Depois do mensalão

Atração de prerrogativa por conexão deve acabar

Autor

  • Rodrigo Pires Ferreira Lago

    é advogado conselheiro federal suplente e ex-presidente da Comissão de Estudos Constitucionais da OAB/MA. Diretor-geral da Escola Superior de Advocacia do Maranhão OAB/MA. Membro do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB) fundador e articulista do site Os Constitucionalistas (www.osconstitucionalistas.com.br).

18 de fevereiro de 2013, 16h08

O julgamento da Ação Penal 470 é considerado por alguns o maior já realizado pelo Supremo Tribunal Federal. O Tribunal dedicou seus esforços durante um semestre, quase exclusivamente, ao julgamento de mérito deste processo. Neste processo, histórico, vários réus foram condenados por crimes contra a administração pública, incluindo altas autoridades do passado recente, e que compõem o grupo político que ainda governa o Brasil.

Os números deste julgamento de mérito impressionam. Foram 53 sessões dedicadas apenas ao julgamento de mérito da ação, tendo o Tribunal sido obrigado a aprovar previamente um cronograma próprio, marcando sessões extraordinárias do Plenário durante todo o segundo semestre de 2012. Algumas vezes, o Supremo Tribunal Federal realizou sessões durante todos os dias da semana. Ao advogado ou defensor de cada um dos 38 réus foi garantido o direito de sustentar oralmente as suas razões de defesa durante uma hora, totalizando, sem eventuais intervalos, 38 horas somente de sustentações orais. Ao final, somente da fase pública do processo, e ainda antes da publicação do acórdão de condenação, foram redigidos 26 acórdãos, entre o recebimento da denúncia, agravos regimentais e questões de ordem.

É inegável o simbolismo deste julgamento, a representar a bandeira contra a impunidade dos poderosos. Mas, após este julgamento, várias questões ainda suscitam controvérsias, tanto em matéria penal, como também em matéria constitucional, incentivando os debates. E certamente a questão que merece maior atenção diz respeito ao foro por prerrogativa funcional, especialmente quanto a extensão da competência do Supremo Tribunal Federal a réus que não detém como prerrogativa o foro funcional.

O presente artigo busca analisar a compatibilidade com o texto constitucional da prorrogação legal da competência, por conexão, do Supremo Tribunal Federal para o julgamento de acusados que não detém prerrogativa de foro funcional.

A Ação Penal 470 e a competência penal do STF por conexão
Após se tornar público, no Congresso Nacional, o que seria o denominado “Escândalo do Mensalão”, foi instaurado procedimento de investigação criminal para apurar os fatos. Considerando a presença de vários deputados federais, o inquérito tramitou sob a fiscalização do Supremo Tribunal Federal, tendo sido autuado como Inquérito 2.245.

Concluídas as investigações, o procurador-geral da República ofereceu denúncia contra 40 réus, por diversos crimes contra a Administração Pública. Antes de deliberar sobre o recebimento da denúncia, que poderia resultar na instauração de ação penal contra os até então denunciados, o ministro Joaquim Barbosa apresentou o processo em mesa, no Plenário, para a deliberação sobre uma questão de ordem que formulou — registrada como a segunda questão de ordem na Ação Penal 470. Nesta, seria discutido o pedido de alguns dos denunciados para que o processo fosse desmembrado, de forma que apenas os acusados com prerrogativa de foro permanecem sendo processados e julgados pelo Supremo Tribunal Federal.

Conforme relatou o ministro Joaquim Barbosa, a questão de ordem foi suscitada por alguns dos denunciados ao argumento de que a reunião do processo perante o Supremo Tribunal Federal ofenderia a garantia constitucional de razoável duração do processo. Seria mais morosa a tramitação de uma ação penal, com 40 réus, e no Supremo Tribunal Federal, que se tramitasse perante o juízo comum.

Ao final, o ministro Joaquim Barbosa propôs o desmembramento do processo, e deveria permanecer no Supremo Tribunal Federal apenas os acusados ocupantes de cargos com foro funcional na própria Corte. Mas a sua proposta foi rejeitada, por maioria, e assim ficou ementado o acórdão da questão de ordem:

QUESTÃO DE ORDEM. INQUÉRITO. DESMEMBRAMENTO. ARTIGO 80 DO CPP. CRITÉRIO SUBJETIVO AFASTADO. CRITÉRIO OBJETIVO. INADEQUAÇÃO AO CASO CONCRETO. MANUTENÇÃO INTEGRAL DO INQUÉRITO SOB JULGAMENTO DA CORTE. Rejeitada a proposta de adoção do critério subjetivo para o desmembramento do inquérito, nos termos do artigo 80 do CPP, resta o critério objetivo, que, por sua vez, é desprovido de utilidade no caso concreto, em face da complexidade do feito. Inquérito não desmembrado. Questão de ordem resolvida no sentido da permanência, sob a jurisdição do Supremo Tribunal Federal, de todas as pessoas denunciadas. (STF – Inq-QO-QO 2245, Relator ministro JOAQUIM BARBOSA, julgado em 06/12/2006, publicado em 09/11/2007, Tribunal Pleno)

Ao analisar os debates nesta questão de ordem, em todas as 120 laudas do acórdão que a decidiu, verifica-se que a controvérsia gravitou tão somente sobre a conveniência ou não do desmembramento da ação penal, observada a faculdade prevista no artigo 80 do Código de Processo Penal, uma vez que havia conexão entre as ações contra cada um dos réus, nos termos do artigo 76 do Código de Processo Penal.

