Novo CPC

Alteração nos infringentes traz mais danos que vantagens

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25 de fevereiro de 2013, 15h53

O recurso de embargos infringentes tem sido objeto de intensos debates no Congresso, que aprecia projeto de novo Código de Processo Civil (CPC), como sabem todos os que militam na seara do Direito. No anteprojeto original, da Comissão de Juristas, havia simplesmente a supressão dessa figura recursal. E a explicação era a seguinte:

“Uma das grandes alterações havidas no sistema recursal foi a supressão dos embargos infringentes[1]. Há muito, doutrina da melhor qualidade vem propugnando pela necessidade de que sejam extintos[2]. Em contrapartida a essa extinção, o relator terá o dever de declarar o voto vencido, sendo este considerado como parte integrante do acórdão, inclusive para fins de prequestionamento.

Nos dispositivos, figurava simplesmente o seguinte:

“Art. 861. Proferidos os votos, o presidente anunciará o resultado do julgamento, designando para redigir o acórdão o relator ou, se vencido este, o autor do primeiro voto vencedor.

§ 1º Os votos poderão ser alterados até o momento da proclamação do resultado pelo presidente.

§ 2º No julgamento de apelação ou de agravo de instrumento, a decisão será tomada, no órgão fracionário, pelo voto de três juízes.

§ 3º O voto vencido será necessariamente declarado e considerado parte integrante do acórdão para todos os fins legais, inclusive de prequestionamento.”

(Idem, ibidem).

No Senado, a questão voltou a ser discutida, mas manteve-se a supressão dos infringentes com a técnica da declaração necessária do voto vencido e da integração deste ao acórdão para todos os fins, alterando-se, tão-somente, a numeração do dispositivo, que passou a ser o artigo 896. Assim o Parecer do Senador Valter Pereira, relator‐geral do PLS 166, de 2010 (conferir em http://www.senado.gov.br/atividade/materia/getPDF.asp?t=84033).

Entretanto, ao chegar na Câmara dos Deputados, a discussão sobre o tema se acirrou, como se pode ver a seguir.

“Uma das mais significativas transformações preconizada pelo Projeto é a supressão dos embargos infringentes.”

(Parecer do deputado federal Sérgio Barradas Carneiro, relator-geral na Câmara dos Deputados da Comissão Especial que aprecia o projetos de lei 6.025, de 2005, e 8.047, de 2010, ambos do Senado Federal, fls. 52. Disponível na internet em http://www.migalhas.com.br/arquivo_artigo/art20120919-07.pdf).

Porém,

“Houve muitos pedidos de retorno dos embargos infringentes ao projeto —eles haviam sido retirados na versão do Senado.

Os argumentos favoráveis a este recurso são fortes: prestigia-se a justiça da decisão, com a possibilidade de reversão do julgamento, em razão da divergência.

Sucede que a previsão deste recurso traz também alguns problemas: a) há intermináveis discussões sobre o seu cabimento, o que repercute no cabimento do recurso especial ou do recurso extraordinário, que pressupõem o exaurimento das instâncias ordinárias. Há inúmeras decisões do STJ que se restringem a decidir se os embargos são ou não cabíveis; b) além disso, os embargos somente cabem se o acórdão reformar a sentença ou rescindi-la, o que limita muito o seu cabimento.

Assim, resolvi acolher uma sugestão que, de um lado, garante à parte o direito de fazer prevalecer o voto vencido, com a ampliação do quórum de votação, e, de outro, acelera o processo, eliminando um recurso e discussões quanto ao seu cabimento.

Cria-se uma técnica de julgamento muito simples: sempre que, no julgamento de apelação, agravo ou ação rescisória, houver um voto divergente, o julgamento não se conclui, prosseguindo-se na sessão seguinte, com a convocação de um número de desembargadores que permita a reversão da decisão.

Com isso, simplifica-se o procedimento: não há necessidade de recorrer, não há prazo para contrarrazões nem discussões sobre o cabimento do recurso. Havendo divergência, simplesmente o processo prossegue, com a ampliação do quórum.

