Espetáculo da Justiça

Nada é mais dramático a um juiz do que condenar

Autor

8 de janeiro de 2013, 15h56

O país vive um clima social de tal efervescência que se tem confundido anseio de Justiça com sentimento jurídico. Parece claro e racional que não se pode exigir do cidadão mais do que a lei o exige. Afinal, não somos santos e exigir heroísmo do alheio conspira contra a nossa própria pequenez humana. Antes de elevarmos a voz para combater o cisco no olho do semelhante, que nos coloquemos a arrancar o travo que nos cega os olhos à realidade.

Todos estamos sujeitos às misérias desta vida e não é chutando cachorro morto que se vai conquistar novos paradigmas de moralidade numa sociedade inteiramente injusta e desigual como a nossa. Há ainda uma caminhada enorme a trilhar. Pelo visto, poucos se dão conta disso.

Pois é, o sentido da compaixão se perdeu nos dias atuais, embora o Direito dela se componha em seu substrato moral. Desse modo, ela comumente se vê, sem correção, confundida com tolerância com as abjeções da vida humana. Nada obstante, viemos do pó e ao pó retornaremos! Nada pode ser mais dramático a um magistrado de formação genuína do que condenar o seu semelhante. Só os sádicos sentem satisfação em fazê-lo.

É dever que não nos deve causar felicidade, senão unicamente a consciência de um compromisso assumido publicamente e é por isso que esse compromisso tem de ser referenciado e expresso em leis, jamais na vontade subjetiva dos agentes que decidem ou nos anseios de momento da opinião pública, ou ainda nas expectativas de governantes e poderosos de outros matizes. Pela mesma razão, menos ainda se deve escarnecer dos infelicitados, dos pilhados, dos réus de todo o gênero.

Todos eles devem ser tratados com respeito, pois respondem por uma dignidade igual a de todos nós e mesmo à de seus julgadores. Todos eles sabem que devem à sociedade, mas não aceitam ser novamente objetos de algum protagonismo de ocasião que busca holofotes, prestígio, poder e popularidade. O verdadeiro herói não é aquele que vocifera oportunisticamente, profere lances retóricos que enxotam a lhaneza no trato, atropelam os ritos e atraem as atenções para uma ribalta imaginária, senão aquele que é capaz de manter sua coerência a vida inteira, sob qualquer circunstância e de modo algum pretextar sua obra senão unicamente na lei que rege a todos, e a eles também.

É inconcebível que, após uma condenação severa, um magistrado vá dançar numa festa, por exemplo, como se nada tivesse acontecido de trágico e como se ele mesmo não fosse elemento constitutivo e circunstancial dessa mesma tragédia que, embora individualmente necessária, nos termos do que ficou apurado no devido processo legal, só pode ser entendida como compensatória da ordem social conspurcada por alguma ação indevida, também em face da lei. Um juiz piedoso e cônscio da gravidade de suas responsabilidades, ao ensejo de uma decisão do tipo, e sem deixar de ser íntegro, rezaria pelo condenado que passou pelo seu tirocínio impessoal e tecnicamente abalizado.

Afinal, governantes e governados são igualmente, insisto, corporeidade humana. Ninguém condena o semelhante sem que se condene um pouco a si mesmo de algum modo. Essa é uma reflexão que todo magistrado de formação genuína de um modo ou de outro se permite fazer. Os que já não o fazem, são arremedos apenas, estão longe da excelência de seus próprios veredictos.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!