Por certo, nestes debates, a única referência sobre o aspecto constitucional, mesmo que indireta, foi feita pelo ministro Gilmar Mendes. O ministro assentou que a norma do artigo 76 do Código de Processo Penal, “como de resto a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal indica, ao longo de anos, nunca foi apontada como inconstitucional, ainda que envolvesse absorção de competências de outras instâncias em razão de co-autoria” (STF – Inq-QO-QO 2245, op. cit., voto do ministro GILMAR MENDES, p. 61-62). Todavia, o ministro Gilmar Mendes, como também o próprio Supremo Tribunal Federal, não se debruçou na oportunidade sobre a questão constitucional mais sensível, se poderia uma norma infraconstitucional modificar ou ampliar a competência do Supremo Tribunal Federal.

Em voto que analisa a questão sob o aspecto histórico, o ministro Celso de Mello pontua que a Constituição de 1988, “pretendendo ser republicana, mostrou-se estranhamente aristocrática” (STF – Inq-QO-QO 2245, op. cit., voto do ministro CELSO DE MELLO, p. 84). O registro foi feito porque a Constituição de 1988 ampliou significativamente o rol de autoridades com a prerrogativa de foro criminal perante o Supremo Tribunal Federal, enquanto na Constituição do Império, de 1824, apenas poucas autoridades possuíam essa prerrogativa.

Após o intenso debate, limitado aos aspectos infraconstitucionais, o Supremo Tribunal Federal decidiu não acolher a proposta do ministro Joaquim Barbosa, e manteve a unidade e a reunião das ações penais, atraindo para si a competência para julgar, originariamente, pessoas que não tinham aquele Tribunal como os seus juízes naturais.

A única ressalva ao que afirmado diz quanto ao voto do ministro Marco Aurélio, que no julgamento da segunda questão de ordem sustentou que “a competência do Supremo é, no campo penal, estrita, conforme prevista na Constituição Federal”, e que “somente aqueles mencionados na Carta da República devem ser julgados, no campo penal, pelo Supremo” (STF – Inq-QO-QO 2245, op. cit., voto do ministro MARCO AURÉLIO, p. 81). Mas, sob este fundamento, o voto do ministro Marco Aurélio foi voz isolada no Plenário, e se somou aos outros votos vencidos apenas no dispositivo, porque propôs o desmembramento, apesar da fundamentação diversa.

Superada a questão de ordem, permanecendo unificado todo o processo, incluindo todos os 40 réus, a tramitação prosseguiria perante o Supremo Tribunal Federal até que restasse maduro para julgamento acerca do recebimento da denúncia e consequente instauração de ação penal. Neste momento, novamente foi suscitada pela defesa, em preliminar, a questão da prorrogação da competência do Supremo Tribunal Federal, por conexão, para alcançar réus que não dispunham de foro criminal originário perante a Corte.

O ministro Ricardo Lewandowski chegou a propor que o Tribunal revisitasse a questão acerca da conexão das ações penais, desta vez “sob uma perspectiva ainda não enfrentada, de maneira a resolver não apenas a objeção aqui arguida, mas também para balizar futuras decisões que venha a prolatar em situações análogas” (voto do ministro RICARDO LEWANDOWSKI em questão de ordem sobre o desmembramento no julgamento de mérito na Ação Penal 470, proferido em 02/08/2012). Neste voto, o ministro Lewandowski registrou que a competência do STF é taxativamente definida na Constituição, não cabendo ampliá-la por força de lei. Todavia, apenas o ministro Marco Aurélio o acompanhou, decidindo os demais que a matéria estaria preclusa e que já não caberia desmembrar a ação na fase em que já se encontrava.

A jurisprudência do STF sobre a competência penal originária por conexão
O Supremo Tribunal Federal possui entendimento consolidado em sua jurisprudência acerca da atração para a sua competência, por conexão, de ações penais que deveriam ser julgadas originariamente por outros foros. A consolidação desta jurisprudência, nunca abalada, acabou servindo à edição de um verbete sumular:

Súmula STF n° 704 — Não viola as garantias do juiz natural, da ampla defesa e do devido processo legal a atração por continência ou conexão do processo do co-réu ao foro por prerrogativa de função de um dos denunciados. (STF – Súmula n° 704 – DJU 09.10.2003)

Nos diversos precedentes que serviram ao Supremo Tribunal Federal, o ponto central da recorrente discussão dizia respeito igualmente ao alcance dos artigos 76 e 80 do Código de Processo Penal. Em geral, o debate nestes precedentes foi travado apenas acerca da existência ou não de conexão de entre as ações dos vários acusados, detentores e não detentores de foro funcional. Foi assim no HC 68.846 (Relator Ministro ILMAR GALVÃO, julgado em 02/10/1991, Tribunal Pleno); no RE 170.125 (Relator Ministro ILMAR GALVÃO, julgado em 20/09/1994, Primeira Turma); no HC 75.841 (Relator Ministro OCTAVIO GALLOTTI, julgado em 14/10/1997, Primeira Turma); e no HC 74.573 (Relator Ministro CARLOS VELLOSO, julgado em 10/03/1998, Segunda Turma).