Alcança-se o mesmo propósito que se buscava com os embargos infringentes, de uma maneira mais barata e célere, além de ampliada, pois cabe em qualquer julgamento de apelação (e não em apenas alguns) e também no caso de agravo, sobre o qual silenciava o CPC/1973 em tema de embargos infringentes.”

(Idem, fls. 54/55).

E a solução encontrada foi posta em forma de dispositivo assim:

“Art. 964. Quando, em apelação ou agravo, o resultado não for unânime, o julgamento terá prosseguimento em sessão a ser designada com a presença de outros julgadores, a serem convocados nos termos do regimento interno, em número suficiente para garantir a possibilidade de inversão do resultado inicial, assegurado às partes e a eventuais terceiros o direito de sustentar oralmente suas razões perante os novos julgadores.

§ 1º Os julgadores que já tiverem votado poderão rever seus votos por ocasião do prosseguimento do julgamento.

§ 2º A técnica de julgamento prevista neste artigo aplica-se, igualmente, ao julgamento não unânime proferido em ação rescisória, devendo o seu prosseguimento ocorrer em órgão de maior composição previsto no regimento interno.

§ 3º Nos tribunais em que o órgão que proferiu o julgamento não unânime for o plenário ou a corte especial, não se aplica o disposto neste artigo.”

(Ibidem, fls. 1.078).

O objetivo deste singelo escrito é discutir o tema, buscando oferecer alguma contribuição para a solução a que o legislador haverá de chegar.

Dissenso na matéria
Com efeito, suprimir ou não os embargos infringentes é matéria a respeito da qual há escasso consenso.

E digo isso com a tranquilidade de quem sempre defendeu a postura do anteprojeto original — sou pela supressão do recurso —, em especial à vista da técnica da inclusão obrigatória do voto vencido e sua integração ao acórdão para todos os fins.

Sei que, além de respeitável doutrina que vem — como ressaltou a professora Teresa Arruda Alvim Wambier, relatora-geral da Comissão de Juristas que elaborou o anteprojeto — de Alfredo Buzaid, e até de antes dele, praticamente todos os ilustres integrantes da mencionada equipe de jurisconsultos (além da já referida relatora-geral, o presidente, ministro Luiz Fux, e, senão a unanimidade, certamente a vasta maioria de seus integrantes, os professores Adroaldo Furtado Fabrício, Benedito Cerezzo Pereira Filho, Bruno Dantas, Elpídio Donizetti Nunes, Humberto Theodoro Junior, Jansen Fialho de Almeida, José Miguel Garcia Medina, José Roberto dos Santos Bedaque, Marcus Vinicius Furtado Coelho e Paulo Cezar Pinheiro Carneiro) pensam da mesma forma.

O mesmo pode-se dizer do grupo de processualistas que assessorou o senador Valter Pereira, relator-geral da matéria no Senado, constituído pelos professores ministro Athos Gusmão Carneiro, Cassio Scarpinella Bueno, Dorival Renato Pavan e Luiz Henrique Volpe Camargo, já que a orientação aí seguida foi a de manter a eliminação dos infringentes, mesmo diante de vozes discordantes, embora quanto ao ministro Athos Gusmão fique claro, posteriormente, no parecer da Câmara dos Deputados (fls. 251), que ele é pela manutenção do recurso.

Estas se elevaram quando chegou o assunto à Câmara, porque, como se pode extrair do parecer do seu relator-geral, deputado Sérgio Barradas Carneiro, ali não houve acordo nesse assunto, quando se relembram as opiniões dos que se manifestaram expressamente a respeito.

