Reconhecimento de importância

Férias de 60 dias é retribuição à complexidade do cargo

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22 de fevereiro de 2013, 12h41

É um tema recorrente na imprensa Brasileira, as férias dos magistrados. Em cada entrevista, indaga-se se é justo o juiz brasileiro ter 60 dias de férias. Tal direito é previsto muito antes da Lei Orgânica da Magistratura Nacional (Loman), deitando raízes na época do Império. Tradicionalmente, os juízes brasileiros gozam de férias de sessenta dias, mas ultimamente a sociedade questiona se esse direito deve permanecer.

Olhando o direito comparado, vê-se que o regime de férias forenses é diferenciado.

Tem-se tal constatação no livro mais crítico à Suprema Corte Americana, Por detrás da Suprema Corte, no qual um trecho chama a atenção:

“Por volta de julho o Juiz Presidente Warren Burger estava em seu novo gabinete. Com três meses pela frente antes do início das sessões e com os outros magistrados aproveitando o recesso para ficar em suas casas ou de férias, ele pretendia consolidar seu poder.”[1].

Os Estados Unidos teriam concedido um benefício tão elástico aos seus juízes? Será que a corte americana, que recebe menos processos que a nossa, não mudou tal regime para adequar-se à crítica “republicana” de alguns?

Recentemente, os americanos criticaram a duração das férias dos membros Suprema Corte, pois a nação se angustia com a tardança na discussão da constitucionalidade do Obama Care.

O título do site[2] é: A Suprema Corte dos EUA: preguiçosos ou descuidados (ou pior, os dois?). Em tal reportagem noticia-se que a Suprema Corte Americana irá para seus três meses de férias remuneradas enquanto o Estado da Virgínia pediu que fosse analisada a constitucionalidade do Obama Care. Mesmo um não americano sabe da importância e magnitude de tal plano para remodelar o sistema de saúde daquele país. Os contribuintes terão que custeá-lo, os Estados contingenciarão recursos, as empresas precisarão tomar dimensão dos gastos com seus trabalhadores. Na aludida reportagem, a comentarista questiona se eles (os juízes) se importam, mas é claro que se importam.

Tal sistema não se resume em compromisso ao trabalho interno, mas sim ao repouso:

Juízes da Suprema Corte vão para destinos invejáveis em recesso de verão.

Postado às 7:45 Quinta-feira, 14 de junho de 2011

Pela Imprensa Associada

WASHINGTON – O salário não é o melhor, mas, oh, as oportunidades de viagens que aparecem quando se é um juiz da Suprema Corte.

Genebra, Roma, Lake Tahoe – e isso é único itinerário de verão do juiz Antonin Scalia.

Os juízes muitas vezes tiram o proveito máximo de suas férias de verão prolongado para viajar ao exterior, e ganhar dinheiro para ele também. Juízes podem aceitar cerca de US $ 25.000 em renda adicional para o ensino e falando, além de seu salário de 213.900 dólares por ano. O chefe de justiça ganha cerca de US $ 10.000 por ano a mais.

O Chefe de Justiça John Roberts vai a Florença, Itália; Juiz Anthony Kennedy é dirigido a Salzburgo, na Áustria, e Juiz Samuel Alito vai passar um tempo em Roma. Cada um participa no exterior de um programa de uma escola de verão de lei norte-americana.

Juízes Stephen Breyer e Elena Kagan estão indo para o Instituto Aspen, no Colorado.A Juíza Ruth Bader Ginsburg também pode visitar Aspen.

O Verão de Breyer inclui visitas a Toronto para a American Bar Association convenção; para Vermont – faturados pela Calvin Coolidge Center como sua primeira aparição pública no Estado desde que se juntou a Suprema Corte em 1994, e para Fargo, ND, para dedicar uma escola secundária. Ele também está programado para presidir o casamento de ex-deputado Patrick Kennedy, no complexo da família Kennedy em Hyannis, Massachusetts, em meados de julho. Breyer já trabalhou para o senador Edward M. Kennedy, falecido pai de Patrick.

Inicialmente, já percebemos um paradoxo, analisando as duas Cortes Supremas, vemos que enquanto a norte-americana tem três meses de férias anuais e julga menos de cem processos por ano, a brasileira que recebe quase cem mil feitos anualmente, tem dois recessos de férias.

Todo juiz sabe a importância de uma demanda. Qual magistrado não questionou se sua decisão não foi exagerada, se não poderia tirar um mês de pena, ou aumentar o valor de uma indenização, ou mesmo diminuí-la.

Tal ponderação é feita pelo mais tradicional crítico dos juízes, Piero Calamandrei:

“Conheci um químico que, quando no seu laboratório destilava venenos, acordava as noites em sobressalto, recordando com pavor que um miligrama daquela substância bastava para matar um  homem. Como poderá dormir tranquilamente o juiz que sabe possuir, num alambique secreto, aquele tóxico subtil que se chama injustiça e do qual uma ligeira fuga pode bastar, não só para tirar a vida mas, o que é mais horrível, para dar a uma vida inteira indelével sabor amargo, que doçura alguma jamais poderá consolar?" [3]

A atividade do magistrado é de suma importância para o ser humano, pois ubi societas, ubi jus, onde há sociedade há o direito. Desde os primórdios da formação humana, pessoas dirimiam conflitos de terceiros porque estes apenas os resolviam na força.

Tanto é assim que os outros países concedem períodos diferenciados de férias a seus magistrados[4].

Itália:1 de Agosto e findam em 15 de Setembro (artigo 90.º e ss. do Ordinamento Giudiziario, publicado na Gazzetta Ufficiale de 4 de Fevereiro de 1941.

Áustria, as férias judiciais são de 15 de Julho a 25 de Agosto.

Irlanda, as férias são: a) Tribunais Superiores (High e Supreme Courts) São quatro os períodos de férias judiciais nos Tribunais Superiores irlandeses, a saber: – O período das férias do Natal (compreendido entre 24 de Dezembro e 6 de Janeiro); – O período das férias da Páscoa (que se estende da segunda-feira anterior à data festiva religiosa ao Sábado da semana de Páscoa); – O período das férias de «Whitsun» (que começa na sexta-feira que antecede o «Whitsun» e termina no Sábado da semana de «Whitsun»); – O período das férias longas (que se inicia de 1 de Agosto e termina a 30 de Setembro).b) Tribunais de 1.ª instância (District e Circuit Courts) Tal como sucede nos Tribunais Superiores, também nos Circuit Courts decorre uma interrupção da atividade jurisdicional durante os meses de Agosto e Setembro, não tendo o regime legal sofrido alterações recentemente. Todavia, nos District Courts apenas o mês de Agosto é mês de férias judiciais. Nestes Tribunais, contudo, a partir da quinta-feira anterior à Páscoa é possível estabelecer seis dias consecutivos adicionais de férias a partir de 23 de Dezembro pode ser agendado um outro período de acréscimo interruptivo de nove dias consecutivos. À semelhança do que sucede nos Tribunais Superiores, aos juízes dos Tribunais de 1.ª instância não é aplicável qualquer dispositivo legal que defina o número de dias de férias.

