Motorista embriagado

Justiça dos EUA vai dizer se prova pode ser forçada

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11 de janeiro de 2013, 10h48

Não há consenso nos Estados Unidos sobre os meios disponíveis à Polícia e ao Judiciário para garantir a punição de motoristas embriagados que causem acidentes. O motorista pode se recusar a fazer o teste do bafômetro, mesmo que isso deponha contra ele. Em alguns estados, a Polícia pode obrigar o motorista a fazer um exame de sangue, mesmo sem ordem judicial. Em outros, não. Antes de forçar o exame, o policial é obrigado a obter um mandato judicial, a qualquer hora do dia ou da noite. Dependendo da demora, o álcool se dissipa no organismo e o exame se torna inútil. E, então, não há provas físicas para condenação.

O ideal de uma sociedade livre de motoristas embriagados — e dos graves danos que podem causar a outros — tromba com a Constituição dos EUA, de acordo com aproximadamente metade dos juízes e ministros de Supremas Cortes estaduais. Nesta quarta-feira (9/1), a Suprema Corte dos EUA decidiu que vai discutir essa questão. Até meados de junho, vai resolver o imbróglio. A questão é se o exame de sangue forçado de motoristas embriagados, exigido sem que haja uma ordem judicial, viola a Quarta Emenda da Constituição do país.

A emenda garante ao cidadão americano o direito de não ser submetido a busca e apreensão não razoável, sem mandado judicial — que deve ser emitido com base em causa provável. Os ministros da Suprema Corte devem decidir se a penetração forçada de uma agulha no corpo de um indivíduo para obter provas de sua embriaguez é uma busca e apreensão que viola esse preceito constitucional da mesma maneira que uma invasão de seu domicílio sem mandado judicial.

Na teoria, existe uma boa possibilidade de que os ministros da Suprema Corte considerem, pelo menos em maioria, a comparação válida, de acordo com os jornais Washington Post e The New York Times. Isso foi o que os ministros deram a entender na audiência inicial para decidir se aceitavam ou não avaliar o problema. O corpo de uma pessoa não é menos inviolável do que sua residência.

Na prática, se a Suprema Corte determinar que a Polícia não tem autoridade constitucional para obrigar o motorista embriagado a fazer exame de sangue, quando pará-lo na rua e ele se recusar a fazer o teste do bafômetro, a busca desse tipo de prova torna-se quase impossível. O teor de álcool no organismo do motorista pode se dissipar, antes que o policial encontre um juiz no meio da noite e comprove que há justa causa para obter uma ordem judicial para efetuar a busca e apreensão razoável de prova da embriaguez, no sangue do suspeito.

Não há a menor chance de a Suprema Corte do país agradar a todas as Supremas Cortes dos estados, que já emitiram opiniões contrárias, umas das outras. As Supremas Cortes de Wisconsin, Minnesota e Oregon já decidiram que a rápida dissipação do álcool na corrente sanguínea é uma "exigência suficiente para justificar o exame de sangue sem mandado judicial", de acordo com o jornal The Christian Science Monitor. Ao todo, 32 dos 50 estados americanos, apoiados pelo governo Obama, entendem que a medida não viola a Quarta Emenda. Mas os demais estados têm outra opinião. As Supremas Cortes de Iowa, Utah e Missouri, por exemplo, já decidiram que a história da dissipação do álcool não justifica qualquer argumento que pretenda desconsiderar um preceito constitucional.

Prova forçada
Missouri, aliás, é a origem do processo que está nas mãos dos ministros da Suprema Corte dos EUA. O processo conta a história de um fazendeiro e um policial rodoviário, que se encontraram na estrada em uma madrugada de outubro de 2010. No caso "Missouri versus McNeely", o fazendeiro Tyler McNeely, que mal conseguia manter sua camionete na estrada de tão embriagado, conhecia seus direitos. Recusou-se a fazer o teste do bafômetro e o "teste de estrada" — no qual o policial pede ao motorista para andar em linha reta e ficar em um pé só.

O patrulheiro rodoviário Mark Winder algemou o fazendeiro para levá-lo à delegacia. No caminho, preocupado com a óbvia "destruição da prova" em pouco tempo, parou em um hospital para submetê-lo a um exame de sangue. O fazendeiro se recusou a fazê-lo, mas o policial ordenou a um enfermeiro que o fizesse mesmo sem o consentimento dele — o que foi feito. O teste revelou que McNeely tinha um conteúdo de álcool no sangue de 0,154%, significativamente acima do limite legal de 0,08%.

O fazendeiro já havia sido pego duas vezes dirigindo embriagado e poderia pegar até quatro anos de prisão se condenado pela Justiça, diz o jornal. Porém, seu advogado pediu ao tribunal para excluir a prova obtida por meio do exame de sangue, porque o procedimento teria violado o direito constitucional de seu cliente de não ser submetido a buscas e apreensões sem um mandado judicial. O juiz concordou e eliminou a prova. A Suprema Corte de Missouri manteve a decisão do tribunal e o recurso chegou à Suprema Corte dos EUA.

Outra questão em discussão é o que seria exatamente uma "exigência suficiente para justificar o exame de sangue sem mandado judicial". Uma decisão de 1966 da Suprema Corte dos EUA autoriza a realização de exame de sangue sem mandado judicial em casos de acidentes provocados por motoristas embriagados. Nesses casos, existem "circunstâncias exigentes", porque o policial não pode abandonar a cena do acidente para sair em busca de um juiz, para obter a ordem judicial. "De outra maneira, o policial tem de conseguir a ordem judicial em tempo hábil", diz o advogado Steven Shapiro, da União Americana das Liberdades Civis (ACLU), encarregado da defesa de McNeely.

Aconteça o que acontecer na Suprema Corte, McNeely não ficará inteiramente impune. Curiosamente, se uma lei que autoriza a Polícia a fazer exames de sangue não consegue condenar McNeely, porque é interpretada como inconstitucional, uma simples regra pode, pelo menos, provocar uma sanção. A regra do DMV — o departamento de trânsito dos EUA — diz que se o motorista for pego dirigindo embriagado, terá sua carteira suspensa ou cancelada. Para obter a carteira, o cidadão tem de concordar expressamente com essa regra — e "assinar embaixo". Esse é o caso do fazendeiro.

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