Diário de Classe

Crítica à imprecisão da expressão neoconstitucionalismo

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19 de janeiro de 2013, 7h00

O que significa neoconstitucionalismo? Esta é uma pergunta cada vez mais frequente nas salas de aula, seja na disciplina de Direito Constitucional, seja na de Teoria ou Filosofia do Direito. Uma coluna não seria suficiente para respondê-la satisfatoriamente, razão pela qual me limitarei a apresentar uma importante crítica à imprecisão semântica que assombra o tema.

Neoconstitucionalismo é uma expressão que surgiu no final da década de 1990 e é empregada, pioneiramente, pelos jusfilósofos de Genova: Susanna Pozzolo, Paolo Comanducci e Mauro Barberis. Na verdade, para ser ainda mais preciso, o termo teria sido utilizado, pela primeira vez, durante a intervenção de Pozzolo no XVIII Congreso Mundial de Filosofia Jurídica y Social, realizado em Buenos Aires e La Plata, entre os dias 10 e 15 de agosto de 1997.

Segundo esclarece a autora genovesa, “embora seja certo que a tese sobre a especificidade da interpretação constitucional possa encontrar partidários em diversas dessas disciplinas, no âmbito da Filosofia do Direito ela vem defendida, de modo especial, por um grupo de jusfilósofos que compartilham um modo singular de conceber o Direito. Chamei tal corrente de pensamento de neoconstitucionalismo. Me refiro, particularmente, a autores como Ronald Dworkin, Robert Alexy, Gustav Zagrebelsky e, em parte, Carlos Santiago Nino”.

Desde então, muito se tem escrito e debatido a respeito do denominado neoconstitucionalismo, que se expandiu pela Europa, sobretudo na Itália e na Espanha, e alcançou a América Latina, onde conta com, cada vez mais, novos adeptos e seguidores, especialmente no Brasil.

Ocorre que, não obstante a crescente produção bibliográfica, resultante das discussões que vêm sendo realizadas no campo da Teoria e da Filosofia do Direito, ainda se verificam incontáveis imprecisões terminológicas e inúmeras divergências sobre o tema. Um exemplo disso é o fato de nenhum dos autores tradicionalmente rotulados de neoconstitucionalistas assumirem uma mesma posição e tampouco adotarem o uso da expressão neoconstitucionalismo.

Neste contexto, aliás, parece adequada e recomendável a cautela adotada por Prieto Sanchís, para quem não existe uma corrente unitária de pensamento, mas apenas uma série de coincidências e tendências comuns que, de um modo geral, apontam para a formação de uma nova cultura jurídica.

Trata-se, com efeito, de uma expressão que ingressou definitivamente no léxico jurídico e de um modo geral, vem sendo empregada para se referir às tentativas de explicar as transformações ocorridas no campo do Direito a partir da Segunda Guerra Mundial, mas cuja amplitude semântica alcança três níveis, conforme adverte Carbonell:

(a)     os textos constitucionais promulgados na segunda metade do século XX, em que se incorporam normas substanciais que condicionam a atuação do Estado na realização dos fins e objetivos estabelecidos;

(b)     as práticas jurisprudenciais assumidas pelos tribunais e cortes constitucionais, cuja atuação implica parâmetros interpretativos compatíveis com o grau de racionalidade exigido pelas decisões judiciais;

(c)     a construção de aportes teóricos para compreender os novos textos constitucionais e aperfeiçoar as novas práticas jurisprudenciais.

Observa-se, neste contexto, que o neoconstitucionalismo — em sentido fraco — parte do surgimento do Estado Constitucional, instituído pelas cartas políticas promulgadas após a Segunda Guerra Mundial; aponta para uma nova prática jurídica, voltada à concretização dos direitos fundamentais; e, por fim, exige uma Teoria do Direito com ele compatível, uma vez que o velho positivismo não seria capaz de explicar as mudanças provocadas por este novo paradigma.

E aqui, precisamente, é onde reside o problema: o neoconstitucionalismo apresenta-se como uma alternativa ao positivismo jurídico.

Todavia, segundo Ferrajoli, a expressão neoconstitucionalismo mostra-se ambígua e, além disso, equivocada, porque o termo constitucionalismo pertence ao léxico político (e não jurídico). Para o renomado jurista italiano, constitucionalismo designa uma ideologia, ligada à tradição liberal, servindo de sinônimo para Estado Liberal de Direito, em cujas raízes se encontram os ideais jusnaturalistas.

Por isto, a expressão constitucionalismo não encontra simetria com as noções de modelo de sistema jurídico e/ou de Teoria do Direito, de maneira que não pode ser contraposta ao positivismo jurídico, sobretudo quando identificado com a ideia de primado da lei.

Assim, para superar a equivocada oposição entre neoconstitucionalismo e positivismo jurídico, Ferrajoli propõe uma terminologia diversa e uma tipologia correlata, partindo da ideia de que o termo constitucionalismo jurídico equivale ao Estado Constitucional de Direito — em contraste com o constitucionalismo político, que corresponde ao Estado Legislativo de Direito — e serve, ao fim e ao cabo, para designar o constitucionalismo rígido que caracteriza as atuais democracias constitucionais.

É neste cenário, portanto, que Ferrajoli introduz aquelas que, atualmente, são as duas maneiras de se conceber este novo paradigma — constitucionalismo jurídico—, sobre cujas bases se apresentam uma gama de teorias do Direito: de um lado, o constitucionalismo argumentativo, que visa à superação do positivismo; de outro, o constitucionalismo garantista, que aposta na reformulação do positivismo.

Como se vê, a questão assume novos contornos na medida em que exige uma investigação mais aprofundada acerca do que cada concepção entende por positivismo jurídico. No entanto, esta é uma tarefa que demandaria outras colunas. Trata-se, aliás, do núcleo de um importante diálogo travado entre juristas brasileiros e o mestre florentino, que resultou na publicação do livro Garantismo, hermenêutica e (neo)constitucionalismo: um debate com Luigi Ferrajoli (veja aqui).

De qualquer modo, é importante deixar claro, ao menos por ora, que tanto o constitucionalismo argumentativo como o constitucionalismo garantista, ao menos em tese, tratam das transformações provocadas pela experiência histórica do segundo pós-guerra, marcada pelo advento das constituições rígidas, que instituem uma série de limites e de vínculos — não apenas formais, mas também substanciais — a todos os poderes públicos.

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