Suiça (Cantão de Neuchâtel), as férias, de acordo com o artigo 118.º do Código de Processo Civil de 1991, as férias judiciais são marcadas entre os 7 dias anteriores à Páscoa e os sete dias posteriores a este feriado (inclusive), de 15 de Julho a 15 de Agosto (inclusive) e de 18 de Dezembro a 1 de Janeiro (inclusive). Nesse período não se efetuam julgamentos, salvo em casos urgentes e noutras situações definidas na lei (artigo 119.º do mesmo código); nas férias judiciais os prazos fixados pela lei ou pelo juiz suspendem-se (artigo 120.º). A lei foi alterada no ano 2000, com efeitos reportados a 1 de Janeiro de 2001. Anteriormente, o período de férias judiciais decorria de 10 de Julho a 20 de Agosto (inclusive) e de 20 de Dezembro a 2 de Janeiro (inclusive).

As férias judiciais, na Bélgica, são estabelecidas entre o primeiro dia de Julho e o último dia de Agosto (artigos 334.º e ss. do Code Judiciaire).

Na Alemanha, os artigos 199 a 202 do GVG (Judiciary Act) que tratavam das férias judiciais (definidas entre o dia 16 de Julho e o dia 15 de Setembro) foram revogados, com efeitos a 1 de Julho de 1997. Optou-se, em matéria civil, por uma solução de compromisso prevista no §227, 3.º parágrafo do Código de Processo Civil (ZPO), segundo a qual «uma data de audiência fixada entre 1 de Julho e 31 de Agosto será adiada por pedido efetuado no prazo máximo de uma semana após recepção da citação ou da marcação da data, excetuadas leituras de sentenças. Esta disposição não se aplica a: 1) processos urgentes; 2) litígios relativos a arrendamento; 3) matérias familiares; 4) disputas sobre letras de câmbio ou cheques; 5) litígios sobre construções, quando a disputa for acerca da continuação de construções já começadas; 6) disputas sobre licenças para uso ou devolução de bens protegidos por arresto; 7) procedimentos de «exequatur» ou atos judiciais em arbitragem».

Aprofundando a análise do direito comparado, há um importante estudo da Suprema-Corte Sul-Africana[5], que possui recesso anual de 14 semanas, no qual aponta os períodos de recesso em jurisdições estrangeiras. Por tal documento, percebem-se outros regimes diferenciados de férias judiciais.


Chama-se atenção:

No Supremo Tribunal de Cingapura, os recessos são 9 semanas por ano, e compreendem um período de férias do tribunal meados do ano, e em 2003 decorreu de 26 maio a 20 junho e o fim das férias de final ano, que decorrerá de 01 de dezembro de 2003 a 2 de Janeiro de 2004.

O Tribunal Distrital de Israel goza de recesso 6 semanas por ano, a partir de 15 julho a 01 de setembro. O tribunal senta-se a partir das 08:30 – 13:00, domingos às quintas-feiras e às sextas-feiras aqui é uma escala de serviço para listas de emergência apenas.

Na Dinamarca, todos os tribunais trabalham durante todo o ano, exceto por um curto recesso durante as férias de verão, normalmente de 3 semanas. Somente casos urgentes estão sendo tratados durante o recesso de verão. Aos juízes são concedidas férias de 5 semanas de um ano de férias, desde que não interfiram com o trabalho diário do tribunal.

Na Suécia, a estrutura judicial é baseada em uma estrutura de três camadas compreendendo as cortes Distritais, Tribunais de Recurso e no Tribunal Supremo. Os tribunais suecos não estão organizados em matérias nem têm quaisquer férias judiciais. No entanto, os meses de julho e agosto são tradicionalmente meses de agenda leve para os tribunais e eles tendem a lidar somente com matérias urgentes. A maioria dos funcionários judiciais sai de férias durante este período.

No Uruguai, os juízes de primeira instância(…)tem um recesso de 8 semanas por ano a saber 25 dezembro – 31 janeiro e um recesso no meio do ano 1-20 de Julho.

Além destes países, não podemos deixar de informar que na Índia[6], as férias judiciais são de três meses. Através de relatório elaborado por Comissão legal instituída pelo Governo da Índia, chegou-se a conclusão de que o período britânico de férias, três meses, deveria ser reduzido em dez dias. Ainda assim, não se falou em reduzir as férias para o trabalhador comum porque a magistratura é uma profissão diferenciada, com deveres e encargos que aquele não suporta. [7]

Os mais críticos quanto à duração das férias judiciais lembram a situação da França, cujos magistrados têm o mesmo período de férias dos demais funcionários públicos, um mês, mas naquele país qual a jornada de trabalho? A jornada de trabalho semanal desse país não é de trinta e cinco horas semanais? Colocarão o juiz brasileiro nesta jornada?

Neste particular, sobressai-se a situação da Grécia, cujos magistrados têm apenas um mês de férias. Não foram os juízes de lá que colocaram o país na bancarrota, nem o levaram a pedir socorro financeiro às entidades internacionais. Contraditoriamente, segundo reportagem do Conjur[8], a Grécia tem hoje 442 processos à espera de julgamento pelo Tribunal Europeu, dos quais mais de 250 tratam da lentidão da Justiça grega. Ao dar o ultimato para a Grécia, a Corte também fez uma estimativa de que, para um caso criminal comum, sete anos são suficientes para a conclusão.