Vejam-se os seguintes exemplos, todos tirados do citado parecer, contra a supressão dos embargos infringentes: Nelson Juliano Schaefer Martins, pois reputa tratar-se de recurso que propicia um julgamento mais justo (fls. 101); Ronnie Preuss Duarte, por achar que esse recurso não seria causa de morosidade processual (fls. 102); Luiz Carlos, por entender que a ótica da reforma deve ser a da sociedade, e não apenas a dos operadores do Direito (fls. 102); d) Frederico Neves, porque enxerga neles meio de fomentar a segurança jurídica sem, de forma alguma, comprometer a celeridade processual (fls. 116); e) Marcelo Milagres (o texto não revela o porquê, fls. 121).

Da mesma forma, mas a favor da eliminação deles: a) Flávio Maia Fernandes dos Santos, por considerar que os infringentes, na prática, representam um empecilho para a celeridade processual (fls. 102); b) Luiz Fux, porque só existem no Brasil e os entende ineficientes (fls. 124); c) Alexandre Câmara (o texto não explica seus fundamentos, fls. 124).

O parecer revela ainda a existência de várias emendas para reintroduzir esse recurso no texto, sendo interessante mencionar a fundamentação que para tanto é oferecida às fls. 251 e, posteriormente, às fls. 640:

“… as estatísticas têm mostrado a grande utilidade dos embargos infringentes, com alto índice de provimento. Além disso, por se tratar de recurso com âmbito reduzido, não tende a ser causa de atraso procedimental. Em outros termos, o desaparecimento dos embargos infringentes em nada acelerará o andamento processual, mas, ao contrário, a sua manutenção tende a oferecer à parte importante instrumento para impugnação das decisões judiciais.”

“Os embargos infringentes objetivam rever o posicionamento minoritário do Tribunal que manteve a sentença. A virtude deste recurso reside na contribuição ao equilíbrio e aperfeiçoamento das decisões proferidas por órgãos colegiados, garantindo a segurança jurídica, conforme entendimento da doutrina.

Os embargos infringentes têm processamento célere e desburocratizado. Não se tem conhecimento de qualquer dado que sugira serem os embargos infringentes responsáveis pela morosidade judicial. A experiência demonstra ser relativamente baixo o número de julgados não unânimes que revertem sentenças, com o que há de ser insignificante a quantidade de embargos infringentes, Isso, por si só, desaconselha a sua eliminação do rol recursal.

De fato, os embargos infringentes são utilizados como meio de revisão de decisão não unânime proferida em apelação ou ação rescisória. Servem para fazer prevalecer os fundamentos e o dispositivo do voto vencido.

O fato de haver um voto vencido é razão suficiente para ensejar a revisão do julgado com o intuito de aperfeiçoar a decisão. Trata-se de um recurso que surge da necessidade de reapreciação do acórdão, visando um julgamento mais justo proferido por um número maior de magistrados.”

A controvérsia, portanto, instalou-se definitivamente em nosso Parlamento.

Síntese
De modo resumido, portanto, pode-se dizer que, tanto em favor da supressão do recurso, como contra esta, há diversas linhas argumentativas razoáveis.

A favor da supressão:

a) o recurso causa morosidade processual, até por gerar discussões tocantes a seu próprio cabimento;

b) o recurso é ineficiente como forma de aperfeiçoar o julgado, porque geralmente é seguido de um especial ou extraordinário, que possibilitam revisão da matéria junto às cortes superiores, o que tornará inócua a possível alteração que se faça no tribunal a quo;

c) a técnica da inclusão do voto vencido garante à parte interessada em recorrer amplas possibilidades de obter tal revisão nas cortes ad quem, já que se garante que vele até para fins de prequestionamento.

Contrariamente à supressão:

a) a morosidade processual causada pelo recurso não é tanta;

b) as estatísticas mostram que o número embargos infringentes, em relação aos demais recursos que povoam os tribunais brasileiros, não é tão grande —o que os isentaria de ser um fator de congestionamento do Judiciário;

c) as mesmas estatísticas expõem que o percentual de provimentos dos infringentes é alto —o que mostraria como eles são importantes para o aperfeiçoamento da Justiça.

