Eleições na OAB

“Quero implantar a Lei de Acesso à Informação na OAB”

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23 de janeiro de 2013, 8h00

Eugenio Novaes/OAB
A Ordem dos Advogados do Brasil deve buscar o equilíbrio entre suas duas principais missões: a defesa das prerrogativas dos advogados e a fiscalização do Poder Público. Para o secretário-geral da OAB, Marcus Vinícius Furtado Coêlho, as duas atribuições são complementares, não excludentes. Candidato à presidência do Conselho Federal da entidade, ele acredita, contudo, que a OAB não deve se manifestar sobre todos os problemas brasileiros: “Devemos dar respostas aos fatos quando eles justificarem a atuação da Ordem. A entidade não pode ser comentarista de todos os fatos que acontecem no país”.

 Em entrevista à revista Consultor Jurídico, Furtado Coêlho, que disputa a sucessão com o atual vice-presidente da entidade, Alberto de Paula Machado, crê que a OAB pode fortalecer sua autonomia praticando dentro de casa o que defende que seja praticado fora dela. Por isso, se comprometeu a fazer um plebiscito para consultar os advogados sobre eleições diretas para o Conselho Federal e, apesar de ser contrário à prestação de contas da Ordem aos tribunais de contas, promete instituir internamente os mesmos parâmetros da Lei de Acesso à Informação.

Para o candidato, a OAB deve, antes de tudo, conhecer seu público. Saber o que esperam da entidade os quase 800 mil advogados espalhados pelo país. “Pretendo fazer uma ampla pesquisa junto à opinião pública em geral e, especialmente, junto à advocacia, para verificar os anseios da nossa classe e também tentar cadastrar a advocacia brasileira: quem somos, o que pensamos, o que pretendemos”, afirma Coêlho.

Os últimos cinco presidentes da Ordem foram eleitos sem concorrência, por meio de chapa única. As eleições serão disputadas no dia 31 de janeiro. Apesar do favoritismo de quem conta com o apoio declarado de 22 seccionais, Furtado Coêlho não considera a vitória assegurada e evita o clima de já ganhou, principalmente em uma disputa na qual os votos são secretos e onde são comuns as divergências entre conselheiros federais de uma mesma seccional.

Há nove anos no Conselho Federal da OAB, como conselheiro pela OAB do Piauí, o candidato foi, além de secretário-geral, presidente da Comissão Nacional de Legislação e da Coordenação Nacional do Exame de Ordem. É a partir desta experiência que defende a aproximação entre a entidade e o Ministério da Educação e o estabelecimento de um diálogo aberto com o Congresso Nacional. Coêlho diz se inspirar no exemplo de Raymundo Faoro, que manteve com o governo um diálogo franco, sem deixar de lado a autonomia da entidade, e conseguiu avanços na implementação da anistia e na recuperação do direito de Habeas Corpus.

“É importante registrar que a Ordem deve ficar acima ou alheia aos interesses e aos debates político-partidários. Não deve ser extensão de governos e nem auxiliar de oposição. Deve ter como o seu único partido o Estado de Direito e a sua única ideologia a Constituição da República”, sustenta o secretário-geral, que lidera a chapa “OAB Independente, Advogado Valorizado”.

Leia a entrevista 

ConJur — Qual é o principal papel da OAB hoje?
Marcus Vinícius Furtado Coêlho — A Ordem precisa saber compatibilizar suas duas missões. Por um lado, a defesa das prerrogativas da profissão como instrumento do exercício do direito de defesa e do devido processo legal. Por outro, a luta pelas grandes causas da República brasileira. A Ordem possui essa dupla missão, que decorre do Estatuto da Advocacia e da Constituição Federal. O Estatuto fixa que a OAB é uma entidade defensora do Estado Democrático de Direito e tem papel relevante para o aperfeiçoamento das instituições jurídicas. E são as instituições jurídicas que garantem a democracia. As duas missões não são excludentes, mas complementares. Há uma falsa polêmica acerca de se privilegiar uma ou outra luta. A entidade bem gerida, bem administrada, descentralizada de forma que utilize os valores de seus dirigentes e não concentre a sua atuação apenas na figura do presidente, pode atuar bem nos dois campos.

