Falsa medicina

TJ-RS declara ilegal curso de medicina alternativa

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7 de julho de 2013, 6h49

Curso de Medicina Alternativa sem reconhecimento da Secretaria ou Ministério da Educação atenta não apenas contra a classe dos médicos, regulados e fiscalizados pelo seu conselho profissional, mas também viola a legislação consumerista, por iludir a boa-fé do consumidor. O entendimento, da 6ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul fulminou a oferta de um curso de Medicina tradicional ministrado em Porto Alegre por entidades e ONGs. A decisão restabeleceu a liminar que sustou o curso.

Ao contrário da sentença proferida na primeira instância, o colegiado entendeu que a propaganda do curso — oferecido na modalidade semipresencial — induzia o consumidor a erro, já que dá a qualquer pessoa que tenha concluído o curso médio a chance de formar-se ‘‘médico’’.

Para o relator da Apelação na corte, desembargador Artur Arnildo Ludwig, a promotora do curso não cumpriu com os deveres de lealdade e boa-fé, pois a publicidade "é dotada de caráter obrigacional pré-contratual, tornando-se um negócio jurídico unilateral, vinculante, que integra o contrato, e por tal razão deve ser atendida".

Ludwig disse que a proteção contra a publicidade enganosa está prevista no artigo 6º, inciso IV; e no artigo 37, parágrafo 1º, do Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/1990). ‘‘A vulnerabilidade é qualidade intrínseca, ingênita, peculiar, imanente e indissociável de todos que se colocam na posição de consumidor, em face do conceito legal, pouco importando sua condição social, cultural ou econômica’’, complementou.

O relator observou, em seu voto, que algumas das terapias alternativas oferecidas pelo curso já foram reconhecidas como atividade médica — como a acupuntura. ‘‘Portanto, o seu exercício é privativo dos médicos formados e inscritos no órgão profissional’’, definiu. O acórdão foi lavrado na sessão de julgamento do dia 20 de junho.

O caso
O Sindicato Médico do Rio Grande do Sul (Simers) ajuizou Ação Civil Pública contra os promotores do ‘‘Curso Livre de Qualificação Profissional em Medicina Tradicional com Ênfase na Área Ambiental”, cuja finalidade era formar “médico tradicional ambientalista” na modalidade semipresencial.

O curso estava sendo oferecido a qualquer interessado que tivesse o diploma do curso médio. Os réus arrolados na ação são a Escola Superior de Ciências Tradicionais e Ambientais (Escam); a Organização de Apoio Sócio-Cultural e Ambiental do Brasil (Oasab); a Clínica Ser Saúde; e o Hospital Divina Providência — que mais tarde ficou de fora do polo passivo.

O autor argumentou que as entidades rés não têm credenciais do Ministério da Educação, nem possuem autorização para lecionar em qualquer nível do conhecimento. Logo, não podem supervisionar leigos na busca da formação profissional. Ademais, no atendimento a pacientes, os formados não poderiam se intitular médicos, já que não seriam registrados no conselho profissional.

Em face das irregularidades, o Simers pediu e conseguiu, em caráter liminar, a suspensão imediata do funcionamento e das inscrições do curso; e a proibição do uso das expressões ‘‘médico’’ e ‘‘Medicina’’ no material promocional.

Atividades terapêuticas
Em juízo, a Escam alegou que ministra cursos livres no âmbito das terapias alternativas, possui proposta curricular e pedagógica própria e não se apresenta ao público como entidade de ensino superior. Isso explica por que seus cursos não têm registro no Ministério da Educação, nem necessitam de reconhecimento ou autorização do Conselho de Educação para funcionarem.

A entidade afirmou, entretanto, que já encaminhou pedido de credenciamento ao Ministério da Educação para se tornar uma IES – Instituição de Ensino Superior. Enquanto o pedido não é deferido, segue oferecendo ‘‘cursos livres’’.

A Clínica Ser Saúde explicou que desenvolve atividades terapêuticas e, portanto, não-médicas. Os sócios, igualmente, não são médicos. Logo, ambos não podem sofrer a fiscalização do conselho profissional da categoria.

O Oasab, por sua vez, discorreu sobre suas finalidades sociais, na mesma linha argumentativa da Escola. Mencionou, ainda, a classificação brasileira de ocupações do Ministério do Trabalho e Emprego e a inexistência de outras leis brasileiras que impeçam as atividades do curso ministrado.

A sentença
O juiz de Direito Flávio Mendes Rabello, titular da 16ª Vara Cível da Comarca de Porto Alegre, discorreu sobre a legalidade da Portaria 971/2006, do Ministério da Saúde, que aprovou a Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC).

Esta autoriza não-médicos a exercer a atividade de acupuntura, bem como a instituição de práticas terapêuticas que carecem de comprovação científica, tais como a fitoterapia (uso medicinal de plantas), crenoterapia (indicação e uso de águas minerais com finalidade terapêutica) e o termalismo social (diferentes maneiras de uso da água mineral em tratamentos de saúde).

Rabello explicou, na sentença, que a norma vai ao encontro do que dispõe o artigo 196 da Constituição Federal, que trata do dever do Estado para a promoção da saúde da população. A Portaria, na verdade, não legisla sobre o exercício profissional, mas estabelece condições de caráter genérico com o intuito de incentivar os órgãos e entidades do Ministério da Saúde a promoverem programas e projetos nesta área.

Para o julgador, não há qualquer ilegalidade na oferta dos cursos livres, bem como na emissão de certificado após o estágio supervisionado diretamente com a população, pois não se trata de atividade exclusiva dos médicos, não configurando, via de consequência, exercício ilegal da profissão.

‘‘De outra banda, também não se extrai qualquer divulgação distorcida de oferta publicitária praticada pelas rés, na medida em que os anúncios são claros em levar ao público a informação de que o serviço prestado trata-se de medicina tradicional (…). Ou seja, não há qualquer propaganda enganosa sobre informações distorcidas a respeito do serviço educacional prestado, inexistindo afronta ao que dispõe o artigo 31 do Código de Defesa do Consumidor’’, concluiu, julgando a ação improcedente e revogando a liminar.

Clique aqui para ler a sentença.
Clique aqui para ler o acórdão.
Clique aqui para ler a Portaria 971/2006 do Ministério da Saúde.
 

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