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Quando a impunidade é usada como estratégia processual

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4 de julho de 2013, 10h47

O acesso à Justiça é um dos fundamentos para a consecução do Estado de Direito. No entanto, quando os próprios órgãos responsáveis por garantir o seu cumprimento são instrumentalizados, o que ocorre é a inversão do papel do Estado, que acaba assumindo a função de partícipe das injustiças cometidas, em vez de ser o estabelecedor da paz social. Caso emblemático dessa situação é o dos processos nos quais Luiz Eduardo Auricchio Bottura litiga.

Já há alguns anos, Luiz Eduardo adotou a estratégia de processar as pessoas que poderiam representar empecilhos aos seus interesses: juízes, partes e patronos das ações nas quais contendia. Bottura chegou a ser autor de mais de 30% das ações judiciais em Anaurilândia, em Mato Grosso do Sul e, pelo abuso processual, foi naquele estado condenado mais de 200 vezes por litigância de má-fé.

Nos idos de 2010, foi compulsoriamente aposentada a juíza da comarca sul matogrossense de Anaurilândia Margarida Elisabeth Weiler, por haver, dentre outros motivos, participado de um esquema com Bottura para a obtenção de vantagens econômicas ilícitas, por meio da propositura de centenas de processos judiciais[1].

Seu modus operandi pode ser facilmente demonstrado com as ações intentadas com o objetivo de atingir os desembargadores de Mato Grosso do Sul. Inicialmente, Luiz Eduardo ajuizou Queixas-Crime no STJ[2], para depois alegar a suspeição dos julgadores[3].

Tendo obtido êxito ou não em suas Exceções de Suspeição, Luiz Eduardo decidiu retirar algumas das Queixas, pois também havia entrado com procedimento administrativo contra os desembargadores no CNJ e poderia ter suas intenções camufladas, como se pode observar no julgamento de algumas das Queixas-Crime: “Sabendo que a presente ação — de infração de baixo potencial ofensivo — poderá ser utilizada para dizer que o querelante 'persegueria' injustamente desembargadores, se aproveitando da Justiça gratuita, para macular sua imagem na contundente notícia crime por venda de sentenças, o querelante deseja renunciar aos benefícios da Justiça gratuita e à presente ação"[4].

A Justiça gratuita é irrenunciável, mas o que causa maior espécie são os fatos de que Luiz Eduardo ainda tente obter credibilidade com a retirada das Queixas e de que ele não tenha feito nenhuma reclamação pela não investigação criminal sobre seu envolvimento com a ex-magistrada Margarida, ou que tenha pago as condenações por litigância de má-fé , até mesmo porque, quando foi judicialmente cobrado, não foi localizado[5].

Após a juíza não mais poder judicar em seu favor, Bottura resolveu litigar em outras comarcas. Inicialmente, alterou o seu domicílio para Nova Andradina, cidade vizinha a Anaurilândia, na qual atualmente responde a processo de estelionato por possivelmente haver sido autor de falsificação de guia de recolhimento judicial[6].

Findo o paraíso judicial que havia criado em algumas comarcas no estado de Mato Grosso do Sul, vez que lá se tornou pessoa conhecida, Bottura voltou a declarar seu endereço na capital de São Paulo e, além das “estratégias processuais” anteriormente adotadas, sem que tenha sido efetivamente punido por nenhuma delas, passa a valer-se de outras.

Aproveitando-se do gigantismo da metrópole, Bottura não apenas continuou com a propositura desenfreada de processos como também deu início à perseguição de seus inimigos por meio da abertura de múltiplos Inquéritos, narrando, por vezes, as mesmas situações, em delegacias distintas.

Os requerimentos investigatórios têm um duplo propósito, pois além de obrigar as suas vítimas a deixar seus afazeres hodiernos, servem também para instruir as ações judiciais criadas por Bottura. Não raro, as exordiais, que geralmente contam com centenas de páginas, são alimentadas com os Inquéritos por Luiz Eduardo abertos e outras alegações infundadas por ele narradas, os quais “transformam” suas vítimas eleitas nas “autoras” dos mais diversos delitos.

Além dos processos contra magistrados que não corresponderam às suas pretensões[7], Bottura tenta impedir que as notícias que lhe são desfavoráveis sejam publicadas, e ajuíza diversas ações contra veículos de mídia.

Também a celeridade processual é elemento ao qual Bottura é avesso, chegando a se insurgir contra a inclusão, de processo no qual é réu, no Sistema Justiça Plena[8]e[9] pelo Conselho Nacional de Justiça, sistema esse que visa garantir o bom andamento aos processos de repercussão social.