Atrás da Grécia, que dá trinta dias de férias aos magistrados, está a Itália, onde são agraciados com quarenta e cinco dias. Estranhamente, o país menos acionado é o Reino Unido, que concede três meses de férias aos juízes.[9]

O fim das férias como solução para o acervo processual

Um dos maiores defensores da redução das férias dos magistrados é Joaquim Falcão, explana:

Faz dois anos que Portugal reduziu as férias de seus juízes de 60 para 30 dias. O resultado foi um aumento de cerca de 9% na produtividade do Judiciário. Mais trabalho, mais agilidade, menos lentidão, mais justiça. Ou seja, pelas estatísticas do CNJ, se mudasse a lei, o Judiciário produziria cerca de mais 2 milhões de decisões por ano. O que não é pouco. Sem aumento de custos. [10]

Será mesmo? O ilustre professor, data venia, equivoca-se. Ele pega a produção dos juízes brasileiros, sem paralelo no mundo, e aplica o aludido percentual. Entretanto, se analisarmos o propalado percentual no tempo médio de um processo setenta por cento dele se esvai em rotinas cartorárias, como juntadas, publicações, e carimbos.

Igualmente, Portugal tinha três meses de férias judiciais e com a Lei 43/2010[11], alterou-se para dois meses. Senão vejamos:

Redação anterior dada pela LEI 3/99, DE 13 DE JANEIRO[12]:

Férias judiciais

As férias judiciais decorrem de 22 de Dezembro a 3 de Janeiro, do domingo de Ramos à segunda-feira de Páscoa e de 16 de Julho a 14 de Setembro.

Redação atual, imposta pela Lei 43/2010 é

Artigo 12.º

[…] As férias judiciais decorrem de 22 de Dezembro a 3 de Janeiro, do domingo de Ramos à segunda-feira de Páscoa e de 16 de Julho a 31 de Agosto.

Anteriormente, as férias judiciais portuguesas prolongavam-se até 14 de setembro, agora, findam em 31 de agosto, e totalizando 61 dias de férias.

Ainda assim, o aumento de produtividade judiciário permaneceu, pois não houve relatos de que ele retrocedeu mesmo com o retorno das férias aos patamares mencionados.

Por outro lado, dados estatísticos revelam que, em muitas varas,o número de processos aguardando sentenças não chega a um por cento de seu acervo. Isso só demonstra que as férias forenses não são o remédio para diminuição do acervo processual.

Não é o juiz que mandará a carta precatória ir mais rápida, nem tornará a juntada mais ágil, e sim a informatização, a criação de mais cargos de servidores e o programa de investimento judicial. E isto para o processo de conhecimento, não para o gargalo judiciário que é a execução. Este para terminar precisa que o devedor tenha bens que bastem ao pleito do credor.

Entretanto, milhares de “penhoras on line” feitas por magistrados são totalmente infrutíferas, porque os devedores esvaziam suas contas. A redução das férias dos magistrados a quê serviria? Somente medidas extrajudiciais surtiriam efeito, como o protesto extrajudicial, e a inscrição do devedor em cadastros de inadimplentes. Outra medida que ensejaria maior celeridade seria o fim das quatro instâncias recursais, possibilitando que homicidas confessos demorem quase doze anos para irem para a cadeia.

Quem comunga deste entendimento é o próprio CNJ, através de seu conselheiro Paulo Tamburini:

Precisamos entender que o juiz não é uma peça que trabalha sozinho no processo judicial, ele tem que ter um conjunto de servidores habilitados, capacitados e ágeis no andamento processual. Um magistrado precisa ter, também, recursos de ordem material em seu gabinete, para que consiga fazer um bom gerenciamento do acervo processual que não pára de entrar nos tribunais, alem de uma legislação processual que não permita retardamento no andamento do processo, como a quantidade de recursos atualmente existente”[13]

Por outro lado, as férias judiciais não são culpadas pela incessante crescimento do número de ações judiciais ajuizados nos últimos anos.

Um dos grandes estudiosos sobre as relações trabalhistas no mundo, José Pastore chama, também, atenção para este fato:

As Juntas de Conciliação e Julgamento estão recebendo quase dois milhões de processos novos por ano. A essa espantosa cifra, há que se adicionar quase um milhão de casos residuais que vêem de anos anteriores (Relatório Geral da Justiça do Trabalho, Brasília: TST, 1998).

Tratam-se de números assustadores. A França entrou em pânico quando, há cinco anos, as ações trabalhistas ultrapassaram a marca dos 70 mil casos. Os americanos estão apavorados porque já existem cerca de 75 mil processos de natureza trabalhista na justiça comum. E o Japão está atônito porque as ações trabalhistas bateram a casa dos mil casos. O Brasil tem quase 3 milhões de casos que não param de aumentar.

(…)

Os 4.434 juizes das Juntas de Conciliação e Julgamento realizam cerca de 225 mil sessões e solucionam quase dois milhões de conflitos por ano!

Em 45% dos casos, o impasse se resolve na primeira audiência, por conciliação; e 55% entram na longa rota de julgamento, muitos dos quais vão aos TRTs e TST.

Os 463 juizes dos Tribunais Regionais do Trabalho estão recebendo mais de 360 mil novos processos todos os anos. Eles realizam cerca de 4.800 sessões e julgam mais de 411 mil ações. Ainda assim, sobra um resíduo de 230 mil processos para o ano seguinte.

O Tribunal Superior do Trabalho recebe mais de 90 mil processos e, os seus 27 ministros, em 364 sessões anuais, solucionam cerca de 88 mil casos.

É difícil encontrar apoio para a tese de que os juizes e funcionários das Juntas e Tribunais trabalham pouco. Nos Tribunais Regionais, julgam-se 85 processos por sessão, em média. No TRT de Campinas são 121; em São Paulo, 124; e no Paraná, 130, o que dá uma média de 30 processos por hora ou um a cada dois minutos! [14]

Quase 100 milhões de processos tramitam no Brasil. Somente em 2011, o número de processos ajuizados aumentou em 25%. Eram 20 milhões de novos processos em 2010. Foram 25 milhões em 2011, segundo o então Presidente do Supremo Tribunal Federal, Cezar Peluso, na abertura do ano judiciário.


Diminuídas as férias, os juízes brasileiros terão a carga processual destes países? Criar-se-ão os cargos de magistrados para este alude processual?

Paralelamente, o próprio CNJ reconhece como baixo o número de juízes no Brasil. Segundo o relatório Justiça em números, o Brasil tem a média de oito magistrados para cada grupo de cem mil habitantes. Se olharmos para a Justiça Federal, teremos um juiz para cada cem mil habitantes.