Nestes julgamentos, que serviram de justificativa para a edição do verbete sumular, a questão acerca da prorrogação da competência do Supremo Tribunal Federal por conexão das ações penais não foi debatida à luz da própria Constituição, ou de alguma regra expressa em seu texto, mas somente das regras previstas no Código de Processo Penal.

Apesar de não tratar de conexão de ações penais, o RCH 79.785 (Relator ministro SEPÚLVEDA PERTENCE, Tribunal Pleno, julgado em 29/03/2000, DJ 22-11-2002, p. 00057) trouxe importante debate acerca do foro por prerrogativa de função e a suposta ofensa à garantia do duplo grau de jurisdição. Na oportunidade, o Supremo Tribunal Federal assentou que a garantia ao duplo grau de jurisdição, expressa em convenção internacional não poderia se sobrepor ao texto constitucional, só podendo ser invocada quando possível, o que não seria a hipótese das ações penais originárias.

O precedente mais importante da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal acerca da prorrogação de sua competência por conexão entre ações penais, incluindo acusados que não possuem foro por prerrogativa funcional, é registrado na Petição 760 (Relator ministro MOREIRA ALVES, Tribunal Pleno, julgado em 08/04/1994, DJ 17-06-1994, p. 15720). Nesta, o Supremo Tribunal Federal enfrentou a questão sob o aspecto constitucional, mas o fez de forma rasa, sem maiores debates, cujos argumentos serão enfrentados mais adiante.

Esta é a jurisprudência que se formou no Supremo Tribunal Federal sobre a matéria, a envolver a conexão entre ações penais propostas contra autoridades com prerrogativa de foro funcional, e pessoas desprovidas desta prerrogativa funcional.

Mutação constitucional
A problemática da prorrogação da competência do Supremo Tribunal Federal em caso de conexão entre ações penais originárias e as ações penais contra outros cidadãos sem o foro funcional no STF evidencia a necessidade de mutação constitucional.

Luis Roberto Barroso denomina de “interpretação constitucional evolutiva” o fenômeno de se atribuir “novos conteúdos à norma constitucional, sem modificação do seu teor literal”. Ele afirma ser isso necessário sempre “em razão de mudanças históricas ou de fatores políticos e sociais que não estavam presentes na mente dos constituintes” (BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição: fundamentos de uma dogmática constitucional transformadora. 7ª ed. rev. – São Paulo: Saraiva, 2009, p 151).

Este mesmo fenômeno, da interpretação evolutiva da Constituição, é também tratado na doutrina como mutação constitucional, como denomina Inocêncio Coelho, assim conceituando:

Conseqüência dessa abertura para o mutante, toda interpretação é apenas um experimento em marcha, assim como a idéia de uma interpretação definitiva é uma contradição nos termos, na sempre oportuna lição de Hans-Georg Gadamer. Afinal, se tudo se transforma, se ninguém se banha duas vezes no mesmo rio – como se prende com Heráclito -, seria uma excrecência que só a vida do direito escapasse ao panta rhei da eterna transformação. (MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 156)

De logo se observa que toda a interpretação de um texto legal é apenas “um experimento em marcha”, como citou Inocêncio Coelho, não podendo ser estanque e imutável. As “evoluções históricas ou de fatores políticos”, como defende Barroso, exigem também a evolução da interpretação constitucional, para do mesmo texto se extrair uma nova norma.

Não é nova a questão acerca da prorrogação da competência do Supremo Tribunal Federal, por conexão, alcançando também acusados que não respondem originariamente perante a Corte. É verdade que a jurisprudência sempre admitiu a atração do foro criminal para os corréus das autoridades com foro funcional, ressalvando a faculdade do desmembramento do processo, nas hipóteses e pelos motivos versados no artigo 80 do Código de Processo Penal. Entretanto, a jurisprudência expressada no verbete da Súmula 704 do Supremo Tribunal Federal merece urgente revisão.

A prerrogativa de foro criminal ainda exige melhor conformação pelo Supremo Tribunal Federal. É antiga a previsão de ações penais originárias perante o órgão de cúpula do Poder Judiciário — desde a Constituição do Império, de 1824, algumas altas autoridades já gozavam desta prerrogativa, e eram processadas e julgadas originariamente pelo Supremo Tribunal de Justiça[1].

