Sem dolo

Discussão acalorada entre advogado e juiz não é desacato

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8 de julho de 2013, 9h29

Para que se configure o crime de desacato a funcionário público, é preciso que haja dolo por parte do acusado. De acordo com a interpretação do juiz Helio Narvaez, da 1ª Vara Criminal de São Paulo, o fim especial da declaração deve ser ofender ou despretigiar a função exercida pelo servidor público. A argumentação foi usada para absolver o advogado Noel Ricardo Maffei Dardis da acusação de desacato contra o juiz Nazir David Milano Filho.

O caso teve início no dia 19 de julho de 2010 na sala de audiências da 3ª Vara de Família e das Sucessões do Foro Regional de Jabaquara (SP), da qual o juiz Nazir Milano é titular. O advogado Noel Maffei dirigiu-se à sala de audiências da vara para que fosse despachada uma petição. Mas o juiz se recusou a recebê-lo e orientou que a urgência da decisão fosse submetida ao estagiário de Direito.

Inconformado com a atitude do juiz, o advogado, segundo a acusação proferiu as seguintes palavras contra Nazir Milano: "Grosseiro e deselegante é Vossa Excelência que não gosta de mim e não pode descontar em minha cliente. O senhor pensa que é melhor que quem? Eu não sou seu filho para ser tratado assim”; “o senhor fica se escondendo atrás do cargo”; “quero ver se Vossa Excelência tem caráter de sustentar que não quer despachar”; “o senhor se esconde atrás da toga”.

Diante disso, o juiz apresentou denúncia contra o advogado por desacato a funcionário público no exercício da função ou em razão dela, previsto no artigo 331 do Código Penal.

Ao analisar o caso, o juiz Helio Narvaez observou que não há dúvida da autoria, mas ressaltou que não ficou clara a ocorrência do desacato a autoridade. Segundo Narvaez, houve um desentendimento entre o magistrado e o advogado após a discussão pelo recebimento da petição.

"O fato de o juiz entender que a petição não trazia manifestação urgente, e ainda, pelo fato de o advogado submeter-se a uma triagem, por meio de uma estagiária de Direito, deram causa à discussão que acabou derivando para as ofensas recíprocas. Não se pode asseverar a existência de desacato pelas expressões que foram trazidas pelos depoimentos", explicou.

De acordo com Narvaez, todas as testemunhas deram uma versão que mostra a existência de uma discussão acalorada e que as partes tiveram que ser contidas. Segundo o juiz que analisou o caso, nem mesmo os depoimentos das partes envolvidas demonstraram a existência de desacato.

"O delito de desacato tem por objetivo preservar o prestígio e a dignidade da Administração Pública, imprescindíveis para o desempenho regular da atividade administrativa. Não se constatou, pelo que dos autos consta, as ofensas ao prestígio e a dignidade da Administração Pública", explicou Narvaez.

Para ele, o que houve foi uma discussão pelo fato de se buscar celeridade no andamento processual, por meio de despacho feito a punho pela autoridade judiciária.

"É necessário que haja dolo por parte do agente criminoso, isto é, a vontade livre e consciente de desacatar funcionário público no exercício da função. O fim especial é de ofender ou desprestigiar a função exercida pelo servidor público. Ora, não se percebe isso. Constata-se que o advogado queria, tão somente, ser atendido e ter seu pleito despachado," complementou.

Dever de receber
Em sua decisão Helio Narvaez destacou ainda que é assegurado ao advogado entrevistar-se com o magistrado, desde que não venha atrapalhar o bom andamento dos afazeres, ou uma audiência, típica das Varas de Família, que correm em segredo de justiça. "Pouco importa ao caso criminal se a Vara Judicial tem outros feitos em andamento, outras prioridades, ou ainda se há uma ordem cronológica de atendimento", observou.

Segundo Narvaez, no caso concreto não procurou o advogado menosprezar, humilhar, aviltar o magistrado em seu local de trabalho. "Buscou, de outra parte, a seu modo, alcançar aquilo que pretendia, isto é, despachar petição, a fim de que houvesse celeridade no andamento da ação judicial de seu interesse".

"O advogado buscou exercer seu mister, não foi atendido, e a partir daí teve início discussão, com impropriedades, mas que estão longe de tangenciar crime de desacato, fenômeno que, em que pese a posição do Ministério Público, não ocorreu. Sendo assim, não prospera a denúncia", concluiu.

Clique aqui para ler a decisão.

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