Recurso deserto

Tribunal dos EUA condena à morte por falha processual

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12 de janeiro de 2013, 6h21

Muitas pessoas podem contribuir para um erro judicial: magistrados, advogados, promotores, testemunhas, jurados etc. Mas só uma paga pelo erro: a parte. Para isso existem tribunais de recursos e mecanismos para correção de erros judiciais. Mas o que acontece quando um tribunal superior se recusa a analisar o recurso de um condenado à pena de morte porque houve uma pequena falha no processo? Para um tribunal de recursos como o do estado de Alabama, o réu morre. E não se fala mais nisso.

A Justiça de Alabama tem idiossincrasias que preocupam a comunidade jurídica dos Estados Unidos, segundo o jornal The New York Times. Uma delas é a de não dar a atenção às decisões da Suprema Corte, e agir como se elas não existissem. Em 2010, a Suprema Corte reformou decisão de um tribunal de recursos da Flórida e, em 2011, de um tribunal de recursos do Alabama, por suas atitudes extremamente rígidas quanto a prazos em casos de pena de morte. "Parece que os tribunais de Alabama não escutam", diz o jornal.

O último caso, que está arrepiando o senso de justiça dos americanos, foi a decisão, por 2 votos a 1, de um tribunal superior do estado de não aceitar o recurso de Ronald Smith porque o advogado deixou de recolher uma taxa de US$ 154 quando deu entrada no pedido — e porque não apresentou, dentro do prazo, documentação comprobatória de que o réu era considerado "indigente" e que não tinha recursos para fazer o pagamento.

Além de se apegar rigidamente à exigência do pagamento da taxa, ignorando a orientação da Suprema Corte, o tribunal também não levou em conta os conhecidos "problemas" do advogado do réu, diz o jornal. O defensor cumpria pena, suspensa condicionalmente, por embriaguez em lugar público e era dependente de metanfetamina. Foi preso duas vezes por posse de drogas, declarou falência e tentou suicídio. À época, quando não chegava embriagado ao escritório, alguém tinha de ir buscá-lo em casa para levá-lo ao tribunal, como declarou seu assistente.

Nessas condições, o advogado dificilmente poderia proporcionar uma defesa adequada ao réu, que não tinha condições financeiras para contratar outro defensor. No entanto, ele pelo menos entrou com o pedido no tribunal de recursos para rever a condenação, diferentemente do que ocorreu em outro caso. A disputa Maples v. Thomas resultou na repreensão da Suprema Corte ao mesmo tribunal de Alabama.

Nesse caso, já noticiado pela ConJurclique aqui para ler —, uma das mais proeminentes firmas de advocacia dos EUA, a Sullivan & Cromwell, de Nova York, sequer deu entrada no pedido de recurso porque perdeu o prazo. O funcionário encarregado da correspondência engavetou as cartas enviadas pelo tribunal a dois advogados porque eles haviam se desligado da firma. Mesmo assim, os ministros da Suprema Corte concederam um novo prazo ao réu.

A juíza Rosemary Barkett, do tribunal do Alabama, disse em seu voto divergente que não vê diferenças entre os casos de Smith e Maples. "A grande questão é se é moralmente permissível culpar o réu por erro de seu advogado ou de quem quer que seja", afirmou. "Não é justo e não é equitativo permitir que um réu condenado à morte sofra as consequências de um erro de seu advogado. O réu pode ser culpado, mas tem o direito de apresentar seu caso."

Não há dúvidas razoáveis de que Smith tenha matado o funcionário de uma loja em 1994, na cidade de Huntsville, Alabama, entendeu a Justiça. Há dúvidas, porém, sobre as circunstâncias do crime. No julgamento, os jurados levaram em consideração essas dúvidas ao declarar o réu culpado, mas recomendar a pena de prisão perpétua em vez da pena de morte. Mas o juiz não aceitou a recomendação dos jurados e condenou Smith à pena de morte.

Essa é outra idiossincrasia da Justiça de Alabama, diz o New York Times. Apenas três estados dos EUA permitem a juízes se sobrepor a decisões dos jurados: Alabama, Flórida e Delaware. Na Flórida e em Delaware, entretanto, há décadas os juízes dispensam essa faculdade que lhes é atribuída por lei. No Alabama não é assim. Desde 1976, juízes já rejeitaram 110 recomendações dos jurados, segundo levantamento da Equal Justice Initiative, uma firma de advocacia sem fins lucrativos que representa réus e prisioneiros pobres. Em 100 casos, os juízes desconheceram a recomendação dos jurados e impuseram pena de morte aos réus.

Outra peculiaridade da Justiça local é não garantir representação a réus considerados "indigentes" em procedimentos pós-condenação à pena de morte. "Essa é uma característica peculiar de Alabama", disse a ministra Ruth Ginsburg na decisão do caso Maples versus Thomas. "Algumas vezes, prisioneiros sentenciados à morte não têm representação alguma no Alabama", criticou.

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