Porém, as peculiaridades que ora se apresentam, já após a Constituição de 1988, e após a modificação promovida pela Emenda Constitucional 35/2001 à Constituição de 1988, e outras peculiaridades deste momento histórico, indicam a necessidade de formação de uma nova norma constitucional, ainda que a partir do mesmo texto constitucional, aplicando-se o fenômeno da mutação constitucional ou da interpretação constitucional evolutiva.

No julgamento de mérito da Ação Penal 470, cujo acórdão ainda não foi publicado, o ministro Dias Toffoli registrou que, até a Emenda Constitucional 35/2001, o Supremo Tribunal Federal pouco havia se debruçado sobre a matéria do desmembramento de inquéritos e ações penais. É que os congressistas gozavam da conhecida imunidade formal, também chamada imunidade processual. Era da competência de cada uma das Casas do Congresso Nacional, respectivamente, autorizar o processamento criminal de um de seus membros. Não sendo autorizado o processamento da ação penal, o prazo prescricional ficaria suspenso enquanto durasse a suspensão da ação. Nesta hipótese, era comum o desmembramento da ação, porque a suspensão da prescrição só alcançaria o próprio congressista, beneficiado da imunidade formal. Assim, se os demais acusados fossem mantidos sob a jurisdição do Supremo, com o processo suspenso, seriam fatalmente beneficiados pela extinção da punibilidade em razão da prescrição da pretensão punitiva.

Todavia, a partir da Emenda Constitucional 35/2001, foi alterado o denominado estatuto do congressista, e a suspensão do processo penal contra os deputados e senadores deixou de ser a regra, e passou a ser uma situação excepcionalíssima. Somente seria obstado o processamento de uma ação penal contra um congressista se assim fosse decidido pela sua Casa legislativa. A regra passou a ser a processabilidade do congressista. Somente a partir deste novo quadro, o Supremo Tribunal Federal passou efetivamente a conviver com a problemática da conexão de ações penais entre réus com foro funcional, e réus sem foro funcional.

Esse registro não passou despercebido pelo Supremo Tribunal Federal. O ministro Celso de Mello, durante os debates no julgamento de mérito da Ação Penal n° 470, pontuou: “Só a partir de 2002 é que o Supremo Tribunal Federal passou, em matéria de competência penal originária, a exercer em plenitude”[2].

E de fato, o tempo é relativamente curto para que se pudesse ter uma exata noção das consequências que seriam causadas ao Tribunal caso continuasse aplicando a jurisprudência anterior, de seguir aplicando a prorrogação da competência por conexão de ações, mesmo quando o corréu não exerce função com prerrogativa de foro.

Para se compreender o risco de uma interpretação ampliativa da competência do Supremo Tribunal Federal, através do instituto da conexão, é necessário primeiro apurar quantas são as autoridades potencialmente sujeitas à jurisdição do Tribunal, segundo o art. 102, I, “b” e “c” da Constituição. Veja-se o quadro abaixo:

Presidente e vice-presidente da República 2
Deputados federais 513
Senadores da República 81
Ministros do STJ 33
Ministros do TST 27
Ministros do TSE 2 [1]
Ministros do STM 15
Ministros do STF 11
Procurador-Geral da República 1
Ministros de Estado, e equiparados, e comandantes das Forças Armadas  42 [2]
Ministros do TCU 9
Chefes de missão diplomática de caráter permanente 63 [3]
TOTAL 799
[1] Só foram incluídos dois ministros do TSE, que são os da classe de advogados, pois os demais já se encontram possuem foro funcional no Supremo Tribunal Federal pelos cargos que os habilitam a integrar o TSE.
[2] Números considerados os ministérios atualmente existentes, e os cargos equiparados aos de ministro de Estado.
[3] Números atuais de embaixadas brasileiras instaladas no exterior.

Como se observa, alcançados direta e inequivocamente pelo texto constitucional, já se tem quase oitocentas autoridades com prerrogativa de foro. E nesta soma não se incluiu os eventuais suplentes de parlamentares, em exercício, substituindo parlamentares licenciados para assuntos particulares, por motivo de saúde, ou para assumirem secretárias dos estados ou das capitais. Certamente, há mais de oitocentas autoridades submetidas à jurisdição do Supremo Tribunal Federal. E ainda é iminente, e razoável, a alteração do texto constitucional para incluir, dentre as autoridades com foro originário no Supremo, os membros do Conselho Nacional de Justiça e do Conselho Nacional do Ministério Público.

Convém aumentar ainda mais este número para outras pessoas que sequer exercem funções públicas? Convém atrair para o Tribunal ações, embora decorrentes de crimes conexos, que seriam de competência de juízos de primeira instância?

Até antes da Emenda Constitucional 35/2001, apesar do número expressivo de autoridades ser o mesmo, poder-se-ia subtrair destas autoridades os quinhentos e noventa e quatro congressistas, entre senadores e deputados, porque ambas as casas do Congresso Nacional nunca apreciavam os pedidos para o prosseguimento de ações penais. Assim, o processo ficava suspenso, aguardando-se o fim do mandato parlamentar. Só então, encerrado o mandato parlamentar, ele poderia ser processado, mas em primeira instância. Antes disso, porém, já se teria desmembrado a parte referente aos acusados não dotados de foro funcional. Nessa quadra, das oitocentas autoridades, estavam submetidos diretamente à jurisdição do Supremo Tribunal Federal, sem a indesejável suspensão automática da ação penal, apenas duzentas.

