Direito de defesa

Advogados do mensalão cumpriram com o seu papel

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15 de janeiro de 2013, 7h10

Durante a tramitação do processo do mensalão e agora, após a sua respectiva conclusão, houve inúmeras manifestações da opinião pública sob as mais variadas perspectivas: Ministros foram exaltados, outros foram execrados; a atuação do Procurador-Geral da República foi também alvo de aplausos e comentários. Recordo que, no início do processo, os advogados protagonistas da defesa dos réus não ficaram imunes a duras críticas.

Muitos entenderam que o desempenho dos advogados não passava de mera perda de tempo e, pior, visava até a autopromoção dos próprios causídicos. Em suma, a defesa foi desprezada por expressiva parcela da opinião pública leiga.

No entanto, encerrado o processo, vale lembrar que o princípio constitucional do contraditório — e o seu desdobramento na garantia do direito de defesa — corresponde a um postulado considerado “eterno” e, mais do que qualquer outro, encarna no seio das mais diferentes culturas jurídicas, dois mil anos de história processual. Realmente, nenhuma restrição de direitos pode ser admitida sem que se propicie à pessoa acusada, qualquer que seja ela, a produção de ampla defesa (nemo inauditus damnari potest), e, conseqüentemente, esta só poderá efetivar-se em sua plenitude com o estabelecimento da participação ativa e contraditória do acusador e do acusado em todos os atos e termos do processo.

O traço distintivo que realmente conota o processo judicial é o contraditório, cujo pressuposto básico é que ele se desenvolva num plano de absoluta paridade entre as partes. Paridade tem o significado de que acusação e defesa, atuando no processo, devem dispor de oportunidades processuais preordenadas e simétricas.

Segundo escreveu Vincenzo Caianiello, presidente emérito da Corte Constitucional italiana, “na teoria do processo judicial, a paridade das armas constitui precondição do contraditório, que, por sua vez, é a essência do processo”.

Em inesquecível passagem da história política do Brasil republicano, respondendo a consulta que lhe fora formulada por Evaristo de Morais, receoso em patrocinar a defesa de um certo réu acusado de homicídio, Rui Barbosa asseverou, sem pestanejar, que, diante de uma ação penal, “a ordem legal se manifesta necessariamente por duas exigências, a acusação e a defesa, das quais a segunda, por mais execrando que seja o delito, não é menos especial à satisfação da moralidade pública do que a primeira. A defesa não quer o panegírico da culpa, ou do culpado. Sua função consiste em ser, ao lado do acusado, inocente, ou criminoso, a voz dos seus direito legais. Se a enormidade da infração reveste caracteres tais, que o sentimento geral recue horrorizado, ou se levante contra ela em violenta revolta, nem por isto essa voz deve emudecer. Voz do Direito no meio da paixão pública, tão suscetível de se demasiar, às vezes pela própria exaltação de sua nobreza, tem a missão sagrada, nesses casos, de não consentir que a indignação degenere em ferocidade e a expiação jurídica em extermínio cruel. Todos se acham sob a proteção das leis, que, para os acusados, assenta na faculdade absoluta de combaterem a acusação, articularem a defesa, e exigirem a fidelidade à ordem processual. Esta incumbência, a tradição jurídica das mais antigas civilizações a reservou sempre ao ministério do advogado. A este, pois, releva honrá-lo, não só arrebatando à perseguição os inocentes, mas reivindicando, no julgamento dos criminosos, a lealdade às garantias legais, a equidade, a imparcialidade, a humanidade. Esta segunda exigência da nossa vocação é a mais ingrata. Nem todos para ela têm a precisa coragem” (O dever do advogado, Rio, 26-10-1911).

Na verdade, por mais adversas que sejam as circunstâncias contra um réu, ao advogado sempre incumbe o dever inarredável para que seu cliente não seja condenado senão em consonância com as regras legais em vigor. O antigo e utópico desejo de Jeremy Bentham — no sentido de que, se as leis fossem bastante claras, os próprios réus bem poderiam defender seus direitos em juízo — já, em pleno século XVIII, era irrealizável. Daí a imprescindibilidade de o acusado se fazer representar por um técnico, reputado essencial à administração da Justiça, dotado de conhecimentos especializados, cuja atuação consiste, efetivamente, em uma colaboração com os órgãos do Poder Judiciário para a consecução do sublime escopo de desvendar a verdade.

Como veementizado por Mário Sérgio Duarte Garcia, as “duas qualidades essenciais do advogado são a liberdade e a independência, sendo esta pressuposto daquela. O advogado só está subordinado à sua consciência e não pode deixar de comportar-se com absoluta independência em relação ao cliente e ao juiz, perante quem postula os interesses de seu constituinte”.

A nossa Constituição Federal em vigor reitera no inciso LV do artigo 5º que: “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”.

Nas experiências jurídicas democráticas de época contemporânea não se faz possível conceber um processo unilateral, no qual atue somente a acusação, em busca da condenação dos acusados sem que a estes seja concedida oportunidade de efetiva defesa.

Assim, na Ação Penal 470, o processo do mensalão, abstração feita a aspectos ideológicos ou mesmo demagógicos, dúvida não há de que os advogados que atuaram perante o Supremo Tribunal Federal, em prol do direito dos acusados, deram consistência à garantida do devido processo legal, cumprindo fielmente, com invejável dignidade e coragem, o mandato que lhes foi outorgado por seus respectivos clientes.

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