ConJur — Advogados, principalmente criminalistas, têm reclamado do fato de a OAB estar confundindo seu papel com o do Ministério Público. Em vez de garantir as prerrogativas dos advogados que defendem acusados de crimes, parte para o ataque contra seus clientes. O caso do governador do Distrito Federal José Roberto Arruda, em que a OAB fez campanha pela sua derrubada e prisão, é sempre lembrado como paradigma dessa inversão de papéis. O que o senhor diz sobre isso? A Ordem vive uma crise de identidade?
Furtado Coêlho — Eu tenho visto, realmente, muitas críticas ao papel institucional da Ordem. Críticas no sentido de que a Ordem não estaria desempenhando bem o seu papel institucional, quando na realidade, é possível perceber dois grandes movimentos feitos recentemente pela entidade que constituíram vitórias institucionais importantes para a sociedade brasileira. 

ConJur — Quais?
Furtado Coêlho — A manutenção da competência plena do Conselho Nacional de Justiça foi uma conquista importante da sociedade brasileira. A OAB esteve à frente desse movimento. E a aprovação da Lei Complementar 135, a Lei Ficha Limpa, que tenta melhorar os costumes políticos da nação. Penso que são duas conquistas importantes, em que a Ordem foi uma das protagonistas. Por outro lado, nas questões corporativas, sempre que a Ordem é questionada e procurada, tem reagido em defesa das prerrogativas. Talvez o que falte seja uma sistematização maior dessas ações, a realização de um planejamento estratégico. Iremos fazer um planejamento estratégico da gestão para que as respostas não sejam episódicas. A Ordem não pode esperar que os fatos ocorram para só depois interceder. Cada gestão tem a sua meta, a sua marca. Se eleito, pretendo instituir a marca da pregação do respeito ao devido processo legal, da presunção da inocência e do direito de defesa. Devemos dar respostas aos fatos quando eles justificarem a atuação da Ordem. 

ConJur — Outra crítica frequente é a de que, muitas vezes, os presidentes de OABs se tornam verdadeiros comentaristas-gerais da União. Falam sobre tudo. Como o senhor pretende atuar nesse campo?
Furtado Coêlho O presidente da Ordem não deve ser comentarista de todos os casos que acontecem no país. Ele deve expressar a sua opinião quando o caso for absolutamente relevante e desde que ele não interfira de qualquer modo no resultado de um julgamento. Não pode opinar sobre a condenação ou a absolvição de acusados. Cabe à Ordem observar o respeito à Constituição da República, lutar para a preservação do devido processo legal e pelo respeito aos colegas profissionais que atuam no processo. Mas o presidente da Ordem não pode ser omisso em temas relevantes. Apenas deve ter essa sabedoria de não expressar como posição oficial ou institucional da entidade uma posição que é pessoal. As posições institucionais e oficiais devem ser debatidas pela entidade e aprovadas pelo plenário do Conselho Federal da OAB. O presidente da OAB é um porta-voz do sentimento da advocacia brasileira.

ConJur — O senhor pode dar exemplos de quando a Ordem deve atuar fora do espectro do papel corporativo?
Furtado Coêlho A reforma política e a reforma tributária, por exemplo. São reformas sempre adiadas, mas todos são unânimes em defender que elas sejam feitas. A Ordem pode participar disso levando o conhecimento e a expertise jurídica de seus integrantes para o debate político. É aí que a Ordem se legitima. Essa é uma forma de a Ordem participar institucionalmente de modo pró-ativo na vida da nação. Penso que esse seria o papel específico que a história reserva para a OAB hoje.

ConJur — O senhor é favorável ao projeto de lei que institui a Ficha Limpa nas eleições da OAB?
Furtado Coêlho — Totalmente favorável. Aliás, esse projeto de lei copia um provimento já existente na Ordem. O plenário do Conselho Federal aprovou, com o voto favorável da minha bancada do Piauí, a implantação das mesmas regras que incidem sobre os políticos nas eleições da OAB. Isso já é uma realidade no âmbito interno da Ordem. Se virar lei, tanto melhor. 