Obstando ainda o natural andamento das ações judiciais, não raro, os patronos de Bottura deixam de devolver autos no prazo. Pode ainda ocorrer situação pior, como no processo de número 0086762 83.2011.8.26.0050, em que Fabrício dos Santos Gravata, seu advogado, desapareceu com a ação e foi por este crime denunciado. Mas assim como Bottura, quando o interesse pretendido vai de encontro ao seus, Gravata não foi sequer encontrado[10].

As formas utilizadas por Bottura para a não consecução da Justiça incluem, entre outros expedientes, o peticionamento em nome das partes contra as quais litiga[11], o uso de testemunhas profissionais[12] e a destruição da imagem de seus adversários — incluindo imputações criminosas —, vez que sabe que o Judiciário tende a não considerar crime as alegações falsas contadas em ações judiciais[13].

Como ex-mulher de Luiz Eduardo, posso afirmar que sua estratégia processual, ao arrepio da Justiça, vem se saindo vitoriosa e, passados mais de seis anos, sequer consegui me divorciar, tendo ainda que utilizar o sobrenome Bottura.


[1]“Após a análise pormenorizada de cada conduta atribuída à requerida, conclui-se que restou caracterizada infração grave, consistente na sua participação no engendramento das ações propostas por LUIZ EDUARDO AURICCHIO BOTTURA, bem como seu concurso no sentido de permitir ao autor das demandas vantagens patrimoniais ilícitas, expressas nas decisões proferidas pela requerida, que terminaram sendo reformadas.” TJMS, Processo nº 066.158.0005/2009, Rel. des. Claudionor Abss Duarte. j. 23 de jul. de 2010. (g.n.)

[2] STJ APs. nºs 577 a 587, 589 a 592, 600, 604, 606, 609 a 611, 614 e 632.

[3] STF, Pets. 4.993 a 5.013, 5.025 a 5.045 e 5.050.

[4] STJ, AP 611.

[5] TJMS, Proc. nº 0033675-24.2012.8.12.0001.

[6] TJMS, Ação Penal 0800497-66.2013.8.12.0017.

[7] Em São Paulo, Luiz Eduardo conseguiu a suspeição dos desembargadores José Roberto Bedran e Ana Luiza Liarte após haver movido, em desfavor dela, uma Queixa-Crime ( Proc. nº 9053913-60.2008.8.26.0000) e também arguiu o impedimento dos juízes Fernanda Gomes Camacho ( Proc. nº 9027882-66.2009.8.26.0000) e Rodrigo Peres Servidone Nagase (Proc. nº 994.09.229510-7), o qual, em ação da mesma espécie arguida contra servidor, se manifestou: “Aliás, as conjecturas e ilações formuladas pelo excipiente estão desprovidas de qualquer razoabilidade, sendo nítida a intenção de procrastinar o feito, buscando eximir-se de eventual responsabilidade criminal e, para isso, imputa a este magistrado (diga-se, juiz natural da causa (artigo 5º, incisos XXXVII e LIII, da Constituição Federal) e ao excepto o cometimento de vários crimes (extorsão, quadrilha, constrangimento ilegal, abuso de autoridade, tráfico de influência, exploração de prestígio, prevaricação e concussão), intentando ferir a honra, a dignidade e o decoro funcional dos mesmos. Seria até mesmo aplicável, nessa esteira, o disposto no artigo 256 do Código de Processo Penal: A suspeição não poderá ser declarada nem reconhecida, quando a parte injuriar o juiz ou de propósito der motivo para criá-la. Não se pode dar credibilidade à palavra do excipiente, o qual possui inúmeros processos por todo o país, conforme vasta folha de antecedentes também juntadas nos autos da exceção ao magistrado (autos em apenso). Extraem-se, ademais, sucessivos ajuizamentos pelo excipiente de exceções de suspeição e impedimento em detrimento de magistrados, desembargadores e funcionários da Justiça, denotando que o instituto processual tem sido comumente utilizado pelo excipiente de maneira tumultuária e procrastinatória.(…)”(g.n)

[8] Conselho Nacional de Justiça. Disponível em http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/20115-caso-de-violencia-contra-a-mulher-e-incluido-no-programa-justica-plena — acesso em 2 de julho de 2013.

[9] STF, HC nº 11.7296.

[10] Imprensa Oficial do Estado de São Paulo do dia 18 de fevereiro de 2013. Caderno 5, Editais e Leilões, pág. 49.

[11] TJSP, Proc. 0074430-842011.826.0050

[12] Imprensa Oficial do Estado de São Paulo do dia 3 de julho de 2013. Caderno 4, Judicial, 1ª Instância – Interior, pág. 711.

[13] TJDFT, Queixa crime nº 2013.01.1.003593-9.

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