O relatório também mostra que o Brasil tem 16.108 juízes, média de oito magistrados por 100 mil habitantes. A média é baixa se comparada a países europeus. De acordo com o relatório, na Espanha há 10 juízes para cada 100 mil habitantes; na Itália, são 11 por 100 mil; na França, 12 por 100 mil; e em Portugal, 17 juízes para cada 100 mil habitantes. [15]

As férias judiciais para uma profissão estressante
No campo interno, as férias judiciais soam como uma prerrogativa descabida, para a imensa maioria da população. Entretanto, segundo o profundo conhecedor da magistratura, o professor da PUC do Rio Luiz Werneck Vianna, autor do livro Corpo e alma da magistratura brasileira, a magistratura é uma “profissão estressante”.[16]

O trabalho do juiz é decidir e o juiz frequentemente decide questões que determinam o destino dos cidadãos, das empresas, da economia e da vida política do país. Quem haverá de negar o drama de ter de decidir a guarda dos filhos de um casal em litígio? E se um dos pais for estrangeiro e estiver a reclamar o retorno das crianças a seu país, contra a vontade da mãe ou pai brasileiro que as houver trazido consigo? Quem negará a dificuldade de decretar uma prisão ou decidir sobre a liberdade de um cidadão acusado e ainda não julgado? Ou mesmo a dificuldade de julgar quem seja acusado da prática de crimes? E quem negará a dificuldade de decidir sobre questões que podem pôr abaixo um plano econômico? Ou a candidatura de um político influente? Alguém imagina o tipo de pressão que o juiz tem de aprender a suportar em tais casos, que fazem o dia a dia dos magistrados?[17]

No campo científico, detectou-se o estresse porque passam os magistrados cotidianamente.

No Canadá, Rogers, Freeman e LeSage (1991) publicaram o primeiro levantamento sistemático sobre o estresse ocupacional de juízes naquele país e identificaram a solidão e isolamento da atividade judicante como uma das maiores fontes de stress na profissão. No Brasil, encontra-se o trabalho de Vianna, Carvalho, Melo e Burgos (1997) intitulado Corpo e alma da magistratura brasileira que, embora não direcionado para o estudo do estresse, revela várias características e fontes de estresse na Magistratura.

A atividade judicante encontra-se entre as mais conceituadas e respeitadas universalmente, mas ao mesmo tempo, ela envolve uma responsabilidade de grande monta pelo seu impacto na sociedade no geral e uma solidão pronunciada que envolve o ato de julgar. A estes fatores, acrescentam-se uma carga grande de processos a serem julgados e o peso emocional do julgamento, além das expectativas da comunidade quanto a um comportamento e um viver absolutamente exemplar por parte das pessoas que a exercem. O próprio ato de julgar já foi identificado por Rogers e colaboradores (1991) como um estressor de grande impacto. No que se refere à sobrecarga dos processos, Zimmerman (1981) verificou em uma pesquisa que envolveu entrevistas extensas com juízes americanos que quando os processos a serem julgados se acumulam, surge uma sensação de falta de controle, desalento e angústia mesmo nos mais competentes e dedicados dos juízes. [18]

A atividade de decidir a vida, a liberdade ou patrimônio de uma pessoa envolve imensa energia intelectual e, mormente, emocional de um indivíduo. Costumeiramente, fala-se que a pena de um juiz pode mudar os rumos de uma nação.

Some-se a isso o as vicissitudes extraordinárias que envolvem o dia-a-dia do magistrado. Rotineiramente, tem-se notícia de magistrados envolvidos em ameaças de partes ou mesmo do crime organizado. Quem pensa que é aprazível a rotina de um juiz criminal, surpreende-se ao acessar na internet um vídeo em que um réu ameaça um juiz na audiência, mesmo com dois policiais na sala[19].

No estudo supramencionado, concluiu-se:

O presente trabalho revelou que os juízes da Justiça do Trabalho avaliados percebiam sua profissão como uma das mais estressantes, semelhante ao de trabalhadores de minas e maior do que os de pilotos de avião. A porcentagem dos juízes com sintomas significativos de stress foi muito alta (71%), sendo que o número de juízas com stress era significativamente maior do que o de seus colegas do sexo masculino exercendo as mesmas funções. Indicações foram levantadas de que a qualidade de vida dos respondentes talvez estivesse muito prejudicada em vários aspectos, principalmente nas áreas da saúde e afetiva. Os níveis de qualidade nestas duas áreas estavam significativamente correlacionados com o nível alto de stress detectado. A fonte de stress mais freqüentemente mencionada foi o número excessivo de processos a julgar e a estratégia mais comumente utilizada para lidar com a tensão era a de conversar com o cônjuge ou alguém afetivamente importante. Os sintomas de stress mais encontrados foram sensação de desgaste e cansaço e tensão muscular.[20]

Outras profissões “privilegiadas”
Sob outro aspecto, várias categorias profissionais gozam de semelhante direito, tais como os integrantes do Ministério Público, defensores públicos estaduais e procuradores de alguns Estados usufruem deste direito. Entretanto, olham apenas para o Judiciário.

Vários Estados instituem o benefício para os defensores públicos. Atente-se:

Rio de Janeiro-Art. 107 – Os membros da Defensoria Pública gozarão férias individuais por 60 (sessenta) dias em cada ano(LEI COMPLEMENTAR Nº 6, DE 12 DE MAIO DE 1977)[21]

Bahia: Art. 164 – Os Defensores Públicos terão direito a férias após cada período de 12 (doze) meses de efetivo exercício na carreira, correspondentes a 60 (sessenta) dias anuais, na seguinte proporção(LEI COMPLEMENTAR Nº 26 DE 28 DE JUNHO DE 2006).[22]

Mato Grosso do Sul: Art. 107. O membro da Defensoria Pública terá direito a férias anuais remuneradas por sessenta dias, cumulativas ou não, concedidas pelo Defensor Público-Geral do Estado, observado o disposto no inciso XX do art. 27 da Constituição do Estado(LEI COMPLEMENTAR Nº 111, DE 17 DE OUTUBRO DE 2005).[23]

Mato Grosso: Art. 81 Os membros da Defensoria Pública terão direito às férias anuais, coletivas e individuais, iguais aos membros da Magistratura e do Ministério Público(LEI COMPLEMENTAR N° 146, DE 29 DE DEZEMBRO DE 2003). [24]

Tocantins: Art. 26. Os Defensores Públicos têm direito a férias e correspondente adicional em conformidade com as regras estabelecidas para os Magistrados(Lei Complementar Estadual nº41/2004). [25]

Paraíba: art.55 Os Defensores Públicos terão férias anuais de sessenta dias, individual ou coletivamente, similar aos defensores da União e coincidentes com as da Magistratura Estadual(Lei Complementar Estadual nº 39/2002). [26]

Igualmente, vários entes federativos concedem este estímulo aos Procuradores Estaduais:

Maranhão: Art. 58 – Os Procuradores do Estado, após o primeiro ano de serviço, terão direito, anualmente, a férias regulamentares de 60 (sessenta) dias( Lei Complementar N.º 20 de 30 DE JUNHO DE 1994).[27]

Rio de Janeiro: Art. 66 – Os Procuradores do Estado gozarão férias individuais por 60 (sessenta) dias em cada ano(LEI COMPLEMENTAR Nº 15, DE 25 DE NOVEMBRO DE 1980).[28]

Paraíba: Art. 56. Os Procuradores do Estado terão direito a férias anuais, por 60 (sessenta) dias, que serão concedidas pelo Procurador Geral do Estado, no prazo de até doze meses após o período aquisitivo (LEI COMPLEMENTAR Nº 86 , DE 01 DE DEZEMBRO DE 2008 ).[29].


