Conceito de renda

STF decidirá sobre tributação de lucros do exterior

Autor

  • Mary Elbe Gomes Queiroz

    é advogada tributarista pós-doutora em Direito Tributário pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (Portugal) e sócia do Queiroz Advogados Associados.

18 de fevereiro de 2013, 17h18

Na quarta-feira (20/2), o Supremo Tribunal Federal deve julgar o Recurso Extraordinário 611.586, que questiona a constitucionalidade do artigo 74 da Medida Provisória 2158-35, de 2001, que trata da tributação dos lucros auferidos no exterior por empresa coligada ou controlada. O que está em discussão é se esse dispositivo autoriza a tributação de valor que não é renda.

O conceito de renda (acréscimo patrimonial, riqueza nova) é constitucional, do contrário o legislador ordinário teria um cheque em branco para dar um by pass no legislador constitucional e tributar valor que não é renda. Portanto, somente a Constituição Federal pode alterar tal conceito. Nem mesmo uma lei complementar poderia chamar de renda o que não é renda.

Porém, o momento da disponibilização da renda (acréscimo patrimonial), para fins de tributação, pode ser fixado por lei ordinária. É o que acontece com as pessoas jurídicas quando a lei ordinária estabelece que deverão ser tributadas pelo regime de competência. Em outras palavras, a incidência independe da efetiva entrada dos valores no caixa da empresa e se dá com a disponibilidade jurídica.

A tributação pelo regime de competência sempre foi aceita e não se questiona a sua constitucionalidade, até porque o Código Tributário Nacional (CTN) prevê a disponibilidade econômica ou jurídica de renda. Tanto é que as regras tributárias preveem o reconhecimento dos resultados do exterior pela equivalência patrimonial ao final de cada período de apuração dos lucros tributáveis.

Acontece que uma lei ordinária, o questionado artigo 74 da MP 2.158-35, cuja constitucionalidade está sendo discutida, alterou o momento em que se considera disponibilizado o lucro, para o momento em que ele é auferido e não mais quando distribuído. Porém, também existe lei que permite que o imposto pago no exterior seja compensado, ou seja, só haverá diferença a ser tributada no Brasil se a alíquota do imposto no outro país for menor do que a daqui, como serve de exemplo o caso de países com tributação favorecida ou paraísos fiscais. Saliente-se que o reconhecimento no Brasil, dos resultados do exterior ao final de cada período, já acontece com base no método de equivalência patrimonial (MEP), que a cada período já demonstra para a empresa, sócios e mercado, o aumento ou decréscimo patrimonial da empresa brasileira em conjunto com o resultado da coligada ou controlada no exterior. O MEP é aplicável às empresas controladas e coligadas.

Portanto, sob essa perspectiva, o dispositivo é constitucional, pois a lei ordinária pode, sim, estabelecer ou alterar o momento temporal da incidência tributária. Do contrário, deveria ser discutida a constitucionalidade do regime de competência como um todo e o próprio MEP. Agora, se essa tributação afeta os investimentos, o desenvolvimento e tem reflexos negativos sobre o mercado, e com isso macula a constitucionalidade, é outra questão de política fiscal ou de arrecadação a ser discutida.

O que a lei ordinária não poderá fazer é ampliar o conceito constitucional de renda, chamar renda (riqueza nova) o que não é renda. Hoje, com o International Financial Reporting Standards (IFRS), o Brasil passou adotar as regras internacionais que impõem o regime de competência para o reconhecimento dos resultados, inclusive do exterior e, com isso, reconhece-se também o MEP. Porém, nem tudo que está no MEP é renda, pois existem valores como as variações cambiais, por exemplo, que não configuram acréscimo patrimonial. Daí, porque, o correto é manter o MEP e ser permitida a exclusão dos valores que não são renda.

Na verdade, a inconstitucionalidade está na alteração do artigo 43 do CTN feita pela Lei Complementar 104/2001, quando esta introduziu a ampliação do conceito de renda para alcançar receita e rendimento, esses, sim, não se enquadram como renda (acréscimo patrimonial — lucro), pois eles são o total de ingressos sem que ainda tenham sido considerados os custos e despesas necessárias à manutenção da empresa e à produção dos rendimentos. A Magna Carta distingue perfeitamente todos esses vocábulos, basta ver o artigo 195 da Constituição.

Um dos grandes equívocos na aplicação do artigo 74 é a interpretação que tem sido dada nas bilionárias autuações fiscais sobre os termos dos tratados internacionais para evitar a dupla tributação, pois a não aplicação correta desses é que poderá tisnar a constitucionalidade por se tributar uma renda já tributada. Aqui, novamente com prejuízos para os investimentos e a economia do país.

Nisso tudo ainda existe outro equívoco, que também afeta o conceito de renda: é que, na apuração do lucro real, devem ser computados no Brasil os lucros do exterior, porém os prejuízos de lá não podem ser computados aqui, inclusive também com relação ao MEP. Ora, neste caso paga-se imposto sobre a renda quando na verdade tem-se um decréscimo patrimonial e não um acréscimo como é o desejo constitucional. Dois pesos, duas medidas. Na verdade, tudo feito para aumentar a arrecadação.

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  • Brave

    é advogada, doutora e mestre em Direito Tributário, presidente do Centro de Estudos Avançados de Direito Tributário e Finanças públicas do Brasil, presidente do Instituto Pernambucano de Estudos Tributários, ex-auditora fiscal da Receita Federal do Brasil e ex-membro do Conselho de Contribuintes do Ministério da Fazenda

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