlamentares no âmbito das medidas provisórias, mas é necessário que elas possuam alguma relação de pertinência com a proposição original.

Maria do Carmo cita em seu voto o artigo 7º da Lei Complementar 95/1998, segundo o qual cada lei tratará de um único objeto e não conterá matéria estranha. Os membros do Legislativo, ressalta ela, não estão prestigiando as diretrizes da Lei Complementar, “aplicável às medidas provisórias, em especial quando se trata de matéria tributária”. Ela toma como base coluna publicada por Heleno Taveiro Torres na revista Consultor Jurídico em novembro do ano passado.

O colunista e livre-docente de Direito Tributário da Faculdade de Direito da USP afirma que “devem-se evitar as chamadas lex omnibus, que a tudo propõem regular, com dispersão de matérias e remissões pouco claras, o que ainda ocorre com frequência em matéria tributária, dado que a vedação do artigo 150, parágrafo 6º, da CF, abrange unicamente os casos de isenções, anistias e outros relacionados com renúncia de receita”. Na situação julgada no TRF-1, a desembargadora ressalta que não é possível admitir sobreposição ao direito vigente, uma vez que a Lei 12.715 trata de uma medida fiscalizadora que deve ser entendida como restritiva do direito à livre iniciativa econômica.

Criada para impulsionar o Programa Brasil Maior, a MP 563 tratava de medidas de incentivo — como os para inovação tecnológica e apoio à luta contra o câncer, por exemplo —, alterava a alíquota da contribuição previdenciária sobre a folha salarial de algumas empresas e instituía diversos regimes especiais de tributação para alguns setores da economia, em um total de 54 artigos. Já a Lei 12.715 tem um total de 79 artigos, já que os parlamentares aproveitaram para alterar 14 leis, dois decretos-lei e uma Medida Provisória.

A Congo garante que fez a solicitação do Registro Especial à Receita Federal do Brasil e, após receber parecer favorável da Delegacia Regional da Receita Federal em Nova Iguaçu (RJ) e o atestado de cumprimento dos requisitos legais por parte da Coordenação Geral de Fiscalização (Cofis), foi prejudicada pela entrada em vigor da Lei 12.715, pois a Cofis elaborou novo parecer apontando que os sócios da companhia seriam sócios ocultos na Ficet Indústria e Comércio de Cigarros e negaram provimento ao pedido, usando como base o artigo 68 da lei.

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Lei 12.715/2012

Art. 68. O Decreto-Lei no 1.593, de 21 de dezembro de 1977, passa a vigorar acrescido dos arts. 2o-A a 2o-D com a seguinte redação: 

"Art. 2o-A.  A caracterização das práticas descritas nos incisos II e III do art. 2o, para fins de cancelamento do registro especial, independe da prova de regularidade fiscal da pessoa jurídica perante a Fazenda Nacional." 

"Art. 2º-B.  Fica vedada a concessão de novo registro especial, pelo prazo de 5 (cinco) anos-calendário, à pessoa jurídica que teve registro especial cancelado conforme disposto no art. 2o.

Parágrafo único.  A vedação de que trata o caput também se aplica à concessão de registro especial a pessoas jurídicas que possuam em seu quadro societário:

I – pessoa física que tenha participado, na qualidade de sócio, diretor, gerente ou administrador, de pessoa jurídica que teve registro especial cancelado conforme disposto no art. 2o;

II – cônjuge, companheiro ou parente em linha reta ou colateral, por consanguinidade ou afinidade, até o terceiro grau, das pessoas físicas mencionadas no inciso I;

III – pessoa jurídica que teve registro especial cancelado conforme disposto no art. 2o."

"Art. 2º-C.  (VETADO)."

"Art. 2º-D.  É vedada a produção e importação de marcas de cigarros anteriormente comercializadas por fabricantes ou importadores que tiveram o registro especial cancelado conforme disposto no art. 2o.

Parágrafo único.  Aplicar-se-á a pena de perdimento aos cigarros produzidos ou importados em desacordo com o disposto no caput." 

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