Rio Grande do Norte: Art. 104. Os Procuradores do Estado terão direito a férias anuais, por sessenta dias, conforme escala elaborada pelo Conselho Superior da Procuradoria Geral do Estado, publicada na primeira quinzena de dezembro de cada ano(Lei Complementar nº 240, de 27 de junho de 2002). [30]

Além desses benefícios, muitas carreiras jurídicas usufruem de benesses instituídas por leis estaduais, tais como licença-prêmio.

Os militares, por sua vez, também têm regime diferenciado de férias.

DECRETO Nº 71.533 – DE 12 DE DEZEMBRO DE 1972:

Art. 1º As férias dos militares tem a duração de:

I – 45 (quarenta e cinco) dias, para os oficiais generais; e

II – 30 (trinta) dias, para os demais militares.

Parágrafo único. O militar que servir em localidade especial, assim definida pelo Poder Executivo, tem direito a um adicional correspondente aos dias de viagem até o local de destino e de regresso à sede, até um limite de 15 (quinze) dias, caso vá gozar as férias fora da sede.

Até hoje, estranhamente, não se escreveu uma linha sobre as férias dos militares. Igualmente, vemos os parlamentares terem quase 90 dias de recessos e férias. Enquanto os estadunidenses olham o juiz como um membro de Poder, setores da imprensa tentam diminuí-lo.

Vejamos o conceito haurido dos norte-americanos:

Os juízes federais recebem salários e benefícios que são definidas pelo Congresso. Salários judiciais e benefícios pós-emprego são comparáveis aos recebidos pelos membros do Congresso e outros altos funcionários do governo.[31]

Isto repercute numa ampla gama de benefícios ao magistrado estadunidense. Senão vejamos:

O Poder Judiciário Federal oferece um pacote de remuneração muito competitiva total.

Remuneração total inclui não apenas os números que você vê em seu salário, mas também o "valor escondido" fornecida por seus benefícios de funcionários. Esta parte invisível do seu salário aumenta significativamente o valor total da sua remuneração.[32]

Assim, o juiz norte-americano tem, além de seu salário, seguro de saúde federal, plano dentário, plano de poupança, seguro de assistência. Isto sem falar na aposentadoria integral que é garantida pela Constituição ao magistrado.

Presidente Franklin Roosevelt resumiu o raciocínio do Congresso em seu bate-papo do Fireside 09 de março de 1937, quando declarou: "Acreditamos que tanto no interesse público para manter um Judiciário forte que incentivar a aposentadoria dos juízes idosos, oferecendo-lhes uma vida pensão em salário integral. "

Plano de Saúde Juízes federais, semelhantes aos membros do Congresso, estão cobertas pelo Empregado Federal de Saúde Benefícios do sistema e Medicare. Os juízes federais também são livres para adquirir saúde privada e seguro a longo prazo. [33]

Isto não destoa da realidade dos europeus, segundo relatório da União Europeia, a maioria dos países, além das férias e licenças, faculta benefícios adicionais a seus magistrados:

Na maioria dos estados ou entidades, os juízes podem ter benefícios adicionais à remuneração de base. Este não é o caso em 16 estados: Andorra, Armênia, Áustria, Bósnia e Herzegovina, Bulgária, Croácia, Finlândia, Grécia, Irlanda, Itália, Luxemburgo, Mônaco, Holanda, Eslovênia, Espanha e Suécia. Apenas 2 estados fornecer uma ampla gama de benefícios adicionais: na Romênia, os juízes podem se beneficiar de uma pensão especial, alojamento e outros benefícios financeiros. A Federação Russa é o único estado que – para além dos benefícios já mencionados para a Romênia – também se aplica uma tributação reduzida para seus juízes.

Outros benefícios para os juízes podem ser: abono salarial (Albânia, Malta, Montenegro, San Marino e Turquia), bônus para determinadas responsabilidades importantes (Chipre, Dinamarca, França, Hungria e Turquia), carga de trabalho e condições de trabalho (Albânia, Geórgia e Lituânia), as licenças para funcionamento e despesas de representação (Chipre, República Checa, Hungria, Irlanda, Montenegro), a indenização por dispensa (Estônia e Letônia), específicas de saúde e / ou seguros de vida (Estônia, Hungria, Letônia, Montenegro e Romênia), alojamento (Hungria e Montenegro) e disponibilidade de um carro e motorista (Malta) ou meios de transporte (Romênia). Hungria concede também a assistência mudar de casa, ajuda social e escolaridade, bem como o apoio da família. Andorra e Mônaco não oferecem benefícios adicionais aos procuradores. Malta e San Marino fornecer outros benefícios financeiros. Ao comparar as figuras 11.21 e 11.22, pode-se notar que a maioria dos estados de responder ou entidades (35) aplicar nenhuma diferença entre os benefícios adicionais concedidos aos juízes ou promotores. No entanto, mais estados e entidades não oferecem benefícios adicionais ao Ministério Público (24 versus 16 no que diz respeito juízes). Como ilustrado na figura abaixo 11,23, os estados menores atribuir uma pensão especial (11 contra 18), habitação instalações (9 v. 10) e outros benefícios financeiros (14 contra 20) ao Ministério Público.Isto ilustra que, num certo número de estados, os procuradores têm um estatuto diferente do que os juízes, são menos protegidas e às vezes não são socialmente reconhecido da mesma forma, dependendo das funções e da posição de promotores, dentro ou fora do o poder judicial. Finalmente, não há benefícios financeiros para os procuradores diferentes além da Federação Russa, onde eles têm meios de transporte para o cumprimento de suas funções oficiais. [34]

Percebam que mesmo os países que não concedem benefícios financeiros aos seus juízes, outorgam-lhe benefícios de férias estendidas, tais como Áustria, Irlanda, Itália e Espanha.

