Conflito com MP

Defensoria é legítima para atuar em demanda coletiva

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28 de fevereiro de 2013, 17h01

Parte da motivação deste artigo não é criação minha: é do doutor e pós doutor Lenio Streck. Convenhamos, não tem um papel estético. Mas sim um papel de esclarecimento do que foi compilado pelo experiente professor, com quem tive a oportunidade de aprender, mesmo que à distancia, nos tempos acadêmicos.

Há muito tempo não rememorava alguns ensinamentos que pude aprender com o artigo Hipossuficiência e TV a cabo, fatos ou interpretação? publicado na ConJur pelo conhecido jurista. Detalhes de conceitos de notáveis e históricos estudiosos, dados do youtube, lições de hermenêutica, enfim, “coisas” que neste escrito não iremos abordar. Seremos práticos.

Neste toar, aqui, iremos falar de fatos, de tudo. Aliás de tudo que conhecemos a fundo. De fatos verdadeiros. De atos e práticas conhecidas. Mas não conhecidas superficialmente, sob pena de ofensa à ordem e ao respeito a pessoas e instituições. Mas não iremos florear para apenas indiretamente demonstrar nossa posição. Iremos deixar nossa posição diretamente. Sem receios de ordem política.

Digo de boca cheia: Há verdades e ilações. Aqui falaremos da verdade.

Sinceramente, não conheço profundamente a atuação da nobre e combativa Defensoria Pública Matogrossense. Não conheço por exemplo o caso do ajuizamento da Ação Civil Pública versando sobre questões relativas a TV a cabo. Mas percebi que apesar de não ir diretamente ao ponto, mas por estar no titulo de sua compilação, era esse um dos focos críticos generalizados, da opinião do professor Lenio Streck à Defensoria Pública no sentido geral.

Como não conheço, não vou utilizar a expressão “segundo consta” apenas para não contrariar a ordem e os bons costumes. É bem verdade que em um Estado, temos muito a desvendar e a trabalhar na via da tutela dos direitos metaindividuais, sobretudo em questões de magnitude impar como o são as questões da saúde, moradia, enfim. Entretanto, não conhecendo a realidade e as circunstancias do atuar coletivo em determinado objeto de lide coletiva de outro estado da federação, mas conhecendo a lei, notadamente a Lei 7.347/1985 e a Lei Complementar 80/1994 e seu artigo 4º, posso afirmar que a Defensoria Pública está sim autorizada a labutar na seara coletiva quando o objeto da demanda puder beneficiar grupo de pessoas hipossuficientes. Enfim. Alguns como a professora Ada Pellegrini, o STF e o STJ já se posicionaram neste sentido.

Citações a partir de noticias e sem conhecer o contexto real da demanda nos parece prematuro para quem labuta a tanto tempo na seara do Direito. É por isso que, ao mesmo tempo em que tenho admirado a atuação do Ministério Público Tocantinense, não posso imputar ao Ministério Público gaúcho a desgraça (jurídica e humana) comprovada e mantida durante anos no presídio central de Porto Alegre. Muito antes de a Defensoria Pública estar legalmente reconhecida como órgão de execução penal e legitimada a propositura de quaisquer medidas, coletivas ou não, na vala carcerária. Mas uma coisa é bem verdade e consta, entre outros veículos de comunicação, do site da Adpergs (www.adpergs.org.br). A representação formulada à Organização dos Estados Americanos (OEA) postulando solução pelas péssimas condições do Presídio Central de Porto Alegre (legitima atuação de Defensores Públicos — artigo 4º, inciso VI da LC 80/1994 — representar aos sistemas internacionais de proteção dos direitos humanos, postulando perante seus órgãos — conjuntamente com outras entidades).

Talvez porque apenas pobres se mantêm encarcerados no Brasil. E não poderia deixar de mencionar. Por que os dados do Ministério da Justiça apontam que a maioria de nossos presos são negros, pobres, de tenra idade? Porque as investigações realizadas também pelo Ministério Público apenas encareceram os de baixa renda. E onde estão os ricos que violam diariamente a lei penal? Eis a hipossuficiência.

Por óbvio, se voltarmos e relembrarmos a história das Instituições, não encontraremos nenhuma que tenha nascido da pobreza e para a pobreza senão a Defensoria Pública. Os Poderes constituídos já sabemos de onde vieram; o Ministério Público tem origens como “Procuradores do Rei”, ligados ao Poder Executivo. Este (executivo) por sinal, em raríssimas exceções, se preocuparam com a pobreza, com a linha abaixo da miséria (que hoje em nosso estado são mais de 100 mil, conforme recente pesquisa), com a distribuição de renda, com a reforma agrária (entregam terras aos ricos e expulsam os pobres), com a moradia digna, enfim. In claris cessat interpretatio.

