Peticionamento eletrônico

A prática da advocacia e o cachimbo que entorta a boca

Autor

  • Alan Trajano

    é advogado especialista em Direito Público processo legislativo administração políticas públicas e gestão governamental. Sócio do escritório Trajano Advogados Associados.

26 de fevereiro de 2013, 8h06

A prática da advocacia, considerada essencial à realização da justiça, demanda método e mais eficiente será quanto mais estiver em sintonia com o objetivo pretendido. Para tanto, deve-se atentar para uma visão estratégica da intervenção.

Típico da atividade humana, é muito comum que práticas sejam incorporadas ao atuar do advogado de forma automática, irrefletida e, portanto, desprovida de objetivo racional, como se faz na condução de veículos automotores ao trocar de marcha ou acionar a seta sinalizadora ao dobrar uma esquina.

Estas práticas irrefletidas não raro podem comprometer o sentido da atuação jurídica na medida em que os métodos se desconectam do objetivo final de assegurar que a tese defendida seja reconhecida e os pedidos providos pelo julgador. É possível destacar ao menos dois aspectos que demonstram esta afirmação.

As petições longas e repetitivas em seus conteúdos é uma destas práxis. Recentemente o TRT da 10ª Região protagonizou contenda ao deixar de receber uma petição que extrapolava o limite de páginas fixado pelo Tribunal. O objetivo explícito seria a economia de papel. Como houve desistência do recurso, a limitação imposta não foi objeto de contestação. Convenhamos que uma decisão como esta certamente seria revista nas instâncias superiores, dado que é um claro cerceamento de defesa. Entretanto é válido considerar que o próprio conflito obscurece desnecessariamente o objeto pretendido com a petição, se realmente não fosse necessário extrapolar o número recomendado de páginas.

A origem desta prática poderá estar associada ao fato de que na elaboração das peças a omissão de qualquer fato ou contestação dos mesmos são tidos, a princípio, como aceitos ou verdadeiros. Assim, pareceria melhor pecar pelo excesso do que ter de arcar com a possibilidade de algum conteúdo ser tratado de forma incompleta e implicar em indesejada confissão tácita.

Some-se a isto a tentação de promover transcrições de doutrinas ou citações jurisprudenciais em profusão na esperança de que possa implicar em maiores chances de convencimento do juízo.

Uma petição que extrapole o limite do razoável certamente se tornará maçante ao leitor e, ao menos subjetivamente, tenderá a indispor o julgador como a qualquer outro leitor que seja obrigado a ler a peça. Desta forma, certamente é mais conveniente que revisemos as petições para ter certeza de que os conteúdos apresentados não tornem a leitura da peça uma “tortura” e de que as ideias, forças que fundamentam o direito pretendido, não se percam no emaranhado argumentativo. É possível afirmar, pois, que este cuidado aproximaria a prática profissional dos objetivos que se desejam alcançar com o ato processual.

Outro aspecto relevante a ser considerado é a distinção na prática entre o processo judicial e o administrativo.

No primeiro, o juiz é um terceiro que arbitrará conflito entre as partes baseado no ordenamento jurídico e nas técnicas de julgamento e será, presumivelmente, um ser neutro no conflito. O advogado ao se dirigir ao judiciário defende a tese contra o seu opositor ou contendor. A “belicosidade”, prática comum, embora deselegante e não desejável nestes casos, pode ter um efeito indiferente em relação à posição do julgador.

Entretanto, no processo administrativo na maioria das vezes a contenda é contra o Estado, representada na pessoa do seu agente, o servidor público que muitas vezes é o próprio responsável pelo ato contestado e que arcará com a decisão adotada no âmbito interno e em relação aos órgãos de controle. Tenderá, portanto, a ser conservador em relação ao que está por ser decidido.

A prática belicosa, aqui tida como agressividade desproporcional, portanto, será dirigida não à parte contendora como no processo judicial, mas contra o próprio servidor público que julgará o dissídio. Não parece razoável desconsiderar este fato. Basta nos colocarmos no lugar do referido servidor e imaginar como provavelmente reagiríamos.

Por outro lado, a pessoa física ou jurídica, representada pelo advogado, já conta com a desvantagem de que a norma será interpretada pelo servidor público que é parte na contenda, já que de forma indireta representa o estado. Assim, salvo naqueles casos em que a norma está sendo interpretada de forma grosseiramente contrária ao sentido originário, não bastaria demonstrar o direito fundamentado nos dispositivos legais e regulamentares, já que este conjunto normativo pode ser interpretado de forma diversa, do contrário não haveria contenda.

A práxis neste caso recomenda que os fundamentos de interesse público possam se harmonizar com os interesses do cidadão que se busca proteger. Elencar precedentes, argumentar utilizando os valores e a própria linguagem que orienta a política pública em que o conflito se circunscreve aumenta sensivelmente as possibilidades de sucesso do pleito no âmbito administrativo.

Conclui-se, portanto, que o advogado não pode ser uma “máquina” de reproduzir petições. O processo tem um começo, meio e fins previsíveis. Refletir sobre este caminho e os meios a serem adotados pode fazer toda a diferença. Além de manter a boca incólume contra o uso do cachimbo, o cliente e a dignidade da advocacia agradecem.

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    é advogado, especialista em Direito Público, processo legislativo, administração, políticas públicas e gestão governamental. Sócio do escritório Trajano Advogados Associados.

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