Insegurança institucional

Ações populares são tentativa de intimidar o Carf

Autor

14 de fevereiro de 2013, 8h46

O processo administrativo tributário (que antecede a discussão em âmbito judicial) e que envolve a defesa das pessoas físicas e jurídicas autuadas pela Receita Federal do Brasil é composto por duas instâncias: a primeira compreende as próprias Delegacias da Receita Federal de Julgamento (instância onde quase 90% das autuações são mantidas); e a segunda compreende o Carf (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais).

O Carf é a nova denominação do antigo e quase centenário Conselho de Contribuintes do Ministério da Fazenda, criado pelo Decreto 16.580, de 4 de setembro de 1924, órgão paritário (composto tanto por representantes do Fisco — vale dizer, auditores fiscais da Receita Federal; como por representantes dos contribuintes — ou seja, na sua grande maioria, advogados tributaristas indicados por entidades civis de representação de setores da economia, a exemplo da Confederação Nacional da Indústria — CNI, Confederação Nacional das Instituições Financeiras — CNF, Confederação Nacional do Comércio — CNC, etc.).

Justamente por se tratar de um órgão paritário, muitas das autuações levadas a efeito pela Receita Federal do Brasil tendem, no âmbito do Carf, a receber um tratamento jurídico mais arejado e equilibrado, não sendo incomum a redução ou o próprio cancelamento das exigências fiscais realizadas à margem da lei ou da jurisprudência, do que se pode concluir tratar-se de uma instância onde efetivamente se produz justiça fiscal.

Todavia, ao longo do segundo semestre do ano de 2012, foram propostas, por iniciativa de um ex-procurador da Fazenda Nacional (exonerado do serviço público e atualmente investigado em procedimento em curso na Justiça Federal), 59 ações populares em face da União e de grandes empresas brasileiras e multinacionais, oportunidade em que se questionou em juízo o mérito, ou seja, os fundamentos técnicos das decisões tomadas em última instância administrativa pelo Carf, alegando-se omissão arrecadatória e pretendendo a anulação de diversos julgados administrativos produzidos por aquele órgão.

Ao apresentar, em defesa da União, a contestação às referidas ações populares, a Procuradoria da Fazenda Nacional, em alguns casos, houve por bem acompanhar o entendimento técnico desenvolvido por seus autores populares — um verdadeiro non sense, considerando que as decisões do Conselho são definitivas em relação à União, não se admitindo sua contestação em juízo.

A reação por parte das empresas e da própria comunidade jurídica foi imediata: surpresa, apreensão e insegurança jurídica, com verdadeiros riscos ao investimento e à condução dos negócios no país, já que as cifras em questão beiram a casa dos bilhões.

Mas o que mais chama a atenção nesse episódio não foi apenas a iniciativa de desmoralização da honra e da integridade do Carf, cujas decisões são de cumprimento obrigatório pela Receita Federal e pela Procuradoria da Fazenda Nacional. As ações populares em questão (diga-se de passagem um instrumento de importância ímpar, criado pela Lei 4.717/1965, e que tem por objeto o combate a atos lesivos ao patrimônio da União via de regra decorrentes de corrupção) pretendem o chamamento ao processo dos próprios conselheiros do Carf, em escancarada tentativa de sua intimidação, o que, aliás, ensejou a paralisação do órgão na última semana em razão da insegurança que se instalou entre os julgadores, trazendo enormes prejuízos à arrecadação e à mecânica do contencioso administrativo tributário.

Ora, a tão só utilização desvirtuada da garantia processual da ação popular para, por vias transversas, desfigurar a mecânica do processo administrativo tributário já é circunstância que, por si só, merece todo o repúdio da comunidade jurídica, sob pena de dano gravíssimo à imagem de um órgão de suma relevância como o Carf.

Se tanto não bastasse, e sendo o Carf órgão judicante de composição paritária, integrado tanto por representantes do Fisco como também dos contribuintes (esses últimos, como já se mencionou, em sua grande maioria advogados), o alcance de eventuais citações/intimações dos seus conselheiros poderá trazer diversos transtornos àqueles profissionais que, por desapego e extrema devoção às instituições democráticas, abrem mão de significativa parcela de seu tempo na iniciativa privada para se dedicar à função pública judicante em prol do engrandecimento e consolidação do próprio órgão de que se cuida.

Daí porque, efetivamente, em situações como essas, é dever da Advocacia-Geral da União — AGU (órgão ao qual é subordinada a Procuradoria da Fazenda Nacional), nos estritos termos do artigo 22 da Lei 9.028/1995, e independentemente da orientação que adota a Procuradoria da Fazenda Nacional de sempre perseguir o crédito tributário, avocar para si não só a defesa jurídico-institucional das deliberações do Carf, mas também a própria defesa judicial de seus conselheiros (tanto representantes do Fisco como também dos contribuintes) até decisão final nas referidas ações populares.

Só assim será reafirmada a autoridade do Carf e de suas decisões, trazendo-se a tranquilidade necessária a seus julgadores que, por comodismo, jamais se curvarão a pressões e à fácil tentação de, mesmo diante de injustiças, decidir a favor do erário.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!