Mas, a partir da Emenda Constitucional 35/2001, além do considerável aumento da quantidade de autoridades sujeitas diretamente ao foro do Supremo Tribunal Federal, sem a imunidade formal dos parlamentares, as ações que antes permaneciam suspensas desde longas datas na Secretaria do Tribunal, por falta de autorização pela respectiva Casa do Congresso Nacional, voltaram a ter curso normal. E as novas ações que foram propostas após este momento histórico já passaram a tramitar regulamente desde o seu protocolo, e sequer foram paralisadas.

E somente quase uma década depois, em 13/05/2010, o Supremo Tribunal Federal condenaria pela primeira vez um congressista. O primeiro deputado federal condenado em uma ação penal originária pelo Supremo Tribunal Federal, o agora ex-deputado José Gerardo Oliveira de Arruda Filho, acabou recebendo uma pena alternativa, consistente em uma pena pecuniária de cinquenta salários mínimos, e a cominação de prestação compulsória de serviços à comunidade. A condenação foi proferida nos autos da Ação Penal n° 409, mas ainda tramitam recursos interpostos pelo próprio condenado, de forma que a pena imposta sequer foi executada, pois ainda pode ser revista.

Coube ao agora ex-deputado federal José Fuscaldi Cesílio, conhecido como Tatico, o demérito de ter sido o primeiro congressista a receber uma pena definitiva de restrição da liberdade. Ele foi condenado na Ação Penal 516 a sete anos de reclusão, em regime inicial semi-aberto, e ao pagamento de multa. Também esta condenação ainda não foi alcançada pelo trânsito em julgado, e por isso não foi cumprida ainda.

A real problemática da reunião, por conexão, de ações penais originárias com ações propostas contra outros acusados que não detém foro funcional no Supremo Tribunal Federal só surgiu a partir da Emenda Constitucional 35/2001, mas as consequências do não desmembramento das ações só foram percebidas durante a tramitação destas ações.

E foi no curso da Ação Penal 470 que a situação se mostrou mais inconveniente. Já quando do julgamento da segunda questão de ordem na Ação Penal 470, que definiu a reunião das ações, sem o desmembramento, o ministro Celso de Mello, apesar de ter votado pela reunião das ações, registrou inconvenientes que seriam causados ao Supremo Tribunal Federal:

Essa outorga constitucional de prerrogativa de foro culmina por gerar, muitas vezes, considerada a regra de ‘forum attractionis’ – que confere prevalência à jurisdição penal desta Suprema Corte – a instauração de processos multitudinários, cuja existência representa fatos apto a romper a regularidade dos trabalhos do Tribunal, tumultuando-lhe a ordem dos serviços e obstruindo o normal desenvolvimento e execução de sua agenda de julgamentos.

Esse, realmente, tem sido um grave inconveniente gerado e provocado pela outorga, por parte da Constituição da República, da prerrogativa de foro a determinadas autoridades públicas.

(STF – Inq-QO-QO 2245, op. cit., voto do ministro CELSO DE MELLO, p. 86)

De fato, como afirmou o ministro Celso de Mello, ainda antes de instaurar a Ação Penal 470, tamanhos são os inconvenientes da tramitação de uma ação penal originária com vários, “tumultuando-lhe a ordem dos serviços e obstruindo o normal desenvolvimento e execução de sua agenda de julgamentos”, que somente a fase de julgamento da Ação Penal 470 durou cinco longos, ocupando toda a pauta do segundo semestre do Supremo Tribunal Federal. Foram necessárias 53 sessões do Plenário para que o julgamento de mérito fosse encerrado, tendo a defesa de cada um dos réus o direito de sustentar oralmente as suas razões durante uma hora.

Considerando o gravíssimo risco de impunidade, decorrente da extinção de punibilidade pela prescrição em razão da demora natural na tramitação das ações no STF, e na execução de infindáveis cartas de ordem, acabou sendo criado pela Lei 12.019/2009, e regulamentada pela Emenda Regimental 36/2009 ao Regimento Interno do STF, a função do magistrado instrutor. Este novo personagem se tornou imprescindível ao andamento das ações penais originárias no Supremo Tribunal Federal. A presença de magistrados convocados pelo Supremo Tribunal Federal para a função de magistrado instrutor serviu para que a instrução das ações penais se tornasse possível, em prazo razoável, pois dispensou o envio de cartas de ordem, que antes tanto atrasavam as ações originárias.

Todavia, esta alternativa se mostra apenas um paliativo para o volume de ações penais originárias que passaram a tramitar perante o Supremo Tribunal Federal, e não desobstrui por completo a Corte, pois permanece o dever de incluir os processos em pauta para julgamento plenário, tanto na fase de recebimento da denúncia, como também na fase de julgamento de mérito, e ocasionalmente nos agravos regimentais contra as decisões interlocutórias.