A isenção não se destina principalmente para beneficiar autoridades judiciais, mas baseou-se em política pública. Como disse Van Devanter Juiz da Suprema Corte dos Estados Unidos no caso de Evans vs Gore (253 dos EUA, 245):

O principal objetivo da proibição contra a diminuição não foi para beneficiar juízes, mas, como a cláusula em relação à posse, para atrair os homens bons e competentes para o banco e para promover a independência de ação e julgamento que é essencial para a manutenção da as garantias, limitações e princípios que permeiam a Constituição e à administração da justiça, sem respeito à pessoa e com igual preocupação com os pobres e os ricos. Sendo o seu objetivo, é para ser entendida, não como uma concessão privada, mas como uma limitação imposta no interesse público, em outras palavras, não de forma restritiva, mas de acordo com o seu espírito e o princípio sobre o qual ela procede.

(…)

Os mandamentos consitucionais e proibições seriam então reduzidos a uma forma estéril de palavras, se não houvesse órgão que poderia aplicá-la. O Supremo Tribunal é tal órgão. Seu recorde em derrubando excesso ou usurpação de autoridade por parte do Executivo é sem precedentes. Sua própria independência, pois, e que entre as várias agências judiciais, bem como, é da maior importância, não no interesse de magistrados e juízes, mas por causa do constitucionalismo. Se, como a opinião em Endencia vs David indica, a isenção de tributação ajuda para garantir que a independência continue, o preço vale bem a pena. Além disso, o preço não é de forma exorbitante.[35]

Como se vê a concessão de prerrogativas a juízes não é nenhuma jabuticaba. Não é uma invenção brasileira prestigiar uma carreira de tamanha importância para a democracia e que requer um conhecimento profundo, que se espraia por vários setores que vão desde a sociologia, filosofia e se aprofundando na ciência jurídica.


Os juízes federais, por outro lado, devem ter uma licenciatura em Direito; muitos anos de experiência para praticar a lei, no mais alto nível, e muitas vezes a experiência, como um juiz estadual, também. Normalmente, eles estão entre os melhores e mais brilhantes de sua profissão. A classificação ABA pobre pode afundar um candidato, e apesar das fendas causadas por brigas confirmação políticos, todos em ambos os lados do corredor concorda que os candidatos, no mínimo, devem ser advogados pendentes. E não só isso: Eles também devem ter o temperamento, inteligência e experiência para impor respeito no banco. (Quem, por exemplo, pagaria Denny Hastert 200.000 dólares por ano para fazer alguma coisa?)

Não é de admirar, então, que a maioria dos homens e mulheres que estão selecionados para a bancada federal têm sido, ou poderiam ser, entre os mais bem pagos práticas de advogados privados no país. O tipo de pessoa que é o juiz federal é ideal geralmente também o candidato ideal para se tornar um sócio sênior em uma empresa de prestígio, ou o conselho geral de uma grande corporação. [36]

Saliente-se que os que lutam em prol da diminuição das férias forenses, são profissionais aquinhoados com prerrogativas legais que não se estendem aos magistrados.

Há, dentre outras, as seguintes jornadas de trabalho diferenciadas: médico, quatro horas; advogados, quatro horas; jornalistas, cinco horas; músicos, cinco horas; aeronautas, vinte horas semanais; engenheiros e arquitetos, seis horas diárias.

Nenhuma pessoa sensata levanta a bandeira de eliminar estas jornadas especiais, para que acabassem as filas nos postos de saúde, ampliassem o acesso à justiça, aumentassem o acesso à informação, e eliminassem o caos aéreo.

Tais jornadas de trabalho diferenciadas se justificam, tal como as férias ampliadas, na necessidade de se prevenir mazelas físicos e mentais e almejando uma melhor qualidade de prestação de serviço.

Com isto lembramos argumento que remonta a Júlio César, que é o tu quoque. As últimas palavras de César quando se viu apunhalado por seu filho adotivo Brutus, marcaram a surpresa. Critica-se o acusador porque ele não tem a altivez necessária para se valer do aludido argumento. Tal argumento está também no Evangelho[37]. Muitos setores criticam as férias judiciais porque o trabalhador comum não tem este direito. Entretanto, os trabalhadores não têm a jornada de trabalho do médico de quatro horas, não tem a hora extra do advogado de cem por cento.

O jornalista, o advogado, o médico, o músico, privilegiados, não têm como criticar o magistrado por férias quando eles têm também suas regalias, o que, em verdade, são peculiaridades da profissão, tal como as férias judiciais.

Além das jornadas especiais de trabalho, profissões há que usufruem de outros benefícios especiais: policiais se aposentam cinco anos antes, com licença-prêmio a cada cinco anos. Buscou-se assegurar um descanso prematuro para aqueles que se dedicam à proteção da vida e patrimônio na sociedade. Agora, se nós não acabássemos este “privilégio” não teríamos mais segurança?

Igualmente, professores dispõem de aposentadoria especial, antecipando a aposentadoria cinco anos antes. A finalidade da norma ao conceder este benefício,e não privilégio, foi prestigiar uma profissão marcada pela estafa mental, defendendo o profissional do desgaste físico e no nítido objetivo de melhorar o ensino. Entretanto, terminando com o regime dos professores não teríamos maior acesso à educação?

Com isto, não se defende a extinção destas garantias profissionais, mas almeja-se demonstrar que a solução da lentidão e morosidade processuais vai muito além do que a simplória medida de redução das férias judiciárias.

As férias judiciais e o princípio da igualdade

"As discriminações são recebidas como compatíveis com a cláusula igualitária apenas e tão-somente quando existe um vínculo de correlação lógica entre a peculiaridade diferencial acolhida por residente no objeto, e a desigualdade de tratamento em função dela conferida, desde que tal correlação não seja incompatível com interesses prestigiados na Constituição[38]".

O regime de férias dos magistrados é uma consequência inexorável da quantidade de deveres e restrições impostas, pelo grau de estresse do cargo.

Acabando com as férias dúplices, o juiz trabalhará com outra coisa senão magistério? Deixará de morar na comarca, valendo-se do trabalho telepresencial? Terá jornada de trabalho do advogado com hora-extra deste? Receberá em dobro por plantão realizado? Receberá adicional de ajuda de custo por morar fora de sua residência? Candidatar-se-á a cargos eletivos e dedicar-se à atividade política? Receberá participação nas custas processuais tais como os titulares de serventias extrajudiciais? Adquirirá bens em leilões judiciais? Exercerá cargo de direção ou técnico de sociedade civil, associação ou fundação, de qualquer natureza ou finalidade, salvo de associação de classe, e sem remuneração?

