Só mesmo no Brasil

Temos de mudar antes de pensar em endurecimento penal

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28 de fevereiro de 2013, 12h25

Muitos têm dito por aí que só mesmo no Brasil alguém é condenado pela morte do pai e da madrasta, por um júri, e sai pela porta da frente. Que só mesmo no Brasil esse alguém terá cumprido lapso suficiente para requerer sua progressão ao regime semiaberto (que não é nenhuma maravilha) após cumprir apenas um sexto de sua pena.

Ocorre que, só mesmo no Brasil, a banda podre da polícia coloca fogo em uma prova para proteger sua versão. E é essa mesma banda podre quem investiga. No caso de Gil Rugai, há fundada suspeita de uma viatura do Departamento de Homicídios e Proteção a Pessoa (DHPP) ter incendiado prova essencial para a defesa. Quem investigou o incêndio? O próprio DHPP.

Só mesmo no Brasil se grita durante nove anos, a plenos pulmões, que o pé que teria arrombado a porta da cena do crime seria de Gil Rugai, apenas para se esclarecer, em plenário, que o Instituto de Criminalística entendeu que o pé direito de Gil era compatível com um sapato de pé esquerdo. Encaixaram o pé direito no sapato esquerdo. Só mesmo no Brasil temos uma perícia tupiniquim, travestida de CSI.

Só mesmo no Brasil, encontra-se a arma do crime e não se pericia o local. E sequer se chama para ser ouvida, perante um juiz, a pessoa que encontrou a arma e, sobre o encontro, deu duas versões diferentes, ambas implausíveis. Primeiro se diz que um carroceiro teria entrado em um prédio dos Jardins, a pedido do zelador que pagaria o carroceiro com seu parco salário, e encontrado a arma no poço de esgoto. Após a defesa comprovar que o poço havia sido limpo enquanto Gil ainda estava preso, e que portanto a arma teria que ter sido ali colocada durante o período da prisão, o zelador volta a polícia para dizer que havia se enganado, que o tal carroceiro (desaparecido, lógico) teria encontrado a arma no poço de águas pluviais, que nunca havia sido limpo. O zelador? Também está desaparecido.

Só mesmo no Brasil não se assume mais de uma linha de investigação. Nas palavras do próprio delegado do caso, ele sempre teve a “certeza” de que Gil Rugai era culpado e, por isso, sequer investigou outras pessoas. Só mesmo no Brasil duas pessoas têm as chaves do imóvel em que se passa um bárbaro duplo homicídio, e apenas uma delas é investigada. A outra pessoa, que também tinha motivos e meios para matar? Nunca é tida como suspeita.

Só mesmo no Brasil, Polícia e Ministério Público têm a pachorra de sustentar, formalmente, uma acusação de desvio de dinheiro, sem nunca realizar qualquer laudo contábil que comprovasse o alegado. E pior, sem nunca sequer recolher os livros contábeis da empresa que se diz fraudada. Só mesmo no Brasil, após o contador da própria empresa (e não do réu) ter afirmado não ter havido fraude, o Ministério Público e a Polícia continuam bradando sobre a ocorrência do desvio de dinheiro

Só mesmo no Brasil, um promotor de justiça discursa uma hora e meia sobre a personalidade “borderline” do investigado, sem nunca ter pedido a realização de nenhum exame psicológico. E sem falar absolutamente nada das provas que o incriminariam. Para o promotor, o passado é que condena. Só mesmo no Brasil, mesmo após se provar, por contas telefônicas, que Gil Rugai não estava na cena do crime na hora do crime, há quem acredite em sua culpa. Afinal, “tem cara de louco”.

Só mesmo no Brasil se permite aos promotores de acusação (que ali, de longe, não promoveram justiça) que se abracem e dancem ao final de um julgamento, na frente dos familiares do acusado, como se houvesse algo a se comemorar. E só mesmo no Brasil, esses mesmos promotores de acusação vão à imprensa lançar duras e injustas críticas ao juiz que presidia o júri.

No final das contas, ainda bem que no Brasil as penas são baixas e que se pode rapidamente progredir. Afinal, Gil Rugai não foi o primeiro inocente condenado e, certamente, não será o último. Temos muito a mudar antes de começarmos a pensar em um endurecimento penal.

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