O que se propõe é que o Tribunal admita a mutação constitucional sobre a questão da conexão entre as ações penais por crimes conexos, praticados por detentores de foro funcional no Supremo Tribunal Federal, e os não detentores de foro por prerrogativa funcional. De ora em diante, que o STF deixe de atrair para a sua competência o julgamento de acusados sem prerrogativa de foro, ainda que em crimes conexos com as altas autoridades.

A questão constitucional, como já observado acima, só foi efetivamente decidida, na sua inteireza, em acórdão proferido na Petição n° 760, restando assim redigida a ementa do julgado:

Exceção de incompetência. Co-réus de autoridade sujeita a competência criminal do Supremo Tribunal Federal. – E firme a jurisprudência desta Corte no sentido de que sua competência se prorroga, em virtude das normas sobre conexão e continência, para estender-se a acusados que não gozem do foro por prerrogativa de função previsto na Constituição Federal. Exceção de incompetência improcedente. (STF – Pet 760, Relator ministro MOREIRA ALVES, Tribunal Pleno, julgado em 08/04/1994, DJ 17-06-1994, p. 15720)

Em voto de lauda única, e que foi seguido à unanimidade dos ministros sem qualquer tipo de debate, o ministro Moreira Alves consignou:

1. Como bem acentua o parecer da Procuradoria-Geral da República, é firme a jurisprudência desta Corte no sentido de que sua competência se prorroga, em virtude das normas sobre conexão e continência, para estender-se a acusados que não gozem do foro por prerrogativa de função previsto na Constituição Federal. A circunstância de o foro por prerrogativa de função vir estabelecido na Carta Magna não afasta os motivos que justificam a prorrogação da competência por conexão ou continência para que haja um simultaneus processos. A própria Constituição admite a prorrogação de competência, no art. 52, I, em decorrência da conexão, e a circunstância de ser expressa nesse caso não dá margem à aplicação do brocardo inclusio uniua exclusiu alterius, porquanto essa referência se fazia mister porque, quando não há a conexão ali prevista, a competência para processar e julgar originariamente Ministro de Estado nos crimes de responsabilidade é desta Corte e não do Senado Federal.

2. Em face do exposto, e acolhendo o parecer da Procuradoria-Geral da República, julgo improcedente a presente exceção de incompetência. (STF – Pet 760, op. cit., voto do ministro MOREIRA ALVES)

Este é o precedente a ser superado. O Supremo Tribunal Federal deverá evoluir na interpretação constitucional, permitindo que se aproxime cada vez mais de m Corte Constitucional. A Constituição da República de 1988 assim o quis, afirmando, antes de delimitar a sua competência, ser a sua função precípua a guarda do texto constitucional[3]. O Supremo Tribunal Federal é maior que uma causa penal. A sua competência precípua é guardar a Constituição, e não condenar ou absolver criminosos.

É importante primeiro fazer o registro que, da composição do Supremo Tribunal Federal presente quando da formação do precedente cuja superação se propõe, da Petição 760, apenas integram a Corte, ainda, os ministros Celso de Mello e Marco Aurélio. Apesar de ambos os ministros terem seguido o ministro Moreira Alves naquela oportunidade, ao menos o ministro Marco Aurélio já evoluiu em seu pensamento, na medida em que, tanto na segunda questão de ordem, como no próprio julgamento de mérito, já admitiu não ser possível a ampliação da competência do Supremo Tribunal Federal para alcançar acusados não detentores de foro por prerrogativa funcional.

Desde então, a força do precedente vem sendo respeitada, servindo como jurisprudência, sem que o Tribunal tenha efetivamente se debruçado sobre a discussão constitucional de fundo. E de fato, os argumentos que serviram à formação do precedente são frágeis, e já mereceriam melhor exame, antes mesmo da evolução histórica e jurídica, promovida pela Emenda Constitucional 35/2001. Ou seja, antes mesmo que se mostrasse imprescindível a mutação constitucional, em decorrência da reforma constitucional, a própria interpretação acolhida na Petição n° 760 já se mostrava equivocada e precisava ser revista.

De fato, quando o artigo 102, I, “b” e “c” da Constituição de 1988 fixou a competência do Supremo Tribunal Federal para o julgamento de ações penais originárias contra determinadas autoridades não autorizou a prorrogação desta competência para outros réus em crimes conexos com aqueles. Poder-se-ia argumentar, tal como fez o ministro Moreira Alves na Petição 760, que isso estaria implícito, sendo desnecessária a sua expressa previsão no texto constitucional. Mas não é bem assim.

