conceito moral

Ressocialização é ato de vontade do cidadão

Autor

  • Andre Luis Alves de Melo

    é promotor em Minas Gerais doutor em Direito Constitucional pela PUC-SP mestre em Direito pela Unifran e associado do Movimento do Ministério Público Democrático.

1 de janeiro de 2013, 13h10

A ressocialização de presos é tratada como um princípio do Direito Penal no Brasil. Na prática é fruto mais de um conceito de “politicamente correto” do que uma pesquisa empírica. Na maioria dos países a ressocialização não é um objetivo do Direito Penal, o qual tem como objetivo principal punir para evitar novos delitos, e cita-se como exemplo os Estados Unidos. Por outro lado, a Constituição Italiana prevê que a ressocialização é um dever do sistema prisional.

As pessoas confundem “humanização” com “ressocialização”. Ou seja, nos Estados Unidos os presídios são bem melhores que os brasileiros, pois visam o cumprimento da pena respeitando os direitos humanos dos presos ao menos no aspecto de estrutura física. No entanto, são extremamente rigorosos no cumprimento da pena com punições administrativas que não são computadas no quantum da pena.

No Brasil não há uma norma prevendo expressamente este objetivo de ressocialização, o qual é difundido de forma tão opressiva que muitos chegam a acreditar que a função do Direito Penal é como a de um mosteiro, que é formar monges após a ressocialização.

Em suma, pela lógica atual qualquer autor de conduta “antissocial” deveria ser processado para ser “ressocializado” independente de ser crime.

No entanto, esquecem-se que a ressocialização é como deixar de fumar, beber, usar drogas, ou seja, depende 99% da vontade do sujeito e apenas 1% do apoio estatal, da família ou da sociedade.

Quanto mais a ideologia dominante tenta focar o Direito Penal na ressocialização, mais a criminalidade aumenta, ou seja, tem um efeito reverso. A punição não precisa ser desumana, mas o que evita crime é a possibilidade real de punição, somada ao controle social. O problema é que temos criminosos eventuais e criminosos habituais, o que será abordado oportunamente, mas a ideologia dominante trata os tipos da mesma forma.

Noutro sentido é possível sustentar para a ideologia dominante, para a qual a ressocialização é um objetivo do direito de punir do Estado, que então todas as pessoas que cometem ato imoral ou ilícito deveriam ser processadas e presas para serem “ressocializadas”. E mais, a pena não seria finalizada enquanto não se tivesse certeza de que estão ressocializadas (boa parte ficaria presa eternamente).

Em razão deste objetivo místico de ressocializar presos fica a incógnita de como ressocializar quem cumpre pena alternativa (sem prisão). Afinal, por qual motivo retirar pessoas do convívio social para depois fazer “reinserção social”, outra expressão muito usada também.

Para esta visão absoluta de ressocialização são concedidas benesses aos presos como indulto (perdão da pena), saídas temporárias (35 dias por ano), direito de visitas como se fosse um pequenique prisional com crianças e familiares passeando pelos presídios, enquanto outros conseguem direito de terem relações sexuais nas celas motel, além de muitos outros, mas mesmo assim a população carcerária continua a aumentar.

Um dos motivos para o aumento da quantidade de presos são os pequenos delitos cometidos por usuários de drogas, mas o grupo que comanda a política prisional ainda acredita que ensinar artesanato para preso é mais útil e eficaz do que implantar políticas de atendimento ao usuário de drogas nos presídios, embora haja pesquisas nos Estados Unidos que comprovam resultados para tratamento dependentes químicos nos presídios.

A ideologia dominante usa os meios estatais de comunicação social do governo para divulgarem que prisão gera mais reincidência, mas não mostram os dados e nem a forma de apuração dos mesmos. Difícil imaginar como fazem isto se nem há um banco de dados integrado.

Ademais, nem todo criminoso é flagrado ou tem a sua autoria descoberta.

A rigor, infratores que cometem crimes que geram prisão são mais perigosos, bem como habituais no crime, e criminosos que cometem crimes que implicam em penas alternativas são criminosos, em tese, menos perigosos e eventuais. Logo, é natural que punidos com pena alternativa gerem menos reincidência. Em suma, a ideologia dominante confunde causa com conseqüência. As pessoas não cometem mais crimes porque são presas, mas sim são presas porque cometem crimes mais perigosos, logo a reincidência é causa e não conseqüência, ao contrário do que sustenta a ideologia dominante.

Na lógica atual a função do Direito Penal deixou de ser punir e passou a ser ressocializar. Isso banaliza o Direito Penal, descaracteriza sua autoridade moral, amplia excessivamente o leque de crimes, transforma criminosos em falsas vítimas da sociedade e paradoxalmente aumenta o número de presos.

De fato há mais presos pobres, mas isso decorre de dois fatores: o primeiro é que temos em qualquer país do mundo mais pobres do que ricos. Outro fator é que pobres tendem a cometer crimes menos elaborados como furtos e são presos mais facilmente. Enquanto ricos cometem crimes mais elaborados como golpes, desvios pela internet e no Brasil temos uma investigação precária que não consegue apurar esses crimes mais complexos. Logo, tanto ricos como pobres cometem crimes, porém é mais fácil provar furtos do que golpes, então a PM prende mais em flagrante de furto (crime menos complexo).

As pessoas cometem crime porque querem, e não por uma imposição da sociedade, como sustenta a teoria da “defesa social”. Isso não significa que o cumprimento da pena não deva obedecer aos princípios da humanização. No entanto, não faz sentido que criminosos perigosos sejam considerados vítimas com benesses enquanto a sociedade fica refém de seus ataques.

Kant já afirmava que a função do Direito Penal é punir. Mas, atualmente sustentar isso não é considerado politicamente correto em razão do dogma da ressocialização.

