Embates federativos

Guerra fiscal entre os estados deve ser regulamentada

Autor

  • Jacques Veloso de Melo

    é advogado especialista em Direito Tributário sócio do escritório Veloso de Melo Advogados Conselheiro da OAB-DF presidente da Comissão de Assuntos Tributários e Reforma Tributária da OAB-DF e Conselheiro do Carf – Conselho Administrativo de Recursos Fiscais do Ministério da Fazenda.

2 de julho de 2013, 9h24

Ganhou força nas últimas semanas o debate sobre as tentativas de se acabar com a “guerra fiscal” entre os estados brasileiros. O caminho pretendido é a redução das alíquotas interestaduais até a sua unificação, o que passa por um acordo político extremamente difícil, que já sofreu derrotas, como nas últimas deliberações do dia 7 de maio no Senado Federal, onde a unificação das alíquotas não foi aprovada, restando apenas uma redução não uniforme destas, o que estimulará ainda mais a concorrência tributária entre os estados.

A prática combatida e denominada “guerra fiscal” é a outorga de incentivos fiscais pelos estados sem a prévia aprovação pelo Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), a qual somente se dá mediante a aprovação unânime de seus componentes, o que é muito raro. O fato é que, há décadas, vários estados passaram a ignorar solenemente as votações do Confaz e fixar suas políticas fiscais de atração de investimentos, ainda que de forma inconstitucional, o que gera enorme insegurança jurídica.

Milhares de empreendedores alocaram seus investimentos com base em políticas públicas de atração que estão sendo julgadas inconstitucionais e gerando passivos monstruosos e impossíveis de serem pagos, pois as reduções tributárias não foram incorporadas ao lucro dos empreendedores, mas sim repassadas ao preço visando ganhar mercado. Os questionamentos judiciais destas políticas são promovidos por outros estados que possuem as mesmas práticas, gerando um manicômio judicial onde se confundem autores e réus.

Pior faceta desta guerra é realização da “justiça com as próprias mãos”, onde estados abandonam o questionamento judicial e passam a se utilizar de práticas igualmente questionáveis para “defender seus interesses”. Passando, então, a glosar créditos, autuando contribuintes. Enfim, é a barbárie tributária punindo o contribuinte que certamente é a única parte que não tem absolutamente nenhuma culpa, pois apenas cumpriu as normas postas, as quais, até que se diga o contrário, são válidas.

Apesar de todos estes problemas, os dados do Confaz nos trazem uma realidade incompatível com tanta chiadeira. Analisando a arrecadação dos estados brasileiros, num comparativo básico por região entre os anos de 2002 e 2012, temos os seguintes números relativos à arrecadação de ICMS:

Região Ano 2002 (em R$ Mil) Ano 2012 (em R$ Mil) Percentual de crescimento
Norte 5.143.064,00 18.031.728,00 350%
Nordeste 15.213.052,00 50.639.668,00 332%
Sudeste  59.627.330,00 175.064.978,00 263%
Sul 17.130.385,00 51.957.338,00 303%
Centro-Oeste 8.312.441,00 29.777.192,00 358%

Ou seja, nos últimos dez anos, a arrecadação do ICMS cresceu enormemente em todas as regiões do Brasil, inclusive nas regiões Sul e Sudeste, as quais mais questionam os incentivos fiscais outorgados. São Paulo, o campeão da chiadeira, saltou de R$ 37.292.972.000 de arrecadação em 2002 para R$ 109.103.539.000 em 2012, um impressionante crescimento de 292%.

Em estudo da Fundação Getúlio Vargas, realizado a pedido da Federação das Indústrias do Estado de Goiás (Fieg) foi analisado o impacto dos projetos desenvolvidos em diversos estados em decorrência de incentivos fiscais concedidos, gerando diversas externalidades positivas, principalmente a geração de inúmeros empregos diretos.

Um tópico da conclusão do estudo que vale a pena destacar é o fato que os incentivos fiscais não geram renda apenas no Estado onde a empresa se instala, mas em todo país. Os efeitos positivos são verificados em todos os estados. Prova disso é que não houve nos últimos 20 anos queda no PIB de nenhum estado brasileiro decorrente do deslocamento da atividade econômica. Há em todo país uma crescente da atividade econômica, com um incremento do desenvolvimento regional, porém ainda muito pequeno, havendo uma concentração de riquezas nas regiões Sul e Sudeste.

Ao meu sentir, a única externalidade negativa da concorrência tributária entre os estados é a insegurança jurídica decorrente dos questionamentos das políticas implantadas. Isto é: a guerra fiscal deve ser combatida? E como fazê-lo?

Minha sugestão é muito simples. Deve ser revogado o inciso “g”, do inciso XII, do artigo 155 da Constituição Federal, que condiciona a concessão de incentivos e isenções ao previsto em lei complementar, devolvendo aos estados a plena competência tributária para legislar sobre o ICMS e dispor deste como bem entenderem, legitimando assim a concorrência tributária no país, e extirpando de vez a insegurança jurídica por esta criada.

A concorrência tributária entre os estados até o momento gerou aumento de arrecadação, emprego, renda e desenvolvimento regional, portanto devemos regulamentá-la definitivamente, possibilitando que os estados e principalmente o setor produtivo do país tenham segurança na definição de suas políticas públicas e na implantação de seus negócios.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!