Não custa lembrar que a aposentadoria integral foi tolhida para os juízes brasileiros, os quais correm o sério risco de figurarem no pior plano de carreira do mundo.

Desde a Emenda à Constituição 45/2003, exige-se do candidato ao cargo de magistrado o mínimo de três anos de prática jurídica. Tal comprovação envolve necessariamente requisitos alternativos como aprovação de um concurso no qual há desempenho de atividade jurídica ou no exame da Ordem dos advogados do Brasil.

Recentemente, houve melhora no índice de aprovação do exame da Ordem dos Advogados do Brasil, chegando ao percentual de 24% dos candidatos. Um em cada quatro candidatos logrou sucesso. Inegavelmente, é um avanço ante os índices obtidos em anos passados, os quais beiravam 8%.

Portanto, um em cada quatro formados, nas 1,1 mil instituições de ensino jurídico no Brasil, dados estes trazidos pela reportagem, poderão participar de certames para magistrados no Brasil.

O Tribunal Regional Federal da 1ª Região a cada concurso procura detalhar, através de números, a realidade do certame por ele promovido.

No concurso realizado em 2007[39], aprovaram-se 38 dos 3.212 inscritos. Apenas 1,18% dos participantes obtiveram sucesso. Foram três advogados da União, dois auditores, dois delegados da polícia federal, três juízes de Direito, três procuradores, treze procuradores federais, um militar, um procurador da República e um promotor de Justiça e dois advogados.

A estatística revela que a magistratura não é mais interessante para a advocacia privada, pois a quantidade de advogados inscritos, 1.261, representa quase um terço do número de candidatos do certame, 3.212. Diversamente, o 26º concurso para Procurador da República teve 9,5 mil inscritos[40].

Na área estadual, há a mesma defasagem, no concurso para magistrado no Rio de Janeiro, inscreveram-se 2.337 candidatos[41], já no certame para Promotor de Justiça do Rio de Janeiro[42], foram 4.853 participantes, por outro lado o concurso para Defensor Público do Estado do Rio de Janeiro[43] teve 6.997 inscritos.

Os números, portanto, informam que a maioria dos magistrados veio de outras carreiras de funcionários públicos, dentre elas promotores, procuradores, servidores e delegados. Estes servidores que migraram de cargo, às vezes melhor remunerados, e com os mesmos benefícios de férias dúplices não serão injustiçados? Não houve a quebra da confiança por parte do Estado que lhes tirou um direito se tivessem ficado no seu cargo?

Sob outro prisma, já se foi o tempo em que os subsídios da magistratura eram os maiores do funcionalismo. Atualmente, consultores legislativos, membros do ministério público, titulares de cartório, defensores públicos estaduais, procuradores estaduais e municipais já estão em melhor situação remuneratória. Alguns deles desfrutam, além das férias dúplices, de licença-prêmio. Diante do quadro salarial da carreira, com a corrosão do subsídio, que hoje está em trinta e três por cento, as férias são, ainda, um dos poucos estímulos para atividade. É o único benefício que a carreira tem para atrair bons profissionais que enveredariam para os grandes escritórios de advocacia.

Os maiores críticos à magistratura dizem que mesmo com o fim do regime de férias dos juízes estes ficarão porque são vocacionados. É claro que a magistratura é vocação, é entrega à prática da Justiça, mas não devemos olvidar que ela é composta por seres humanos que precisam alimentar seus filhos e ter uma vida digna e sadia. Ninguém dúvida que o sacerdócio é vocação, entretanto milhares de municípios no Brasil aguardam seus padres residentes. Igualmente, milhares de municípios aguardam médicos nas regiões mais longínquas do país, mesmo com as prefeituras oferecendo uma remuneração estimulante, e vários benefícios, tais como moradia, e custeando as despesas para a manutenção da casa.

Diante desse cenário, percebe-se que o regime de férias dos magistrados muito mais que um privilégio é uma retribuição à complexidade do cargo, seu nível de estresse e um incentivo para quem deseja aceitar os inerentes ao mister.

Terminando o regime de férias dos juízes, e mantendo todas as suas restrições, caminharemos para uma crescente dificuldade na aprovação dos concursos, aposentadoria precoce de magistrados, e evasão de membros da carreira, principalmente os mais jovens, que preferirão cargos melhor remunerados e com mais benefícios.

A magistratura, com isso, perderá o caráter de carreira jurídica de destaque e tornar-se-á, cada vez mais, uma atividade de passagem.

Portanto, o benefício das férias dúplices muito além de um privilégio ou uma invenção brasileira, é uma legítima retribuição a um cargo com elevada carga de estresse e uma imensa gama de deveres, um reconhecimento da importância de uma atividade para o Estado democrático de Direito, e uma medida de Justiça.


[1] WOODWARD, Bob; ARMSTRONG, Scott. Por detrás da Suprema Corte. São Paulo: Saraiva, 1985, pg. 37, Saraiva(grifos nossos)

[2] In http://gretawire.foxnewsinsider.com/2011/06/27/the-supreme-court-lazy-or-dont-they-care-or-worse-both, acesso em 15/04/2012

[3] “Ele, os juízes, visto por nós,advogados”

[4] Estudo de Direito Comparado sobre o período de férias judiciais em http://www.oa.pt/upl/%7Bf072be6f-4936-4576-8fd8-3829cc22db93%7D.pdf, acesso em 15/04/2012.

[5] In http://www.justice.gov.za/reportfiles/court%20recess_2003/crr_ch4.pdf, acesso em 15/04/2012.

[6] Panel to examine long vacations for Supreme Court judges , in http://news.vakilno1.com/2007/12/panel-to-examine-long-vacations-for.html

[7] REFORMS IN THE JUDICIARY – SOME SUGGESTIONS, GOVERNMENT OF INDIA LAW COMMISSION OF INDIA, in http://lawcommissionofindia.nic.in/reports/report230.pdf, acesso em 15/04/2012

[8] Itália é a campeã de lentidão judicial na Europa, In http://www.conjur.com.br/2012-abr-14/italia-pais-europeu-acionado-causa-lentidao-justica, acesso em 15/04/2012.

[9] Troika bid to cut judicial holidays, In http://www.lawgazette.co.uk/news/cut-judges039-holidays-save-economies-says-troika, acesso em 15/04/2012.

