Ao calor das ruas

Reforma política a toque de caixa é inviável

Autor

8 de julho de 2013, 7h00

Em resposta ao calor das ruas, após severas críticas quanto à inconstitucionalidade de assembleia específica para pensar a necessária reforma política do país, a presidente da República encaminhou ao Congresso Nacional, no dia 2 de julho, em caráter de urgência, mensagem por meio da qual propunha ao Legislativo um plebiscito para aprovação de alterações no sistema eleitoral brasileiro. A Presidência da República sugeriu consulta prévia à população sobre cinco questões centrais: forma de financiamento de campanhas eleitorais (pública, privada ou mista), definição do sistema eleitoral (voto proporcional, distrital, distrital misto, "distritão", proposta em dois turnos), continuidade ou não da existência da suplência no Senado, manutenção ou não das coligações partidárias e fim do voto secreto no Parlamento.

A presidente do Tribunal Superior Eleitoral, ministra Cármen Lúcia, foi oficiada para que informasse o prazo necessário para preparar o país para votação. A resposta do TSE, sufragada pelos Tribunais Regionais Eleitorais, foi emblemática: seriam necessários, no mínimo, 70 dias após a edição do decreto legislativo, o que colocou em xeque a efetividade e adequação da consulta ao princípio da anualidade garantido pelo artigo 16 da Constituição Federal.

Diante deste quadro e da sonora repercussão na mídia, com opiniões abalizadas de juristas consagrados, anunciou o governo, em 4 de julho, por meio do vice-presidente Michel Temer, após reunião com a bancada de líderes na Câmara, a desistência do plebiscito neste momento, diante da evidente impossibilidade de que as alterações fossem válidas para 5 de Outubro de 2014.

Em menos de duas semanas, é o segundo importante recuo a que a Presidência da República se vê obrigada a enfrentar, o que demonstra falta de planejamento contumaz na condução de políticas públicas, fatal para a eficiência do governo central. Será proposto, agora, que o plebiscito se realize no segundo turno das eleições de 2014, o que também encontrará resistência. A questão é polêmica. Espera-se, entretanto, que o debate seja ampliado — e muito — no Congresso Nacional.

Deveras, o atropelo tentado pelo Executivo poderia desencadear uma reforma de afogadilho que tornaria ainda mais complicado o já bastante deteriorado sistema eleitoral brasileiro. Era prudente evitar-se o açodamento, uma vez que a discussão política, em um sistema eleitoral cambaleante, está por merecer maiores considerações entre a comunidade jurídica, setores pensantes do Executivo e o Congresso Nacional: é perfeitamente defensável, nesta altura dos acontecimentos, que a consulta seja posterior à consolidação da novel legislação eleitoral, preferindo-se o referendo em detrimento do plebiscito, com empréstimo de legitimidade popular perseguida pela Presidente da República.

De fato, há Projetos de Emendas à Constituição, aprovados tanto na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, como também do Senado, com desperdício de energia pública, que tratam do mesmo tema antes proposto na mensagem presidencial: fim das votações secretas no Parlamento, principalmente quando da cassação de mandatos. Diante dos princípios da transparência e representação, o voto secreto de quem fala pelo povo não se coaduna com o Estado de Direito, bastando que os diversos projetos que tratam da mesma matéria sejam compilados pela Mesa do Congresso Nacional a fim de que se evite discussões conflitantes em torno da mesma situação jurídica.

Os Tribunais Eleitorais também deixaram claro que não se mostra razoável questionar previamente a população, com necessidade de grande aporte de recursos públicos para promoção de maciço esclarecimento na mídia, acerca de temas tão complexos como a forma de eleição dos Deputados Federais (e, pelo princípio da simetria, para Deputados Estaduais, Distritais e Vereadores). Voto distrital, nas suas várias facetas, ou manutenção do voto proporcional envolvem conceitos, como quociente eleitoral em meio às coligações partidárias, que são inacessíveis para a grande massa.

Pesquisas de rua dão conta de que a população, ao menos por ora, não diferencia sistemas de votação para o Legislativo, pelo que calha o alerta deixado na resposta dos Eleitorais sobre a vinculação da consulta, mormente de sua base principiológica, e o possível rompimento da ordem jurídica constitucional caso o Congresso se rebele quanto aos resultados.

Muito embora o plebiscito conte com aprovação de 68% da população e a base governista entenda politicamente viável a manutenção do instituto para o segundo turno de 2014, quer nos parecer que a Presidência da República perdeu a oportunidade de eclodir outras questões fundamentais para sorte do sistema político nacional. Isso porque não há como se discutir qualquer reforma eleitoral sem que seja repensada a obrigatoriedade de voto, conforme artigo 14, parágrafo 1º, I da Constituição Federal. Muitos defendem o voto facultativo, com a finalidade de que seja extirpado o chamado ‘voto de cabresto’ ou mesmo mitigada a possibilidade de compra de votos. Isso se mostra ainda mais evidente quando se analisa o crescimento espantoso do número de abstenções, votos nulos e brancos nas últimas eleições , o que revela a insatisfação popular com o atual sistema político nacional e, evidentemente, com os candidatos de sempre. A resposta do povo nas urnas, ou melhor, a falta dela, era indicativo preciso da necessidade premente de que o sistema eleitoral fosse repensado e arejado.

Não há como se debater o sistema eleitoral sem que se discuta a reeleição para o Executivo, questão não sugerida pela Presidência e, ao que parece, deixada para segundo plano. Todavia, não raro, se faz uso da máquina para lograr mais quatro anos de mandato. O rolo compressor da situação impede o debate político a contento pela sempre frágil oposição. Com frequência, a propaganda eleitoral no curso do mandato é escancarada e a punição com multa é branda, de modo que a eficiência do governo ganha concorrência séria pela visão mesquinha de manutenção do poder. De fato, o mandato de cinco anos, sem reeleição, é uma possibilidade que não pode ser alijada do respectivo debate. Por outro lado, não mais se sustenta a reeleição indefinida no Legislativo, sob pena de que continuemos a verificar verdadeiros intocáveis nas Casas Legislativas, com mandatos que perduram por décadas.

O recall de parlamentar, sugerido pelo presidente do Supremo Tribunal Federal, Joaquim Barbosa, também deve ser trazido à discussão no Congresso, porquanto poderá obrigar à realização de moderna e eficiente legislatura, ao mesmo tempo em que permitirá fiscalização pelo representado no bojo de uma democracia participativa.

Daí porque a pauta de reforma política deverá ser ampliada no Congresso Nacional e sugerida à população somente após consolidada a sua base constitucional, com referendo em 2014 para que as alterações sejam aprovadas para 2016. Se é salutar a vontade política da presidente, cuja vaia em público a fez descobrir que a insatisfação geral atinge em cheio direitos sociais garantidos constitucionalmente, então bandeira política de seu governo, não é por meio de reforma política feita a toque de caixa o modo pelo qual responderá de forma republicana à indignação da população, muito menos com pouco planejamento estratégico.

A partir deste momento, deflagrada a reforma política no Congresso, deve o governo federal voltar suas forças para a aplicação do Plano Nacional de Mobilidade Urbana, cuja Lei 12.587/2012 não deveria ser novidade para nenhum gestor público, assim como para as questões que envolvem boa administração e reestruturação da educação, saúde e segurança pública, pontos fundamentais reclamados em todos os protestos das últimas semanas e que, se bem engendrados, trarão resultados efetivos a médio prazo.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!