ConJur — A OAB é uma caixa preta? Por que ela não presta contas aos tribunais de contas como os demais conselhos profissionais?
Furtado Coêlho — A Ordem fiscaliza a atuação do Poder Público, não do ponto de vista orçamentário e financeiro, mas deve manter um olhar crítico em relação às instituições públicas. A Ordem fiscaliza o Ministério Público, a atuação dos tribunais de contas, a formação, a forma de escolha de conselheiros dos tribunais de contas. Faz parte do seu papel de ser uma espécie de porta-voz da sociedade. Para isso, ela necessita de autonomia e independência em relação ao controle do poder público. Se a Ordem for subjugada ao controle do poder público, porque o controle por tribunais de contas significa, logo em seguida, o controle do Ministério Público, sua atuação pode ser comprometida e, em última análise, até criminalizada. E a Ordem não recebe recursos públicos. Funciona apenas com contribuição dos advogados.

ConJur — Então, para quem a OAB deve prestar contas?
Furtado Coêlho — Ao advogado. Em nosso programa de gestão há o compromisso de implantar os mesmos parâmetros de transparência da Lei de Acesso à Informação na OAB. As mesmas regras de transparência que submetem o poder público serão replicadas pela OAB, inclusive com a criação de um portal da transparência do Conselho Federal e programas de estímulo para que as seccionais façam o mesmo. Assim, todo advogado do Brasil poderá ter ciência de onde os recursos da advocacia são aplicados. Queremos também implantar um orçamento participativo. O orçamento da Ordem deixará de ser algo feito por alguns para que se coloque em discussão junto aos conselheiros federais, junto aos presidentes seccionais, podendo até mesmo os advogados mandarem sugestões por e-mail. A melhor forma de a Ordem defender sua independência é ela própria fazer um choque de transparência na gestão.

ConJur — Ou seja, vai democratizar o orçamento. Por que não democratizar tudo e fazer eleições diretas para o Conselho Federal?
Furtado Coêlho — Assumi o compromisso de, já em novembro deste ano, se for aprovado pelo plenário do Conselho Federal, convocar um plebiscito federativo das eleições diretas. O plebiscito seria feito no modelo proposto pelo atual presidente da OAB da Bahia, Luiz Viana Queiroz. A convocação do plebiscito também é uma luta histórica da OAB do Rio de Janeiro, que integra a nossa chapa. 

ConJur — O Exame de Ordem é realmente necessário?
Furtado Coêlho — Sim. Por diversos motivos. Primeiro, pela realidade do sistema educacional superior no que tange o ensino jurídico. Nos últimos 15 anos, o número de faculdades de Direito no Brasil subiu de 200 para 1.200 escolas. Os principais beneficiários do fim do Exame de Ordem seriam as faculdades de péssima qualidade, porque elas venderiam um produto mais rentável, mas de qualidade sofrível. Além do diploma de bacharel em Direito, elas iriam vender o exercício da profissão, sem se preocupar com a qualidade. Nas pesquisas que realizamos com estudantes de Direito que fizeram as provas, a ampla maioria foi favorável ao Exame de Ordem porque não querem nivelar por baixo. Vamos propor ao MEC, já em fevereiro, o congelamento de criação de novas vagas em cursos de Direito já existentes e de novos cursos.

ConJur — Além de impedir a criação de cursos, o que a OAB pode fazer para melhorar a qualidade do ensino?
Furtado Coêlho — Vamos propor um grupo de trabalho com o MEC para verificar quais cursos têm condições de continuar funcionando. Isso significa fazer inspeção especial naqueles cursos que, nos últimos três exames de Ordem, não conseguem uma média mínima de aprovação, que não conseguem aprovar 5% de seus alunos, por exemplo. As boas faculdades de Direito aprovam. Quase 70% são aprovados na primeira tentativa. Na segunda tentativa, o restante já é aprovado.

ConJur — A Ordem não emite um parecer em relação à criação de cursos?
Furtado Coêlho — Sim. Dá um parecer para a autorização de funcionamento do curso e dá outro parecer para o reconhecimento do curso, cinco anos depois. Mas o parecer não vincula a decisão do MEC. E para que o parecer da Ordem não seja respeitado pelo MEC, faz-se necessário que haja outro parecer do MEC, quer dizer, que haja uma aprovação em nível recursal do parecer da OAB. Mas o segundo aspecto na defesa do Exame de Ordem é o da defesa do cidadão. O prejudicado com uma defesa mal feita é o cidadão, e esse prejuízo é irreparável. Já disse o Supremo Tribunal Federal, quando declarou constitucional o Exame de Ordem, que a exigência dessa prova de qualificação é necessária porque a advocacia pode trazer prejuízos irreparáveis a terceiros, à liberdade, aos bens, aos direitos das pessoas. Uma má orientação pode levar a novos litígios. Penso que o principal beneficiário do Exame de Ordem é o cidadão, que tem pelo menos uma certeza de que aquele advogado possui o mínimo de conhecimento jurídico para o exercício da profissão.