O CNJ resolveu aderir a esse movimento de ressocialização do criminoso, mas então deveria também fazer um projeto de ressocialização ou inserção social em relação à vítima, pois normalmente o tempo de prisão do criminoso é bem menor que o tempo que dura a síndrome de pânico da vítima, conforme já comprovado por pesquisas de psicologia.

Não tem como o Estado impor a ressocialização aos presos, pois muitos não querem. Outros não precisam ser ressocializados porque são criminosos eventuais, como um homicida em razão de uma discussão.

A ressocialização deve ser considerada como a necessidade de o cidadão cumprir os seus deveres e direitos. No entanto, na execução penal é comum que presos aprendam que têm apenas direitos e nunca deveres, principalmente pela benevolência dos tribunais.

Não é ensinando os presos a fazerem artesanato, nem ensinando a trabalhar na construção civil que serão ressocializados, pois Direito Penal não é direito de qualificação profissional. Essas atividades têm sua finalidade nobre e romântica, mas não diminuirão a criminalidade. Afinal, o que diminui criminalidade é punição e se o Direito Penal perde o controle social de punição, então a reincidência aumenta.

Lado outro, com o tempo as pessoas tendem a cometer crimes mais elaborados ou diminuem os crimes assim que diminui a dopamina (hormônio do risco e do prazer). Portanto, com a idade é natural que o cidadão deixe de cometer crimes e não por causa de eventual política assistencialista prisional. Em suma, depois dos 40 anos é natural que o criminoso deixe de cometer crimes com maiores riscos, exceto se for psicopata ou um golpista inveterado.

Simplesmente ser aprovado em Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) também não é ressocialização, nem sinal de que não vai cometer crime, pois se fosse assim não existiriam médicos, advogados, promotores, juízes, delegados, fiscais, empresários e até banqueiros cometendo crime.

Direito Penal não é terapia coletiva para criminoso. Caso contrário, perde-se o controle social e acaba estimulando a criminalidade pela sensação de impunidade social, o que é mais grave que a impunidade jurídica.

Dizer que a pobreza, por si só, gera crime, é o mesmo que dizer que pobre é bandido e rico não comete crimes!

Outro aspecto importante é que estudos da psiquiatria confirmam que entre 3 a 5% da população é psicopata.

Mas, o que é um psicopata ? Este é uma pessoa que não sente remorso (não é necessariamente violento, como se imagina na crença popular). O cérebro do psicopata não consegue sentir remorso, embora possa fingir. Nem todo psicopata comete crimes, mas todos dão problemas e manipulam as pessoas. É fácil identificar um psicopata através do Exame de Ressonância Magnética (scanner cerebral), pois a zona do remorso não manifesta no exame. Psicopatia não tem cura, logo não tem “ressocialização”.

Temos psicopatas muito inteligentes e pouco inteligentes, bem como psicopatas dissimulados, calmos e psicopatas violentos. Uma pesquisa da Psiquiatria da USP constatou que nos presídios a quantidade de psicopatas é de 30%, ou seja, de seis a dez vezes mais que na população solta.

Há ainda o fato de pesquisa genética constatou que homens com os genes XXY (uma deformação genética) tendem a ser mais violentos que homens com cromossomos XY. E não adianta fazer tricô no presídio, pois não vão ficar mais calmos, mas apenas dissimulados. O que pode controlá-los é a certeza de uma punição rápida.

Também é comprovado que pessoas com danos neurológicos no lobo frontal decorrentes de acidentes, por exemplo, podem ficar violentas e sem autocontrole. Essas ocorrências foram detectadas notadamente quando há lesões no córtex pré-frontal direito.

Além disso, na Universidade de Cingapura identificaram o gene DRD4 como um fator que define o autocontrole social. A questão é que sem auto controle social as pessoas tendem a descumprir as regras impostas, o que inclui cometer crimes, e isso é potencializado pela impunidade.

Afinal, sabendo que serão multados quantos pobres ou ricos avançam o sinal? Ou seja, o autocontrole social, o controle social e a certeza da punição funcionam como prevenção aos delitos. Mas, se estes fatores falham ao colocar o “errado” como “regra”, então gera o colapso no sistema penal e prisional. Se perdermos o controle social (vergonha) de andarmos nus, não há sistema judicial ou policial que seja suficiente. As pessoas perderam a vergonha de serem criminosos, muitos até sentem orgulho e outros sentem-se beneficiados por serem equivocadamente tratados como vítimas da sociedade.

Sem dúvida alguns ressocializarão, porém muito mais pela assistência religiosa ou pela vontade própria do apenado, do que pelos demais serviços sustentados pelos adeptos da ideologia da ressocialização.

No entanto, se prevalecer o mito da ressocialização, precisamos mudar toda a lógica do Direito Penal, inclusive seria necessário acabar com a prescrição, pois “ressocializar” não pode prescrever.

Para a ideologia dominante o Direito Penal seria uma espécie de Direito de Assistência Social, o que é uma inversão total. Tem ocorrido de pessoas com problemas mentais que não conseguem atendimento na área de saúde serem induzidas a cometer delitos para obter internação nos presídios ou manicômios judiciários.

Por fim, a ressocialização é importante, mas é um ato de vontade do cidadão, apenas quem quer e decide ser ressocializado é que pode ressocializar-se. Isso não tem como ser imposto pelo Estado, pois não são apenas presos que deveriam ser ressocializados, afinal, a ressocialização não é uma função exclusiva do Direito Penal, mas de qualquer ramo do Direito e até da moral se cometer ato antissocial.

Dessa forma pode-se afirmar que a ressocialização é um conceito mais moral do que jurídico, não se confundindo humanização com ressocialização, pois conceitos diversos, como se vê nos Estados Unidos.

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