Colapso institucional

AGU pede modulação de decisão de Fux sobre vetos

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15 de fevereiro de 2013, 18h50

A determinação do ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal, para que o Congresso Nacional aprecie os vetos presidenciais a projetos de lei em ordem cronológica causarão impactos jurídicos, econômicos, políticos e fiscais ao país. É o que diz a Advocacia-Geral da União em parecer enviado ao ministro no Mandado de Segurança em que a decisão foi tomada. O braço jurídico da União afirma que, caso o Congresso decida derrubar todos os mais de 3 mil vetos, o país sofreria um impacto de R$ 471,3 bilhões.

No documento, encaminhado ao STF na quinta-feira (14/2), a AGU pede a afetação do MS ao Plenário do tribunal, para que a decisão de Fux seja modulada. Afirma que, caso a determinação de votar os vetos em ordem cronológica se aplique ao que já foi discutido pelos parlamentares, os efeitos serão irreversíveis. Seria, nas palavras da AGU, “um colapso institucional”.

O órgão calcula que são 3.060 os vetos pendentes de apreciação, referentes a 205 proposições legislativas. “Caso venha a prevalecer o entendimento de que deve ser seguida a ordem cronológica, inclusive para os vetos cujo prazo de apreciação já tenha se esgotado, é indiscutível que novas discussões acerca de temas e estruturas já consolidadas gerará impactos sérios nas relações jurídicas, com consequente desrespeito ao tão caro postulado da segurança jurídica”, anotou a AGU.

Há insegurança sobre o que pode acontecer, caso a decisão de Fux seja aplicada indiscriminadamente. A AGU aponta que, dos 205 projetos cujos vetos estão pendentes de discussão, 80 foram vetados por inconstitucionalidade. Caso os parlamentares derrubem o veto, a consequência inevitável é que a discussão vá parar no Supremo Tribunal Federal por meio de ações de inconstitucionalidade.

Como exemplo, a AGU cita o veto ao projeto que igualava o reajuste dos benefícios acima do salário mínimo ao mínimo de 2006. Subiria dos atuais 5% para 16%. A União calcula que o impacto, de 2006 a 2012, em valores nominais, de R$ 72,6 bilhões. Em valores corrigidos pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) de dezembro do ano passado, o impacto salta para R$ 90 bilhões. Já o veto ao projeto que extinguia o fator previdenciário causaria impacto de R$ 8 bilhões. 

Desestruturação da máquina
Também é mencionado o impacto da decisão de Fux no funcionamento da burocracia administrativa federal. São citados 101 projetos de lei que envolvem servidores públicos, com repercussão direta nos planos de carreira, remuneração e estruturas administrativas, por exemplo.

São projetos de lei que tratam de temas como a transposição de servidores sem concurso, mexendo em sua composição remuneratório (PLV 28/2008, decorrente da Medida Provisória 44/2008). Só esse caso afetaria 20 mil servidores e cerca de R$ 80 milhões.

A AGU afirma que as carreiras públicas foram readaptadas e estruturadas para funcionar de acordo com esses vetos. E reabrir essas discussões “implicaria desestabilização do próprio funcionamento da máquina administrativa”. “A fixação de entendimento diverso ensejaria uma verdadeira corrida ao Poder Judiciário para se questionar a legitimidade dos atos praticados pela administração pública, por intermédio de seus agentes, circunstância que atentaria contra o próprio princípio da continuidade do serviço público.”

Fisco
Outra grande preocupação da União é com as questões fiscais. A Medida Provisória 472/2010, que reconheceu o direito ao crédito tributário do crédito-prêmio do IPI, teve alguns dispositivos vetados no projeto que a converteu em lei. Caso esses vetos sejam derrubados, diz a AGU, o impacto seria de R$ 280 bilhões.

Já no caso da reabertura de prazos para inscrição nos programas de parcelamento de dívidas com a Receita, os Refis, o impacto previsto seria de R$ 8 bilhões.

Aspectos práticos
Por mais que a análise da AGU seja fatalista — leva em conta que todos os vetos presidenciais serão inteiramente derrubados pelo Congresso, o parecer leva em conta um aspecto importante da decisão do ministro Fux: a completa paralisação das atividades do Congresso.

E isso mesmo com o esclarecimento do ministro sobre sua decisão. Em ofício, ele explicou que os deputados e senadores não são obrigados a passar os vetos na frente das demais discussões legislativas. Podem votar os projetos de lei normalmente. A discussão dos vetos é que deve seguir a ordem cronológica. Mas para derrubar um veto, é necessária maioria absoluta de parlamentares presentes em sessão mista — 41 senadores e 257 deputados federais.

Numa conta hipotética, o documento da AGU diz que, se o Congresso conseguisse fazer duas sessões conjuntas por semana, todas com alto quórum, e em cada um delas se deliberasse sobre dez vetos, seriam necessárias 153 semanas. Ou seja, seriam três anos dedicados exclusivamente aos vetos.

Outra questão importante levantada pelo parecer da União é a realidade dos fatos. O Legislativo federal nunca observou a ordem cronológica para analisar os vetos presidenciais. Sempre observou a pertinência política, a urgência do tema, o contexto da época ou até mesmo a popularidade da discussão.

“Se prevalecer a inconstitucionalidade de tal prática, poderiam ser judicialmente questionados diversos diplomas legais, que disciplinam temas caros à sociedade”, analisa o documento. Exemplos são a Lei de Responsabilidade Fiscal, a Lei de Recuperação Judicial e Falências ou a Lei Kandir, que trata da circulação interestadual de mercadorias e serviços e regulamentou o ICMS.