Problemas da “solução”
Consoante relatamos linhas atrás, diante do dissenso, o parecer do relator-geral da Comissão do novo CPC na Câmara foi optar por um caminho que preservou a intenção do anteprojeto —suprimir os embargos infringentes—, tentando, porém, conciliá-lo com as ponderosas razões contrárias a tal eliminação.

Isso, através da adoção de uma técnica de julgamento que, diante da formação de um julgado por maioria, impõe a continuidade da sessão, com a convocação de mais julgadores, em número suficiente para inverter o escore inicialmente formado, o que conferiria o aperfeiçoamento e a segurança buscados pelo jurisdicionado.

Considerou o parecer que isso seria “uma técnica de julgamento muito simples” e que com ela “simplifica-se o procedimento: não há necessidade de recorrer, não há prazo para contrarrazões nem discussões sobre o cabimento do recurso. Havendo divergência, simplesmente o processo prossegue, com a ampliação do quórum.” (fls. 55).

Data maxima venia, não se trata, de modo algum, de técnica simples.

E isso porque a experiência de julgamentos em tribunais de segundo grau, especificamente, Tribunais Regionais Federais e Tribunais de Justiça, sedes por excelência desse tipo de julgado, faz, desde logo, surgir a pergunta: de onde virão esses novos julgadores (pelo menos dois, diante de um voto divergente) para a composição do colegiado ampliado, que concluirá o julgamento?

Veja-se que dos trinta e dois tribunais de segundo grau da Justiça Comum (cinco da Justiça Federal, mais vinte e sete das Justiças Estaduais, incluída entre estas a do Distrito Federal), nas apelações e agravos, a imensa maioria das cortes brasileiras estabelece o julgamento por turmas ou câmaras constituídas:

a) por apenas três Desembargadores — portanto totalmente incapazes de dar cumprimento à técnica de julgamento preconizada para o caso de decisão por maioria — nos seguintes tribunais:

a1) Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), nos termos do artigo 3º, parágrafo 1º, combinado com o 13, II, do seu Regimento Interno (RI);

a2) Tribunal Regional Federal da 2ª Região (artigo 2º, parágrafo 5º, combinado com o 16, III, do RITRF2);

a3) Tribunal Regional Federal da 4ª Região (artigo 2º, parágrafo 4º, combinado com o 15, II, a, do RITRF3);

a4) Tribunal Regional Federal da 5ª Região (artigo 3º, parágrafo 2º, combinado com o 8º, II e III, do RITRF5);

a5) Tribunal de Justiça do Estado do Acre (artigo 8º, combinado com o 9º, II, a, do RITJAC);

a6) Tribunal de Justiça do Estado de Alagoas (artigo 3º, parágrafo 1º, combinado com o 89, I, do RITJAL);

a7) Tribunal de Justiça do Estado do Amazonas (artigo 6º, combinado com o 13, do RITJAM);

a8) Tribunal de Justiça do Estado da Bahia (artigo 91, parágrafo 3º, combinado com o 97, II, do RITJBA);

a9) Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão (artigo 14, parágrafo único, combinado com o 17, II, do RITJMA);

A10) Tribunal de Justiça do Estado do Pará (artigo 26, I, do RITJPA);

a11) Tribunal de Justiça do Estado da Paraíba (artigo 13, combinado com o 16, II, do RITJPB);

a12) Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco (artigo 17, combinado com o 25, II, a, e o 25-A, II, a, do RITJPE);

a13) Tribunal de Justiça do Estado do Piauí (artigo 3º, parágrafo 2º, combinado com o 85, I, do RITJPI);

a14) Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Norte (artigo 14, caput, combinado com o artigo 18, do RITJRN); e

a15) Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia (“no mínimo três”, artigo 9º, combinado com o 12 e seus incisos, e o 135, I, b, do RITJRO);

b) por quatro Desembargadores — ainda assim, insuficientes para obedecer à técnica adotada no caso de formação de maioria — nos tribunais a seguir:

b1) Tribunal Regional Federal da 3ª Região (artigo 2º, parágrafo 4º, combinado com o 13, II, do RITRF3);