[10] Falcão, Joaquim. Se juiz tiver 30 dias, produtividade aumentará, in http://www.conjur.com.br/2010-mar-12/juiz-tiver-30-dias-ferias-produtividade-aumentara-despesa-caira, acesso em 15/04/2012

[11]in http://www.pgdlisboa.pt/pgdl/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=1270&tabela=leis&nversao=

[12] in http://www.pgdlisboa.pt/pgdl/leis/lei_busca_art_velho.php?nid=1&artigonum=1A0012&diplomaversao=Lei+n.%BA+3%2F99%2C+de+13+de+Janeiro, acesso em 15/04/2012

[13] Brasil tem oito juízes para cada cem mil habitantes, in http://www.conjur.com.br/2011-fev-12/media-brasil-oito-juizes-cada-cem-mil-habitantes, acesso em 15/04/2012

[14]PASTORE, José. A culpa é da Justiça do Trabalho? em http://www.josepastore.com.br/artigos/rt/rt_056.htm, acesso em 15/04/2012.no original não há grifos.

[15] Brasil tem 86,6 milhões de processos em andamento, em http://www.conjur.com.br/2010-set-14/brasil-866-milhoes-processos-andamento-afirma-cnj, acesso em 15/04/2012.

[16] Não julgueis para não serem julgados.Mateus, 7,1.

[17]Alves, Francisco Glauber Pessoa, Imensa maioria dos juízes não tem regalias, in http://www.conjur.com.br/2012-jan-26/fim-ferias-60-dias-afastara-bons-profissionais-magistratura, acesso em 15/04/2012.

[18] LIPP, Marilda E. Novaes e Tanganelli, M. Sacramento. Stress e Qualidade de Vida em Magistrados da Justiça do Trabalho: Diferenças entre Homens e Mulheres, em http://www.scielo.br/pdf/prc/v15n3/a08v15n3.pdf, acesso em 15/04/2012.

[19] in http://www.youtube.com/watch?v=58k6QPCytHE, acesso em 15/04/2012.

[20] LIPP, Marilda E. Novaes e e Tanganelli, M. Sacramento. Stress e Qualidade de Vida em Magistrados da Justiça do Trabalho: Diferenças entre Homens e Mulheres, em http://www.scielo.br/pdf/prc/v15n3/a08v15n3.pdf, acesso em 15/04/2012

[21] In http://www.defensoria.ba.gov.br/portal/arquivos/downloads/lei_organica%20dpe.pdf, acesso em 15/04/2012.

[22]In http://www.defensoria.ba.gov.br/portal/arquivos/downloads/lei_organica%20dpe.pdf, acesso em 15/04/2012.

[23] In http://www.anadep.org.br/wtksite/cms/conteudo/8367/20_MatoGrossoSul_Leicomp111_05.pdf, acesso em 15/04/2012

[24] In http://www.defensoriapublica.mt.gov.br/arquivos/A_6755d16f44679dd0162532cce9a8dcb2LCE_146_Lei_Estadual_da_Defensoria_Publica.pdf, acesso em 15/04/2012.

[25] In http://www.condege.org.br/documentos/leis/tocantins.pdf, acesso em 15/04/2012.

[26] In http://www.condege.org.br/documentos/leis/paraiba.pdf, acesso em 15/04/2012.

[27] In www.pge.ma.gov.br/pagina.php?Acao=D&IdArq=52&Ext=pdf, acesso em 15/04/2012.

[28] In http://alerjln1.alerj.rj.gov.br/contlei.nsf/a99e317a9cfec383032568620071f5d2/f4ff81f34af7713c032565df007155b1?OpenDocument, acesso em 15/04/2012.

[29] https://www.pge.pb.gov.br/portal/legislacao/lei-complementar-no-86-lei-organica-da-procuradoria-geral-do-estado-com-veto.pdf/download

[30] In http://www.gabinetecivil.rn.gov.br/acess/pdf/leicom240.pdf, acesso em 15/04/2012.

[31] In http://www.uscourts.gov/uscourts/FederalCourts/Publications/English.pdf, acesso em 15/04/2012.

[32] In http://www.uscourts.gov/Careers.aspx, acesso em 15/04/2012.

[33]US court Retirement Benefits In http://usgovinfo.about.com/od/uscourtsystem/a/scotusretire.htm, acesso em 15/04/2012

[34] European judicial systems. Edition 2010 (data 2008): Efficiency and quality of justice European Commission for the Efficiency of Justice (CEPEJ), In https://wcd.coe.int/com.instranet.InstraServlet?command=com.instranet.CmdBlobGet&InstranetImage=1694098&SecMode=1&DocId=1653000&Usage=2, acesso em 15/04/2012

[35] In http://law.upd.edu.ph/plj/images/files/PLJ%20volume%2028/PLJ%20volume%2028%20number%205%20-04-%20Enrique%20M.%20Fernando%20-%20Constitutional%20Law.pdf, acesso em 15/04/2012.

[36] In DEAN, John W..Mal pagos e sobrecarregados, http://writ.news.findlaw.com/dean/20061103.html, acesso em 15/04/2012.

[37] Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas! Pois que sois semelhantes aos sepulcros caiados, que por fora parecem formosos, mas interiormente estão cheios de ossos de mortos e de toda imundícia. Assim, também vós exteriormente pareceis justos aos homens, mas interiormente estais cheios de hipocrisia e de iniqüidade.” Mt 23:27-28

[38] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Conteúdo jurídico do princípio da igualdade. Malheiros Editores, 3a. Edição, 5a Tiragem, 1998, pg. 21.

[39] Estatística do 12.º Concurso para provimento de cargos de Juiz Federal substituto, In http://www.trf1.jus.br/Consulta/Concurso/Jfs/Trf/012/Arquivos/CJRRDES01%20Estat%C3%ADstica%20XII%20Concurso.PDF ),acesso em 15/04/2012.

[40] In http://jcconcursos.uol.com.br/Concursos/Noticiario/concurso-procurador-mpf-inscritos-34984, acesso em 15/04/2012.

[41] In http://portaltj.tjrj.jus.br/c/document_library/get_file?uuid=5f38b2fe-aabc-42d7-92d9-7a6231cdfd2e&groupId=10136, acesso em 15/04/2012.

[42] In http://www.mp.rj.gov.br/portal/page/portal/Internet/Concursos/Promotor/XXXI_concurso/Estatisticas.pdf, acesso em 15/04/2012.

[43] In http://aurora.proderj.rj.gov.br/portaldpge/imagem-dpge/public/concurso/20100524_162442_CANDIDATOS_ALFABETICA_INTERNET.pdf, acesso em 15/04/2012.

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