"Teoria política"

Adesão de juiz a política ideológica produz absurdos

Autor

21 de janeiro de 2013, 14h47

[Artigo originalmente publicado na edição desta segunda-feira (21/1) do jornal Folha de S.Paulo]

Em livro de 2011, o psicólogo Daniel Kahneman, prêmio Nobel de Economia, revê os estudos sobre a tomada de decisões, que originaram a “economia comportamental”. Destaco duas pesquisas sobre juízes.

Na primeira, observam-se juízes israelenses a deliberar sobre pedidos de liberdade condicional — e suas decisões vão de 65% a favor após as refeições, com a barriga cheia, até perto de zero ao aproximar-se a refeição seguinte.

Na segunda, experimentados juízes alemães, diante de artifício que os leva a ver lançamentos de dados viciados que resultam em 3 ou 9, optam, num caso de pequenos furtos, por penas cerca de 40% maiores quando o resultado é 9 do que quando é 3.

Kahneman liga observações como essas a um modelo da mente que a divide em dois sistemas, o Sistema 1, de intuições, impressões e operações automáticas e sem controle voluntário, e o Sistema 2, de atividades mentais que envolvem esforço, concentração e lógica. E mostra elaboradamente como a dinâmica do indispensável Sistema 1 contamina e “ancora”, pela ação de fatores diversos, as atividades do Sistema 2.

Se um mero rolar de dados pode influir sobre juízes doutos e experientes, como apreciar o julgamento do mensalão pelo STF, com sua complexidade e os muitos fatores recônditos em jogo?

O ineditismo do evento, com a corte constitucional a brigar sobre um processo penal em que os numerosos réus são figuras notórias; a atenção da imprensa, a TV e a pressão da chamada “opinião pública”; as ramificações político-partidárias e a conexão com questões de psicologia coletiva e com prenoções ou preconceitos vários; ou, quem sabe, a dor nas costas do ministro relator…

De especial interesse é o destaque dado à operação, no processo de avaliação e decisão, de mecanismos de clara relevância para a agora famosa teoria do “domínio do fato”, a grande questão doutrinária do julgamento.

Kahneman salienta as distorções nascidas da tendência geral a tomar como base qualquer relato “coerente”. “O que você vê é tudo o que existe”: o que conta para o decisor sujeito a “âncoras” espúrias é o conteúdo da “história” que a informação disponível permite, e não a quantidade ou a confiabilidade da informação. Que dizer dos ministros a insistirem, contra o apego a provas cabais, em entidades como o “conjunto probatório”, a “lógica da vida” ou a “experiência de vida”…

Cientistas políticos têm advertido contra a “teoria política” do STF, e eu mesmo já escrevi sobre a adesão do nosso Judiciário a um modelo convencional e analiticamente tosco de “política ideológica”, que tem produzido decisões inconsistentes ou até absurdas do TSE e do STF sobre a organização e as relações dos partidos.

A leitura de Kahneman respalda com força a ideia de que, em vez de se encerrarem num jurisdicismo às vezes ingênuo, nossos juristas fariam melhor abrindo-se às ciências humanas e sociais e trazendo conveniente pitada de realismo ao fatal normativismo do ofício.

Assim, se há corrupção e crimes a punir, as instituições se fazem sempre com material humano em que o Sistema 1 cria vieses. E há Sistemas 1 variados, incluídos aqueles, sociologicamente condicionados, que ajudam a conformar o viés social de nossa Justiça — cuja presença latente no julgamento de há pouco é plausivelmente sugerida por fáceis experimentos mentais sobre o julgamento de outras lideranças, outros governos, outros partidos. No melhor dos casos, talvez o STF colérico de Joaquim Barbosa não só tenha algo a ver com o “perfil sociológico” do próprio ministro, mas acabe também por justificar apostas quanto à novidade duradoura do perfil geral de futuros condenados. Veremos.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!