Direito sem fronteiras

Vigência dos tratados: atividade orquestrada ou acaso?

Autor

  • Carmen Tiburcio

    é mestre e doutora em Direito pela University of Virginia (EUA) professora associada da Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e da UGF e consultora da área internacional de Barroso Fontelles Barcellos Mendonça & Associados – Escritório de Advocacia sucessor de Luís Roberto Barroso & Associados.

4 de julho de 2013, 18h21

Depois de longo período praticando uma política de isolamento no tocante à ratificação de tratados, o Brasil tem seguido movimento inverso nos últimos anos: cada vez mais se torna parte de diplomas convencionais, dos mais variados tipos.

Levando-se em conta essa nova realidade, é importante que se conheça o roteiro para internalização desses textos. No Brasil, é necessário que passem por um processo que envolve os poderes Executivo e Legislativo, que pode ser assim resumido:
(i) negociação e assinatura do texto pelo presidente da República (ou por seu representante, denominado plenipotenciário), a quem incumbe privativamente manter relações com Estados estrangeiros e celebrar tratados, convenções e atos internacionais;
(ii) aprovação pelo Congresso Nacional por meio de decreto legislativo, cabendo-lhe apenas aprová-lo, com reservas ou não;
(iii) ratificação, ato de direito internacional realizado pelo presidente ou seu representante, perante a organização internacional que patrocinou a elaboração do tratado, que tem lugar quando o presidente assinou o texto original, ou adesão, quando o Estado brasileiro se torna parte do tratado, sem que o tivesse assinado anteriormente.

Após esses passos previstos na Constituição, o tratado entrará em vigor no plano internacional, em conformidade com os critérios previstos no próprio texto convencional. Normalmente, se prevê vigência após um mês, seis meses ou um ano da data da ratificação ou adesão.

Para que o tratado entre em vigor internamente exige-se também a (iv) promulgação e publicação, por meio de decreto do chefe do Executivo, onde se divulga o texto integral do pacto. O Supremo Tribunal Federal já decidiu que os tratados só produzem efeitos no plano interno após a promulgação e publicação do decreto executivo, que também tem regras sobre sua entrada em vigor.

O decreto pode silenciar a respeito — e neste caso vigerá 45 dias após a sua publicação — ou prever expressamente outro prazo para sua vigência. A situação ideal, portanto, é que a convenção entre em vigor simultaneamente tanto no plano internacional como no plano interno, o decreto executivo prevendo expressamente data que coincida com a vigência internacional.

Todavia, situações atípicas podem acontecer. A mais comum é a hipótese de a convenção entrar em vigor no cenário doméstico posteriormente à vigência internacional. Trata-se de situação na qual a convenção estará em vigor no plano internacional, face aos outros Estados contratantes, mas que não será aplicada pelo Judiciário brasileiro, por faltar etapa considerada essencial para vigência dos tratados no país.

Já tivemos algumas situações dessa natureza: a Convenção da Haia sobre Seqüestro Internacional de Crianças entrou em vigor internacionalmente em janeiro de 2000 e, no plano doméstico, em abril de 2000; a Convenção de Montreal para a Unificação de Certas Regras Relativas ao Transporte Aéreo Internacional entrou em vigor internacionalmente em julho de 2006 e, internamente, em setembro de 2006; e a Convenção da ONU sobre Prestação de Alimentos no Estrangeiro, exemplo extremo de inércia do legislador interno, vigorou internacionalmente em dezembro de 1960 e passou a vigorar no plano interno somente em setembro de 1965.

Na hipótese de decreto executivo que preveja data de vigência anterior àquela prevista no tratado para vigência no cenário internacional, trata-se de situação em que o tratado não poderá vigorar internamente antes da vigência internacional. A doutrina monista, adotada no país, não concebe a possibilidade de tratado que, com essa natureza, esteja em vigor no plano interno sem que esteja em vigor no plano internacional. Todavia, a Convenção de Nova Iorque sobre Reconhecimento e Execução de Laudos Arbitrais Estrangeiros vigorou para o Brasil em setembro de 2002 no cenário internacional, mas internamente já vigia a partir de julho de 2002.

Atualmente, a Convenção das Nações Unidas sobre Contratos de Compra e Venda Internacional de Mercadorias (CISG), que está em vigor em 78 países, foi aprovada por decreto legislativo em outubro de 2012 e já houve a adesão pelo país no plano internacional, em março de 2013, ainda pendente de publicação do decreto executivo. Isso significa dizer que, enquanto o referido decreto executivo não for promulgado e publicado, a CISG não será aplicada pelo Judiciário brasileiro.

Note-se, porém, que internacionalmente a convenção passará a vigorar em abril de 2014, por conta de critérios fixados no art. 99 do tratado. Seria recomendável que, por se tratar de texto com tanta aceitação internacional, o país atentasse para a questão e fixasse uma data para sua vigência interna, no decreto executivo, coincidente com a sua vigência internacional.

Autores

  • é professora de Direito Internacional Da UERJ e da pós-graduação da UGF. Mestre e doutora em Direito Internacional pela Faculdade de Direito da Universidade de Virginia, EUA. Consultora no escritório Luís Roberto Barroso & Associados.

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