ConJur — Muitos juízes, hoje, afirmam que o quinto constitucional se desvirtuou. No lugar de a OAB indicar os advogados mais experientes, usa o instituto para premiar amigos. É necessário mudar o sistema de escolha do quinto?
Furtado Coêlho — O procedimento pode e deve ser repensado. A perfeição não existe, nem mesmo na vida pessoal. Mas a OAB tenta fazer o melhor sistema de escolha. Veja que sem qualquer pressão da sociedade ou iniciativa legislativa, a própria Ordem, por meio de provimento, proíbe que um conselheiro federal, que um dirigente de Ordem, seja candidato ao quinto constitucional. Ao escolher as pessoas que vão integrar a lista do quinto constitucional, é importante dar prioridade aos advogados militantes e que tenham um currículo profissional de peso. Só o advogado militante conhece a realidade da advocacia. A melhor forma de defender o quinto constitucional é fazer listas cada vez mais meritórias.

ConJur — Por que se gasta tanto dinheiro nas eleições seccionais da OAB se os cargos não são remunerados?
Furtado Coêlho — Em primeiro lugar, é preciso registrar a grande satisfação, o grande orgulho de todos os dirigentes de Ordem em representar a classe. Pode parecer algo romântico demais, mas o objetivo, o intuito, a satisfação de quem faz a OAB é se devotar à classe e à sociedade. É uma espécie de sacerdócio, de missão. O grande encantamento, e a palavra é essa, encantamento, de ser dirigente de Ordem é o exercício de um cargo voluntário, não remunerado. Quando alguém se dedica à Ordem é porque já teve uma vida profissional de êxito. Então, já adquiriu da advocacia muita satisfação no plano material, e passa a ter por essa profissão uma paixão inominada, um dever de gratidão, e participa da Ordem com esse sentimento. Mas nós devemos aprofundar as regras de proibição de gastos de campanha. O atual provimento já faz isso ao não permitir outdoors, showmícios etc. Ainda assim, podemos aperfeiçoar essas regras.

ConJur — Muitos advogados não gostam sequer de trabalhar pro bono em um número limitado de causas. E o senhor defende que há satisfação em fazer uma espécie de pro bono de três anos, que é o mandato do presidente…
Furtado Coêlho — Digo pela minha experiência. Há causas pro bono nas quais o advogado atua até com mais dedicação do que naquelas em que ele é remunerado. Já atuei em ações coletivas sem retribuição financeira porque eram pessoas desassistidas de bens materiais. É uma forma de retribuir o fato de ter estudado em universidade pública, por exemplo. Eu sou formado pela Universidade Federal do Piauí. O fato de exercer uma profissão que lhe deu tudo na vida, que lhe dá o sustento e que lhe dá tranquilidade faz o dirigente da Ordem pensar coletivamente. Dirigir uma entidade como a Ordem e representar os quase 800 mil advogados do país supera qualquer outra eventual vantagem financeira.

ConJur — A OAB é a favor da advocacia pro bono?
Furtado Coêlho — A Ordem dos Advogados do Brasil tem entre suas missões defender a Constituição da República. A Constituição traz um artigo específico determinando que a Defensoria Pública deve existir em todo o país para atender aos necessitados economicamente. Temos de cumprir a Constituição.

ConJur — Mas há seccionais que até hoje insistem em descumprir, criando obstáculos para a implantação de defensorias nos estados…
Furtado Coêlho — O Conselho Federal da Ordem deve empenhar esforços para a defesa da Defensoria Pública. Devemos, inclusive, reaproximar os colegas da Defensoria Pública da nossa instituição e lutar pela ampliação e defesa das prerrogativas dos defensores públicos. Não se pode defender a Constituição por tiras, defender a Constituição só no que interessa. Ou se defende a Constituição por completo ou iremos vulnerá-la. A criação da Defensoria é um comando constitucional e deve ser cumprido.

