No seu lugar

Aos olhos do direito trabalhista, parentes não são parentes

Autor

  • Cintia Yazigi

    é advogada sócia coordenadora da área trabalhista do escritório Tess Advogados. É também integrante da Comissão de Direito do Trabalho da OAB-SP e secretaria o Comitê de Direito Empresarial da OAB-SP.

27 de janeiro de 2013, 7h15

Bem apropriada a lembrança da comédia italiana “Parente é Serpente”, de 1992, dirigida por Mario Monicelli, marcada por um reencontro familiar, que embora se iniciou com muita alegria e satisfação, sofreu as consequências, em virtude de problemas alheios as respectivas vontades, ocasionando um desastre de revelações individuais e intencionais. As faces foram reveladas e a desconsideração familiar evidenciou-se.

No mundo empresarial, infelizmente não é sempre diferente! Não é incomum, principalmente as empresas de médio e pequeno porte, contratarem parentes para inclusão em seus quadros de prestadores de serviços ou empregados. Mas não importa a extensão do problema, ele será bem maior quando o colaborador, ora considerado empregado, é um parente do empregador.

No início da contratação, assim como no início de um casamento, é inimaginável o rumo que a relação, até então repleta de consideração e afeto, poderá tomar. Não há sequer a previsão de que as possiblidades de conflitos acarretados no decorrer da relação, agravam-se exatamente porque a relação além de empregatícia, também é de parentesco.

O poder de mando e disciplina, um dos requisitos mais relevantes da relação empregatícia, perde a sua referência, pois em casos de parentescos, a autoridade, a ordem, o comando, a obediência tem outros valores.

A cultura ensina que um filho deve obediência ao pai. E só! E talvez por isso mesmo, essa em verdade é a relação empregatícia entre parentes que mais tem chance de dar certo, se não for a única.

Talvez a polêmica seja mesmo cultural. Como aceitar que um tio obedeça ao sobrinho, um irmão ou primo mais velho obedeça ao irmão ou primo mais novo e assim por diante? E o cunhado então? Que mesmo não sendo juridicamente parente, é exatamente assim que se sente?

Não basta ficar insatisfeito com um parente para modificar seu contrato ou demiti-lo, pois este processo dependerá da aprovação de outros parentes e não mais da equipe que coordena os trabalhos deste trabalhador.

A vivência na relação do trabalho tem se mostrado muito delicada quando a relação familiar supera a própria relação de trabalho. Com muita dificuldade há efetiva adaptação do parente no universo ocupacional.

Tanto a legislação trabalhista quanto a Jurisprudência, desconsideram de forma absoluta o grau de parentesco entre as partes e, como deve ser, buscam sempre o resguardo de cada um de acordo com a aplicabilidade do respectivo direito. Recentemente o Tribunal Regional do Trabalho de Minas Gerais reconheceu o vínculo empregatício havido entre irmãs (ED 0000600-36.2011.5.03.0031 — Fonte — TRT da 3ª Região em 8 de maio de 2012) e entre tia e sobrinha (RO 0001045-86.2010.5.03.0064 — Fonte — TRT 3ª Região em 6 de março de 2012). Também não há lei específica em relação a parentes, não há proteção e tampouco agravantes amparados por este contexto jurídico.

Aos olhos legais trabalhistas, “parentes não são parentes” (exceto para impedimento de testemunhar). Aos olhos familiares parentes são sempre parentes e acima de qualquer princípio, jamais são meramente empregados e empregadores. Por isso todo cuidado para essa espécie de contratação, ainda é muito pouco!

E quando a reclamação trabalhista surge de um parente? Vale lembrar que o sucesso ou não das ações trabalhistas não depende somente da petição, contestação e sentença. Mas também depende de uma fase de instrução, que entre outras provas geram audiências, palco de conflitos familiares emocionais e constrangedores, colocando a equipe dos familiares do empregado em crise com a equipe dos mesmos familiares ora empregadores e vice versa, onde um confunde-se com o outro. Nesses termos o caos está criado.

A regra familiar costuma ser única: o parente empregador não faz mais que a obrigação ao empregar o parente. Se o parente empregado pede demissão vira serpente, se o parente empregador quem o demite vira serpente. Se o parente empregado apresenta uma ação trabalhista contra o parente empregador, vira serpente. Se o empregador não faz acordo é ele quem vira serpente. E assim, sucessivamente, o Butantã vira alvo de concorrência. Por essas e outras que parente é parente, empregado é empregado e empregador é empregador. Cada um no seu lugar.

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    é advogada, sócia coordenadora da área trabalhista do escritório Tess Advogados. É também integrante da Comissão de Direito do Trabalho da OAB-SP e secretaria o Comitê de Direito Empresarial da OAB-SP.

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