O próprio ministro Moreira Alves consignou em seu voto que no artigo 52, I da Constituição há expressa previsão para a atração pelo Senado de competência para julgar crimes de responsabilidade praticados pelos ministros de Estado, desde que conexos com crimes praticados pelo presidente da República. Ora, se é assim, para se admitir a prorrogação da competência do Supremo Tribunal Federal para alcançar outros acusados não detentores de foro funcional na Corte, também seria necessário que o próprio texto constitucional previsse a conexão. Mas não o fez. Não há razão para, dentro do mesmo texto constitucional, ser feita distinção entre as hipóteses.

Caso fosse desnecessária a previsão expressa de prorrogação de competência em casos de conexão, bastaria que a Constituição previsse no artigo 52, I a competência para julgar os crimes de responsabilidade do presidente e do vice-presidente da República, ficando implícito que os demais corréus em crimes conexos também seriam julgados no mesmo foro. Para superar este problema, ponderou o ministro Moreira Alves que “a circunstância de ser expressa nesse caso não dá margem à aplicação do brocardo inclusio uniua exclusiu alterius”, porque “quando não há a conexão ali prevista, a competência para processar e julgar originariamente Ministro de Estado nos crimes de responsabilidade é desta Corte e não do Senado Federal”.

Ora, tivesse razão o ministro Moreira Alves, e que a previsão acerca dos crimes conexos só foi expressa no artigo 52, I da Constituição porque a própria Constituição fixava foro diverso para ministros de Estado, que era no próprio Supremo Tribunal Federal, então só seria possível prorrogar a competência para acusados por crimes conexos que não tivessem no próprio texto constitucional a fixação de um foro diverso. Ou seja, aplicando-se os mesmos fundamentos que serviram à interpretação feita na Petição 760, a competência do Supremo Tribunal Federal só seria prorrogada para julgar crimes conexos imputados a acusados que não tivessem outro foro constitucional fixado no texto constitucional. Exemplificando, se um cidadão comum fosse acusado de ter cometido um crime conexo com um congressista, salvo o caso da conveniência do desmembramento, ele deveria responder criminalmente perante o Supremo Tribunal Federal. Entretanto, caso a acusação recaísse sobre outra autoridade com foro originário diverso do STF, mas fixado no próprio texto constitucional, não se aplicaria a conexão. Seria o caso, por exemplo, caso o acusado do crime conexo fosse um governador de Estado, que permaneceria sendo julgado pelo Superior Tribunal de Justiça, nos termos do art. 105, I, “a” da Constituição de 1988.

Logo se vê o equívoco de tal interpretação. O que mais parece é que a Constituição foi silente no artigo 102, “b” e “c” sobre os crimes conexos, e o foi exatamente porque não admite a prorrogação de sua competência.

Outro argumento que não foi observado quando da formação do precedente da Petição 760 é que não se pode admitir que a Constituição da República seja interpretada segundo a lei. É a lei quem deve ser interpretada segundo a Constituição. Ainda na segunda questão de ordem na Ação Penal 470, o ministro Celso de Mello reconheceu que a “a conexão e a continência são modalidades de prorrogação legal de competência e que provocam, quando ocorrentes, a unidade de processo e de julgamento” (STF – Inq-QO-QO 2245, op. cit., p. 88). Ora, se é assim, é razoável que o Supremo Tribunal Federal seja obrigado a buscar na lei, infraconstitucional, os limites de sua competência? Havendo alteração legislativa acerca da definição das hipóteses de conexão ou continência, estaria sendo alterada, indiretamente, a competência do Supremo Tribunal Federal? A lei pode alterar a competência do Tribunal, ou somente uma emenda constitucional poderia fazê-lo?

Situação análoga ocorreu quando a Lei 10.628/2002, acrescendo o §1º ao artigo 84 do Código de Processo Penal, prorrogou a competência do Supremo Tribunal Federal por prerrogativa de função para além do tempo do exercício da função, mesmo quando o “inquérito ou a ação judicial sejam iniciados após a cessação do exercício da função pública”. Com isso, buscou o legislador ressuscitar a Súmula STF 394, já cancelada. Mas o Supremo Tribunal Federal, na ADI 2.797, declarou o dispositivo inconstitucional. Deste julgamento, merece destaque relevante passagem do voto do ministro Sepúlveda Pertence:

45. Aliás, no Inq 687 – assim como nos demais inquéritos e ações penais, conjuntamente apreciados -, quando se decidiu pelo cancelamento, sem ressalvas, da Súm. 394, cuidava-se unicamente de procedimentos criminais contra congressistas: a circunstâncias basta a evidenciar que não fazia sentido levar em conta a legislação ordinária pertinente – vale dizer, unicamente, o C.Pr.Penal, de 1941 -, pois a competência por prerrogativa de função para processar Deputados e Senadores só surgira com a Carta de 1969, como contrapeso à drástica redução que aquele edito constitucional da ditadura impusera às imunidades parlamentares materiais e formais.

46. A indagação que assim logo se põe é saber se lei ordinária é instrumento normativo apto a alterar jurisprudência assente do supremo Tribunal Federal, fundada direta e exclusivamente na interpretação da Constituição da República.

