Avanço gradual

Processo eletrônico não pode excluir meios tradicionais

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9 de julho de 2013, 17h49

É intensa a atuação do Conselho Nacional de Justiça e dos Tribunais brasileiros no sentido de impor a utilização do processo eletrônico, o PJe. A Ordem dos Advogados do Brasil, através de seu Conselho Federal, em sintonia com parecer lavrado pelo conselheiro Luiz Cláudio Silva Allemand, representante do Espírito Santo no Conselho e presidente da Comissão Especial de Direito da Tecnologia e Informação da OAB, levanta-se contra essa impositiva pretensão.

Allemand, em sua manifestação, evidencia as deficiências do sistema e defende que ocorreria uma nefasta vedação de acesso à Justiça, a prevalecer o uso exclusivo do PJe. Inclusive, aponta as naturais dificuldades de advogados idosos e de portadores de certas deficiências, como a cegueira, por exemplo, de não mais se poderem valer, como hoje ocorre, do processo físico (papel) e do sistema Braille. Com razão.

Ocorre que a introdução da informática na órbita do processo judicial não é uma imposição legal. Trata-se de uma faculdade inserida no artigo 8º da Lei 11.419/2006 que permite aos órgãos do Poder Judiciário desenvolver sistemas eletrônicos de processamento das ações judiciais por meio de autos total ou parcialmente digitais, nos quais, segundo expressa seu artigo 10º, os advogados públicos e privados podem apresentar suas petições diretamente sem necessidade de intervenção do cartório ou secretaria judicial. Nada cogente.

O processo judicial sempre consistiu num instrumento para a consecução do direito material. A instrumentalidade do processo é agudamente estudada na ciência do Direito, e os juristas são unânimes em considerá-la meio e não fim. Os atos praticados são lavrados em papéis, e o papel, no caso, vem a ser apenas o receptáculo dos registros dos atos processuais. E desde tempos remotos sua utilização foi considerada inafastável, eis que com o papel é que se formam, de regra, os autos processuais, que são devidamente encadernados (originais e suplementares).

De outra banda, os registros em papel sempre foram procedidos com tinta indelével, conduzida através de uma pena, ou de uma caneta tinteiro, e só depois de muitos anos, com o advento e a evolução da máquina de escrever, esta passou a ser utilizada em larga escala. Da máquina de escrever para as modernas impressoras a jato de tinta ou a laser, com uso do computador pessoal como instrumento da escrita, foi um pulo.

Mas o interessante é que todas essas fases foram, concomitantemente, utilizadas e utilizáveis. Uma não excluiu a outra. Jamais houve lei impondo que somente se pudesse escrever peças para compor os autos com o uso da máquina de escrever. Verdade que estas foram entrando no processo incisivamente e que durante cerca de um século prevaleceram, mas os advogados sempre puderam peticionar de próprio punho, usando a letra cursiva, e assim também despachando os juízes, bem como lançando suas cotas os promotores. Uso concomitante dos recursos disponíveis; uma perfeita solução.

Diferentemente do que ocorreu no passado, de forma exemplar, os modernizadores de hoje, a pretexto de serem ecologicamente corretos (redução do papel), estão impingindo aos advogados a necessidade de dominarem as técnicas da informática (TI) para enfrentar os 46 sistemas de processos eletrônicos existentes no Brasil, ainda segundo Allemand. Com certeza uns diferentes dos outros. Só no Tribunal de Justiça do Espírito Santo temos quatro sistemas. Uma Babel. E as informações de andamento dos processos são reticentes, incompletas e quase cifradas, até para os iniciados. É só entrar em www.tj.es.gov.br e abrir “Processos” para conferir.

Alem disso, exige-se no PJe que as assinaturas dos advogados sejam unicamente por certificação digital, acabando com o famoso e tradicional “jamegão” de próprio punho, com a chancela pessoal do profissional, aposta nas petições/papel. Conheço um caso de ter o STF deixado de receber uma petição, apresentada em seu protocolo, no prazo, porquanto seu regimento exigia, na espécie, sem alternativa, a forma digital; tanto da petição quanto dos documentos, que eram mais de cem. Ou seja, o advogado tem que estar on-line, hoje, para existir e trabalhar. Se a moda pega em outras profissões também, na Medicina, por exemplo, daqui a pouco os cirurgiões somente poderão operar através de sistemas eletrônicos. Chegar perto do paciente, fisicamente, nem pensar.

Enfim, esses sistemas eletrônicos que vivem “fora do ar”, que ainda por qualquer ventinho deixam de funcionar, e quase sempre funcionam mal (por culpa da instabilidade da internet), sem falar da sobrecarga que recebem com uma enorme pletora de dados e informações desnecessárias de natureza meramente político-social dos tribunais, não poderiam obter a primazia que vêm colhendo dos órgãos públicos, nem de forma alguma excluir qualquer advogado de poder atuar com o uso dos mecanismos tradicionalmente aceitos.

Os advogados brasileiros, mesmo os idosos, dentre os quais me incluo, não são infensos à modernização do processo, não são contra sua informatização, mas — ainda segundo Allemand — não foram sequer ouvidos na introdução das novas técnicas. Isso parece ter ficado por conta apenas de especialistas em TI, que não conhecem as mazelas naturais do curso procedimental e da lavratura dos atos processuais.

Logo, enormes discrepâncias estão à mostra, o que somente poderá ser resolvido aos poucos, gradualmente, em paralelo com a sistemática tradicional, que precisa e deve ser mantida em funcionamento, até que fique provada — como no caso da máquina de escrever — a mais efetiva e conveniente utilização do PJe. Uma escolha que deverá ser feita pelo advogado, quando, afinal, sentir-se seguro, na defesa do seu constituinte e com vistas à celeridade processual, como um dia o será.

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