ConJur — A OAB já foi uma das mais respeitadas entidades da sociedade civil. Hoje não é sequer lembrada para compor, por exemplo, a Comissão da Verdade do governo federal. Isso seria impensável em outras épocas. A OAB perdeu o prestígio?
Furtado Coêlho — Nós vivemos um novo momento histórico em que as instituições da República funcionam normalmente. A Ordem deve se adequar a esse novo momento histórico, que não é o mesmo da ditadura militar. Mas a Ordem não está omissa em relação aos temas importantes da República. Repito o exemplo da manutenção dos poderes no Conselho Nacional de Justiça, como também da defesa da constitucionalidade da Lei da Maria da Penha e das cotas raciais. Foram momentos importantes da atuação da Ordem. No atual momento, talvez a Ordem deva, mantendo sua independência, aprimorar o necessário diálogo com as instituições da República. Como diz o presidente da OAB da Bahia, Luiz Viana, a Ordem tem de ser farol de porto para iluminar a travessia nos momentos tortuosos e de transformações do Brasil. Um grande exemplo da necessidade do diálogo institucional que mantém a independência, mas que constrói pontes para o futuro, foi a atuação do nosso ex-presidente Raymundo Faoro. À época, ele dialogou firmemente com o então ministro da Justiça, Petrônio Portela, em favor da implementação da anistia em nosso país e, mais ainda, da recuperação do direito ao Habeas Corpus. É importante registrar que a Ordem deve ficar acima ou alheia aos interesses e aos debates político-partidários. Não deve ser extensão de governos e nem auxiliar de oposição. Deve ter como o seu único partido o Estado de Direito e a sua única ideologia a Constituição da República.

ConJur — É possível estabelecer esse diálogo com o estranhamento que hoje existe entre a OAB e o Congresso Nacional? Há diversos projetos contrários aos interesses da Ordem que começam a andar em ritmo mais acelerado, como o do fim do Exame de Ordem e o que obriga a OAB a prestar contas ao TCU…
Furtado Coêlho — Em primeiro lugar, é preciso reafirmar a importância do Congresso Nacional para a República. Toda ditadura, quando é instituída, o primeiro passo é fechar o Congresso Nacional e retirar as prerrogativas da magistratura. São duas medidas que vêm com implantação de uma ditadura. Por quê? Porque no Congresso Nacional estão representadas todas as forças políticas do país, todas as ideologias e as minorias sociais. É o poder mais democrático do Brasil. Então, é importante não generalizar. Penso que qualquer generalização, qualquer criminalização generalizada da atividade pública ou atividade política, não contribui para a evolução democrática do país. Até porque precisamos da política para que tenhamos a democracia. E, sim, é possível estabelecer um diálogo institucional aberto, franco e pautado pelo respeito. A Ordem pode contribuir para que sejam feitas as reformas necessárias ao país.

ConJur — Como o senhor vê a pressão pela abertura do mercado da advocacia brasileira para escritórios estrangeiros?
Furtado Coêlho — O Conselho Federal deliberou no sentido de que deve vigorar o princípio de que, no nosso país, exercem a advocacia aqueles aprovados no Exame de Ordem, aqueles que conhecem o Direito brasileiro. E manteve a possibilidade de advogados de outros países darem consultoria em Direito estrangeiro. O provimento sobre o tema permite que o escritório estrangeiro possa ter parcerias não permanentes, mas eventuais, para dar consultoria em Direito estrangeiro. O que não se pode permitir é que escritórios brasileiros sejam longa manus de escritórios estrangeiros, que os escritórios estrangeiros utilizem de uma “parceria” para transformar o escritório nacional em sua filial.

ConJur — A OAB ainda veda publicidade de serviços advocatícios. Em um mercado cada vez mais competitivo, não está na hora de repensar essas regras?
Furtado Coêlho — No exercício da sua atividade privada, o advogado exerce munus público. É o que estabelece a nossa lei federal, o Estatuto da Advocacia. A lei está em vigor e diz que a advocacia não é uma atividade meramente mercantil. É uma atividade que tem um munus público, uma função social relevante. Com isso em mente, a publicidade na advocacia não deve ser a mesma praticada por qualquer outra empresa que negocia uma mercadoria qualquer. Mas não me oponho a submeter ao plenário do Conselho Federal uma rediscussão do tema.