Agenda
Por mais que sejam mais de 3 mil vetos, há alguns mais urgentes que outros. A empresa de relações institucionais Patri, especializada em antecipar temas que repercutirão em Brasília, elencou 11 temas principais, que devem ser abordados pelos parlamentares com mais cuidado.

São eles tributação, sistema financeiro, microempresas, macroempresas, meio ambiente, consumidor, defesa da concorrência, telecomunicações, trabalhista, energia e previdência. De acordo com os cálculos da Patri, esses temas envolvem cerca de mil vetos presidenciais.

A matéria tributária é a que mais tem vetos elencados pela companhia. O primeiro deles é dado no Projeto de Lei Complementar 20/2006, transformado na Lei 11.457/2007. Foi vetado o dispositivo que dava mais 180 dias para que seja proferida decisão administrativa em petições, defesas ou recursos fiscais. O prazo, hoje, é de 360 dias. No entendimento da Patri, o impacto principal é que, como o tempo para julgar processos administrativos seria maior, a Fazenda poderia resistir a fazer diligências.

Outro veto importante é o da Lei Complementar 139/2011, que muda os limites da receita bruta anual para as empresas se registrarem no Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte. Foi vetado o dispositivo que determina que todas as presunções de omissão de receita das empresas optantes pelo Simples Nacional sejam estabelecidas em ato do Comitê Gestor do Simples Nacional. Para a Patri, caso o veto seja derrubado, o comitê poderá “interferir diretamente na determinação da base cálculo tributária da micro e pequena empresa”.

No âmbito do sistema financeiro, há a Lei 11.882/2008, que estabelece que o Conselho Monetário Nacional (CMN) pode criar critérios para avaliação sobre a aceitação de recursos recebidos pelo Banco Central em operações de redesconto. Foi vetado o dispositivo que determinava que, nas operações de redesconto, se não houvesse pagamento em 90 dias, haveria responsabilização solidária dos controladores das instituições financeiras.

Derrubar o veto, diz a Patri, pode trazer insegurança jurídica às operações de redesconto, um método de empréstimo concedido pelo BC a bancos no caso de a instituição particular não conseguir crédito junto a outras instituições. A empresa de relações institucionais analisa que a legislação atual diz que, no caso de inadimplência, há responsabilidade objetiva dos controladores. Como uma lei não revoga a outra, recairia sobre o Judiciário definir o que deveria ser feito pelas empresas.

Veja abaixo a lista das principais matérias em que há vetos pendentes de análise listadas pela AGU:

LEGISLAÇÃO TRIBUTÁRIA
Veto Número de dispositivos vetados Temas vetados Impacto
Fundo de Compensação de Variações Salariais (Vetos 41/09; Veto 16/11) 7 • Extinção de dívidas dos acionistas do Banco Nacional R$ 30 bi
Renegociação de débitos tributários, previdenciários e de dívidas rurais (Vetos 17/09; 48/09; 11/10; 35/12) 80 • Mudança do critério de atualização de débitos parcelados de Selic para TJLP
• Ampliação do parcelamento
• Redução de 100% de multas para parcelamento crédito-prêmio
• Liquidação antecipada de dívidas rurais (PESA)
R$ 27 bi
Calhas para dedução de IR 3 • Retirada dos limites individuais de doação de Imposto de Renda de pessoas físicas e jurídicas para os diversos benefícios (calha) R$8 bi
Perdão de dívidas do Proer (Veto 27/12) 1 • Inviabilização da possibilidade de recuperação dos creditos que a União possui com os bancos liquidados no Proer R$7 bi
Atuação da RFB em empresas fraudulentas (veto 10/07) 2 • Transferência da prerrogativa de desconstituir pessoa jurídica do fiscal do Tributário para a Justiça Inviabiliza a atuação da fiscal ização tributaria
Não Cumulatividade de PIS/COFINS 28 • Passar da não cumulatividade para cumulatividade
• Possibilidade de créditos serem aproveitados por PJ ligadas àquela que apurar o crédito.
R$ 2,5 bi
Alíquota zero PIS COFINS produtos agropecuários 4 • Alíquota zero PIS/COFINS produtos agropecuários R$ 2,2 bi
Gastos com educação (Veto 20/07) 1 • Não incidência dos limites da LRF para gastos com educação R$ 2 bi entre 2007 e 2009
Cebas (Veto 54/09) 6 • Retroatividade dos efeitos do Cebas para empresas que entrarem com pedido de renovação do benefício até 6 meses após o termino da vigência Redução dos recursos a serem destinados ao atendimento gratuito de saúde (R$ 260 mi)
PROlES (Veto 23/12) 12 • Parcelamento das dívidas de Instituições de Ensino Superior (Proies) Extensão do benefício para entidades não
fiscalizadas pela União
Uso de recursos do FI/FGTS para Copa e Olimpíadas (vetos 35/11 e 11/12) 2 • Possibilidade de utilização dos recursos do FI/FGTS para financiamento das obras da Copa do Mundo e Olimpíadas A proposta distorce a prioridade de aplicação do FI-FGTS (energia, rodovia, ferrovia, hidrovia, portos e saneamento)
Regulamentação da Emenda 29 (Veto 3/12) 21 • Alteração do montante de recursos para saúde em caso de revisão do PIE
• Exclusão das "despesas com amortização e respectivos encargos financeiros decorrentes de operações de crédito contratadas para o financiamento" do cálculo do minimo em saúde.
A alteração aos valores a serem destinados à saúde, em decorrência de revisões futuras do PIE, implicaria uma instabilidade na gestão fiscal e orçamentária

 

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