Será que nas questões coletivas o acesso à Justiça não deve ter uma visão ampla, sem vaidades? Foi a Lei 7.347/1985 que assim o fez, antes mesmo de legitimar a Defensoria Pública expressamente. A legitimidade sempre foi concorrente e disjuntiva. E continua a ser.

Será mesmo que o etado não precisa de duas ou mais instituições para um forte agir coletivo? Temos certeza que precisa. Em todos os estados brasileiros as mazelas relacionadas à saúde, à segurança, à moradia, consumo não acabam nem diminuem. No Tocantins, por exemplo, temos uma união e uma força tarefa com procedimento conjunto entre Ministérios Públicos e Defensorias Públicas, Estadual e Federal e mesmo assim é difícil vencer as mazelas empregadas pelos violadores contumazes dos direitos fundamentais (já conhecidos de todos). A atuação coletiva é notória e repleta, mas mesmo assim passamos o ano trabalhando e quando chegamos ao final a desigualdade e o descaso com o ser humano continuam extraindo nossas noites de sono.

Mas prossigamos. Se a Constituição determinou que a Defensoria Pública assista (defesa) os necessitados, por que deixar de fazê-lo se o efeito de sua atuação beneficia, além dos necessitados, outros que não comprovam tal condição? Se o professor afirmar que deve a Defensoria descumprir a Constituição e as leis e deixar de fazê-lo, estará não apenas negando vigência ao ordenamento jurídico, mas também restringindo o acesso à Justiça aos necessitados ou negando igualdade aos não necessitados que, em tese, em muitos casos, têm o mesmo direito material objeto de determinada lide coletiva, que têm os hipossuficientes (necessitados). É uma questão de bom senso.

Vamos a um caso prático de moradia ocorrido no Tocantins. Algumas famílias de baixíssima renda, por desídia da administração no que tange às normas urbanísticas de escoamento de águas, tiveram suas casas alagadas por falta de “obras”. A Defensoria Pública, legitimada que é, postula em Ação Civil Pública e obtém a liminar para obter aluguel social e determinação ao Município que realize as obras visando por fim aos alagamentos. Um bairro localizado logo abaixo, formado em sua maioria por pessoas de classe média-alta, com certeza se beneficiará da tutela obtida, já que com o curso da água, esses também sofriam com o alagamento. Quer dizer que a Defensoria Pública não poderia postular? Ou, se seguir os ensinamentos do professor Lenio Streck, o magistrado deveria impedir que a obra também favorecesse os ricos? Ah. Os ricos, como não são hipossuficientes e necessitados, não têm direito de aproveitar a tutela obtida e viver com tranqüilidade, sem alagamentos. É isso? Deveriam, então, os ricos, buscar a tutela no Ministério Público. É isso? É essa a hermenêutica? E pobre não tem direito à TV à cabo. É isso?

Sou favorável à atuação coletiva da Defensoria Pública em casos ligados essencialmente a pessoas hipossuficientes, mas na dicção da lei (grupo de hipossuficientes) e com razoabilidade.

Por que a visão restritiva do acesso à Justiça? Será que se esqueceram das lições de Mauro Capelletti? Por que restringir a apenas o Ministério Público? Notável Instituição que após 20 anos de existência da Lei da Ação Civil Pública, estava praticamente sozinho e sem dar conta de toda a demanda coletiva que lhe aportava, uma vez que, na maioria das vezes, tratam de objetos por demais complexos e excessivos e que causam transtornos ao ser humano. Isso é verdade. Nem 10 Ministérios Públicos unidos a 20 Defensorias Públicas e 100 Poder Judiciários (todos bem estruturados) esgotariam os problemas sociais e coletivos que temos no Brasil, notadamente os que envolvem diretamente o ser humano e sua vida digna. E a idéia é restringir o acesso à tutela coletiva em nome de vaidades?

Prosseguindo, nos soa desarrazoada e estranha a citação de expediente que tramita no Conselho Nacional do Ministério Público sobre atuação da Defensoria Pública. Esqueceram da autonomia administrativa constitucionalmente entregue às Defensorias Públicas? E desde quando o CNMP tem atribuição para imiscuir-se em atribuição de Defensores Públicos? E desde quando o papel carreado pela Lei ao Defensor Público, inclusive sendo funções institucionais da Defensoria Pública (artigo 4º da LC 80/94), é exclusivo do MP ao ponto de autorizar um Conselheiro afirmar que existem membros da Defensoria Pública desempenhando papel do MP? A lei (legalidade) é que regulamenta o papel e as funções de cada Instituição. A verdade é: Se a Defensoria Pública, mesmo com a legitimidade coletiva acentuada em Lei, não promovesse esse dever, certamente alguns (apenas alguns) membros do MP tenderiam a “improbitar” o Defensor Público por omissão ou mesmo denunciá-lo por prevaricação. Imaginaram, senhores leitores? E o famoso e conhecido engavetamento nos escaninhos? Como ficaria?