ConJur — Professores dizem perceber em sala de aula, nos cursos de Direito, que a maioria dos estudantes está interessada em concursos. A advocacia privada está em crise? O profissional liberal é uma espécie em extinção?
Furtado Coêlho — Esse fenômeno não é novo. Há 19 anos, quando eu ingressei na advocacia, da minha turma na Universidade Federal do Piauí, de 40 formandos, dois ou três foram para a advocacia. Os demais são hoje juízes federais, procuradores da República, promotores de Justiça, juízes de Direito. Mas há uma nova realidade na advocacia brasileira, do advogado empregado. Muitos estão submetidos à condição de empregados e de correspondentes de grandes escritórios que pagam valores mínimos de remuneração e honorários aviltantes. É necessário verificar o fenômeno da proletarização da advocacia que toma o lugar da advocacia liberal e de profissionais que montam o seu escritório e, a partir daí, desempenham a sua profissão. O termo advogado pautista utilizado em alguns locais do Brasil é altamente revelador dessa situação. O advogado é um mero pautista, ou seja, alguém que vai para a audiência representar o cliente de outro escritório, por vezes sem sequer ter preparado a peça jurídica. O aviltamento da profissão pode ser uma das causas para o afastamento da advocacia liberal e a Ordem tem de ter um olhar sobre isso. Por exemplo, com a luta pela instituição de piso remuneratório aos advogados contratados em escritórios de advocacia. Isso já é uma realidade em alguns estados. No Piauí, conseguimos aprovar um piso de R$ 2 mil, que é considerado razoável para a realidade local. Precisamos discutir no Conselho Federal se há a necessidade de se fixar um piso nacional ou se isso fica a cargo das seccionais.

ConJur — É necessário, de fato, impor uma tabela mínima de cobrança de honorários?
Furtado Coêlho — A tabela de honorários mínimos é referencial e existe mais para proteger os advogados de fixação de honorários aviltantes. A Ordem continua respondendo junto ao Cade a um procedimento que vê na tabela uma prática anticoncorrencial, mas na realidade é apenas uma defesa de classe. Os sindicatos de professores podem lutar por uma remuneração mínima, o sindicato dos jornalistas deve lutar. A OAB também pode.

ConJur — O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, em recente decisão, fixou que cliente pobre não precisa pagar advogado. O cliente, que foi declarado pobre pelo próprio advogado, tinha um contrato que previa o pagamento de honorários de 20% sobre o valor da causa em caso de êxito. Recebeu uma quantia pequena, que não alterou seu patrimônio, e não pagou o advogado. O TJ gaúcho entendeu que não precisava pagar mesmo. Se fosse presidente da OAB, como o senhor agiria nesse caso?
Furtado Coêlho — Todos os contratos, sejam eles firmados entre pessoas jurídicas, entre pessoas físicas, entre o Poder Público e empresas ou entre o advogado e seu cliente, devem ser cumpridos. Claro, falo de contratos licitamente estabelecidos, firmados entre partes capazes e com objeto lícito. Contratos hígidos. Um país só consegue se desenvolver, progredir, com segurança jurídica. Ter segurança jurídica significa definir marcos regulatórios claros sobre as questões e ter respeito aos contratos. Ou defendemos a segurança jurídica, que significa a validade dos contratos licitamente estabelecidos, ou não teremos segurança jurídica alguma. Como presidente da Ordem, iria defender o cumprimento do contrato porque ele foi estabelecido de forma lícita.

ConJur — A Ordem é machista? O Conselho Federal da OAB é formado por 81 conselheiros. Apenas seis são mulheres. Dada a ampliação da atuação de mulheres na advocacia, o quadro de conselheiros não está desequilibrado?
Furtado Coêlho — Devemos discutir esse tema. As mulheres são absolutamente competentes, responsáveis, sensíveis e devem participar com mais evidência no cenário da Ordem. Precisamos estimular uma maior participação das mulheres na nossa instituição. 

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