b2) Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (artigo 16, combinado com o 18, I, do RITJDFT);

b3) Tribunal de Justiça do Estado do Ceará (artigo 5º, combinado com o 25, I, d, do RITJCE);

b4) Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo (artigo 7º, III, combinado com o 54, II, a, do RITJES);

b5) Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso — três Desembargadores mais um Juiz convocado — (artigo 20, combinado com o artigo 21, II, a e e, e 21-A, II, a, do RITJMT);

b6) Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso do Sul (artigos 66 e 67 a e b, do RITJMS);

b7) Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina (artigo 4º do Ato Regimental nº 2, de 1989, combinado com o artigo 29, II, do RITJSC); e

b8) Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe (artigo 11, combinado com o 402, II, a);

c) por cinco Desembargadores:

c1) Tribunal de Justiça do Estado de Goiás (artigo 12, combinado com o 14, II, do RITJGO);

c2) Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais (artigo 9º, VI, combinado com o 36, I e II, e 37, I e II, do RITJMG);

c3) Tribunal de Justiça do Estado do Paraná (artigo 4º, V, combinado com o 89, II, do RITJPR);

c4) Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (artigo 81, parágrafo 1º, combinado com o 6º, II, do RITJRJ);

c5) Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul (“até cinco”, artigo 17 e seu parágrafo 1º, combinado com o 19, II, a, do RITJRS);

c6) Tribunal de Justiça do Estado de Roraima (artigos 29 e 31 do RITJRR);

c7) Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (artigos 34 e 35 do TJSP); e

c8) Tribunal de Justiça do Estado do Tocantins (artigo 8º, caput, combinado com o 10, IV e suas alíneas, do RITJTO);

d) por sete Desembargadores, unicamente, no Tribunal de Justiça do Estado do Amapá, ex vi do artigo 3º, parágrafos 1º e 3º, combinado com o 19, II, a e b, do RITJAP.

Ou seja, dos trinta e dois tribunais, vinte e três (os quinze cujas câmaras ou turmas são de três Desembargadores, mais os 8 cujas câmaras ou turmas são de quatro) terão imensa dificuldade em funcionar com a nova técnica de julgamento — supostamente simples — que substitui os embargos infringentes.

Porque os julgadores a mais virão de outras turmas ou câmaras! O princípio do juiz (rectius, juízo) natural, portanto, fica claramente maculado. O feito será julgado por uma composição turmária antinatural.

Porém, há mais: e se um dos convocados, oriundo de outra ou outras turmas ou câmaras for o voto condutor?

O feito será relatado por alguém que não integra o colegiado que é o juízo natural do processo?

A agressão constitucional, nesse caso, será gritante.

Dirá algum desavisado: então, basta aumentar todas as turmas ou câmaras para cinco membros.

Ora. Isso não resolverá nada. Antes, criará novos problemas, porque aumentando o número de integrantes de cada órgão divisionário mínimo (turma ou câmara), evidentemente diminuirá o número deles, e, por conseguinte, a capacidade de julgamento do Tribunal, o que implicará desaceleração da Justiça, maior tempo para os julgamentos e menor eficácia da jurisdição!

Num tribunal como, por exemplo, o que integro — Tribunal Regional Federal da 5ª Região, de quinze Desembargadores — que tem quatro turmas de três membros, só poderá haver duas de cinco, reduzindo o potencial de julgamento da Corte à metade, porque seria inviável fazer três turmas de cinco, com a participação do Presidente, Vice e Corregedor, que têm múltiplas atividades administrativas de que não conseguiriam se desincumbir, participando das turmas. E, ainda que o pudessem fazer, elas cairiam de quatro para três, reduzindo o potencial de julgamento em um quarto.

E mesmo vários dos oito tribunais cujas câmaras ou turmas já são de cinco Desembargadores não poderão, sem alguma dificuldade, adaptar-se à nova técnica, pois na maioria deles as sessões de julgamento são com três ou quatro integrantes, o que levará, quando menos, à suspensão do julgamento, para que termine na próxima assentada.