Sem maior juízo de valor, alguma coisa está acontecendo e, penso eu, estar completamente equivocado. Aqui um ponto de importância impar. O professor Lenio Streck descobre que no Tocantins a Defensoria inventou a “Notificação para desocupação” (confesso que não conheço o caso citado pois não labuto da seara da Maria da Penha).

Sem buscar o conceito exato de defesa, o professor se perde nos comentários e afirma que o marido (pobre) acusado por delito da Maria da Penha (Maria da Penha não tipifica delito) foi notificado para se retirar da casa e depois será defendido pela mesma Defensoria. E continua se perdendo, talvez por não observar a ordem e os bons costumes, por não conhecer a Defensoria Pública Tocantinense ou por se esquecer que a ampla defesa ou plena defesa comporta atitudes preventivas ou estratégicas, que contribuem e atendem à desjudicialização, além de que, só quem sabe o que é defesa (e não ataque), pensaria em assim agir.

Às vezes, em determinados casos, seria muito mais prudente para o agressor (assistido) ou mesmo para a ofendida (ou para a família) que aquele se retire voluntariamente (após alertado por alguém) antes que venha o “ataque” e postule o encarceramento forçado sem ao menos ouvir e conhecer o caso, sem extrair do contexto familiar as reais angustias de seus integrantes. Talvez o professor emitiu opinião a partir de boatos e comentários, desrespeitando uma sólida Instituição e seus membros, e por óbvio, sem conhecer os meandros de determinadas atitudes tipicamente preventivas de defesa não só do possível agressor, mas sobretudo da família.

Para enterrar de uma vez por todas as importantes regras de hermenêutica, preocupa-se o professor gaúcho com o fato de que a Defensoria Pública esteja nos dois pólos da relação jurídica. Daí, devo enfatizar, que o mesmo artigo 134 da CF deu a todos os necessitados o Direito Magno de acesso à Justiça e de assistência jurídica gratuita. Talvez isso não seja comum no dia a dia de um procurador de Justiça, mas o é na vida de um defensor público ou de um promotor de Justiça que atua na Vara de Família ou na Vara Criminal. Muitas vezes temos um defensor público atuando na defesa de uma parte e outro defensor público atuando na defesa da parte adversa. Os institutos da hermenêutica, da necessidade (hipossuficiência) e da Defesa explicam bem esse desenho real. A Defensoria Pública não existe apenas para alguns e dentro da nossa instituição admitimos pensamentos e atuações opostas. Não achamos que somos os donos da verdade.

Todos temos interesse. A coletividade, notadamente os de baixa renda, tem interesse em ampliar a defesa coletiva dos Direitos. Vamos sentar em torno de uma mesa e vamos fazer juntos ou separados cada um o seu papel, de modo a respeitar a atuação pré estabelecida do legitimado concorrente. Se não for possível seguir uma mesma linha de pensamento, contrariemos, na via da Ação Coletiva Passiva, o pleito do outro legitimado. Afinal nem sempre detrminado legitimado tem razão. O problema é que alguns membros legitimados acham que a petição é uma ordem e que seu Poder está acima do Poder de decisão (que pelo que sei, somente é atribuído aos juízes). Isso por vezes acontece, notadamente quando em determinado ato ou ação praticada por um antigo legitimado, busca-se a segurança e olvida-se da igualdade (verdade); busca-se a tutela do Meio Ambiente e olvida-se do Direito à Moradia ou do Direito à Terra, etc.

O Tocantins, especificamente, tem evoluído muito neste aspecto. As instituições (MPF, MPE, DPE e DPU) estão trabalhando juntas (na medida do possível) e se respeitando demais. O fim das rusgas desnecessárias é uma questão de tempo se for em beneficio da comunidade assistida. O fortalecimento das instituições de Justiça é de suma importância. A atuação firme e quando possível, conjunta, faz fortalecer ainda mais a busca pela implementação de Direitos Fundamentais, tão relegados durante anos. O mundo não precisa de separação de funções como propõe o professor Lenio Streck dizendo que precisamos definir quem faz o que. O Mundo precisa de instituições e pessoas comprometidas. Para atingirmos o bem comum (questão de fundo na maioria das Ações Coletivas), o mundo precisa de união, sensibilidade, humildade, respeito, e solidariedade.

Se assim seguirmos, seremos mais democráticos, ampliando as discussões e o acesso à justiça (de forma coletiva ou individual — ou o MP não atua em pontuais questões individuais?) da forma como nos ensinou o precursor da tutela coletiva brasileira, o italiano Mauro Cappelletti seguido de Ada Pellegrini Grinover. Vamos trabalhar. Deixemos as “tertúlias flácidas para acalantar bovinos” de lado ou para trás.

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