47. A resposta é negativa.

(…)

50. O ponto está em que às leis ordinárias não é dado impor uma dada interpretação da Constituição.

(…)

57. De tudo resulta que a lei ordinária que se limite a pretender impor determinada inteligência da Constituição é, só por isso, formalmente inconstitucional.

(…)

(STF – ADI 2797, Relator(a): Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Tribunal Pleno, julgado em 15/09/2005, DJ 19-12-2006, p. 37)

Como bem afirmado na ADI 2.797, “a lei ordinária que se limite a pretender impor determinada inteligência da Constituição é, só por isso, formalmente inconstitucional”. Assim, caso o legislador, no caso os artigos 76 a 80 do Código de Processo Penal, pretendesse ditar a competência do Supremo Tribunal Federal, para prorroga-la para os crimes conexos com os praticados por autoridades com foro funcional, seria a lei formalmente inconstitucional.

Na perspectiva expressada neste artigo, o foco do debate não é eventual direito processual do acusado, que certamente também é afetado quando o seu foro criminal é atraído para o Supremo Tribunal Federal, como a privação do seu direito a recurso da decisão condenatória, mas apenas a defesa do próprio Tribunal, e de sua competência precípua, que deve ser sempre a guarda da Constituição.

Mas, além do equívoco na interpretação feita pelo Supremo Tribunal Federal na Petição 760, que ajudou a consolidar a jurisprudência constitucional, tem-se também que os demais fatores já amplamente expostos indicam a necessidade de superação do precedente.

Por último, é importante registrar que, na hipótese do Supremo Tribunal Federal promover a interpretação evolutiva constitucional acerca da prorrogação de sua competência em matéria penal, inclusive com o cancelamento de uma súmula de sua jurisprudência, esta não será a primeira vez que isso ocorrerá.

Também sem que houvesse qualquer mudança no texto constitucional, ao julgar uma questão de ordem no Inquérito 687, o Supremo Tribunal Federal decidiu pelo cancelamento da Súmula STF 394. Assim, se deixaria de ter como prorrogada a sua competência para o julgamento de ações penais instauradas em razão de crimes funcionais cometidos por autoridades com foro na Corte para período além do tempo em que a autoridade esteja no exercício de cargo dotado da prerrogativa.

Certo é que a Súmula STF 394 foi editada sob outro texto constitucional, e por isso mesmo foi mais fácil reconhecê-la por superada, antes o texto constitucional de 1988. Entretanto, esse reconhecimento tardou a ocorrer, só sendo efetivado mais de dez anos depois da promulgação da Constituição de 1988, em questão de ordem no Inquérito 687 (Relator ministro SYDNEY SANCHES, Tribunal Pleno, julgado em 25/08/1999, DJ 09-11-2001, p. 44). Ou seja, também essa situação tardou a ser reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal. E no caso da Súmula 704, ao tempo da formação de seus precedentes, estava vigente outro texto constitucional, sem as alterações implementadas pela Emenda Constitucional 35/2001.

Conclusão
Considerados os argumentos lançados neste artigo, seja pela evolução histórica e jurídica, a partir da Emenda Constitucional 35/2001, seja mesmo pelo equívoco na interpretação constitucional que formou o precedente da Petição 760 e de outros precedentes, tem-se que é incompatível com o ordenamento constitucional a prorrogação da competência penal originária do Supremo Tribunal Federal por motivo de conexão ou continência. Assim, só podem ser julgados naquela instância as altas autoridades da República expressamente contempladas pelo artigo 102, I, “b” e “c” da Constituição de 1988.

Por esta nova leitura, propõe-se seja admitida a mutação constitucional, com a superação dos precedentes, revogando-se a Súmula 704, não se admitindo a aplicação do artigo 76 do Código de Processo Penal aos casos de competência penal originária do Supremo Tribunal Federal.


[1] Constituição de 1824 – Art. 163. Na Capital do Imperio, além da Relação, que deve existir, assim como nas demais Provincias, haverá tambem um Tribunal com a denominação de – Supremo Tribunal de Justiça – composto de Juizes Letrados, tirados das Relações por suas antiguidades; e serão condecorados com o Titulo do Conselho. Na primeira organisação poderão ser empregados neste Tribunal os Ministros daquelles, que se houverem de abolir.

Art. 164. A este Tribunal Compete: I. Conceder, ou denegar Revistas nas Causas, e pela maneira, que a Lei determinar. II. Conhecer dos delictos, e erros do Officio, que commetterem os seus Ministros, os das Relações, os Empregados no Corpo Diplomatico, e os Presidentes das Provincias. III. Conhecer, e decidir sobre os conflictos de jurisdição, e competencia das Relações Provinciaes.

[2] O acórdão do julgamento de mérito da Ação Penal n° 470 ainda não foi disponibilizado, mas a íntegra do julgamento e dos debates está disponível no Canal STF, do Youtube.

[3] Constituição de 1988 – Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe: (…).

Autores

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    é advogado, conselheiro seccional e presidente da Comissão de Estudos Constitucionais da OAB/MA, membro do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB), fundador e articulista do site Os Constitucionalistas (www.osconstitucionalistas.com.br).

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