Ademais, se a câmara ou turma já for de cinco, o problema perdurará, pois os votos vencidos poderão ser até dois, e aí será necessário convocar três, e esses de onde virão?

E até no Egrégio Tribunal de Justiça do Amapá, onde se tem uma turma de sete, poderá haver três votos vencidos, e aí será preciso chamar quatro julgadores, o que ultrapassará o número dos integrantes da Corte!

Se vinte e três dos trinta e dois tribunais cíveis brasileiros de segundo grau, a turma ou câmara julgadora das apelações e agravos não tem integrantes suficientes, ver-se-ão as cortes com a multiplicação do problema das convocações, que já as inferniza desde que, em má hora, a Emenda Constitucional 45, de 2004, acabou com as férias coletivas nessas cortes.

Somente isso já bastaria para demonstrar que a solução encontrada para o problema na Câmara dos Deputados foi pouco feliz, e que não deve ser adotada de modo algum. Ou se mantêm os infringentes, ou se os suprime (melhor). Desse jeito é que não pode ser.

Conclusão
A conclusão avulta aos olhos: a solução encontrada traz mais desvantagens e problemas —alguns, quiçá, insolúveis— que a manutenção do status quo ou, como pretendia o Anteprojeto, a eliminação dos embargos infringentes.

Sempre me bati contra os infringentes, em especial num quadro recursal como o nosso, em que já há espécies de recursos demais, e oportunidades recursais ainda maiores.

As vantagens de aperfeiçoamento do julgado que esse recurso contém, e eu o reconheço, não superam a perda de tempo que ele gera.

A técnica de inclusão do voto vencido, do Anteprojeto, resolve problemas que a eliminação pura e simples da espécie recursal poderia gerar, para fins de prequestionamento.

Os embargos infringentes, por mais que tenham virtudes, não são imprescindíveis. A Justiça do Trabalho vive muito bem sem eles. A harmonização jurisprudencial interna a cada tribunal pode ser feita por outros meios.

Entretanto, a manutenção deles é muitíssimo menos danosa que sua substituição pelo equivocado mecanismo alvitrado pela Comissão Especial da Câmara dos Deputados. Esta, tendo acertado muito e em muitos assuntos, nesse pecou terrivelmente.

Cabe, porém, ainda, ao Parlamento, impedir que equívocos tais prosperem. Que este trabalho possa ser um grito de alerta em relação ao assunto em foco, é nosso objetivo.

Sabendo da excelência da condução dos trabalhos pela Presidência e Relatoria-geral da Comissão, que têm agido de modo democrático, atencioso e cuidadoso, temos esperança de que este assunto não se transforme em lei da forma problemática como ora se apresenta.


[1] Essa trajetória, como lembra BARBOSA MOREIRA, foi, no curso das décadas, “complexa e sinuosa” (Novas vicissitudes dos embargos infringentes, Revista de Processo. São Paulo, v. 28, n. 109, p. 113-123, jul-ago. 2004, p. 113).

[2] Nesse sentido, “A existência de um voto vencido não basta por si só para justificar a criação de tal recurso; porque, por tal razão, se devia admitir um segundo recurso de embargos toda vez que houvesse mais de um voto vencido; desta forma poderia arrastar-se a verificação por largo tempo, vindo o ideal de justiça a ser sacrificado pelo desejo de aperfeiçoar a decisão” (ALFREDO BUZAID, Ensaio para uma revisão do sistema de recursos no Código de Processo Civil. Estudos de direito. São Paulo: Saraiva, 1972, v. 1, p. 111).”

(Código de Processo Civil : anteprojeto / Comissão de Juristas Responsável pela Elaboração de Anteprojeto de Código de Processo Civil. – Brasília : Senado Federal, Presidência, 2010. Disponível na internet em http://ghlb.files.wordpress.com/2010/06/anteprojeto-novo-cpc.pdf).

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