Serviço público

Negar acesso a advocacia é violar direitos humanos

Autor

12 de fevereiro de 2013, 7h15

O Jus Postulandi é o direito de o cidadão dirigir-se ao Judiciário, sem a intermediação do advogado.  O tema é pouco discutido e há dogmas corporativos que expurgam qualquer discussão técnica sobre o tema. No entanto, o acesso ao direito não se dá apenas através do Judiciário, logo a dimensão do conceito de Justiça é muito mais amplo do que o conceito de Judiciário.

Contudo, no Brasil o cidadão tem o direito legal e expresso de se dirigir diretamente ao Juiz/Judiciário nos seguintes casos:

a) juizado especial  cível em causas de até 20 salários mínimos e na primeira instância, conforme lei 9099/05
b) Na execução penal (Lei 7210-84) para requerer benefícios
c) Na esfera eleitoral em primeira instância
d) Na área trabalhista em primeira instância
e) Ao Conselho Nacional de Justiça e ao Corregedor Geral no Tribunal
f) Ao Juiz Diretor do Foro para reclamar do serviço prestado pelos Cartórios Extrajudiciais
g) Em caso de habeas corpus

Tradicionalmente prevalece no meio jurídico conceito de que o cidadão apenas pode se dirigir ao Judiciário através do advogado, logo seria inconstitucional qualquer medida que abolisse esta necessidade em face da redação do artigo 133 da Constituição Federal:

Artigo 133 – O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei.

Ocorre que o termo “indispensável à administração da justiça” tem uma dimensão ampla de interpretação, ou seja, administrar no aspecto da administração dos recursos financeiros e de  pessoal? E justiça seria apenas o judiciário? São perguntas pouco constantes. Ou seja, mas, pode significar uma visão finalística de participar nas decisões do planejamento da política pública da justiça (e não apenas judicial).

A visão judicialista, a qual tem sido dominante, acaba por focar apenas no Judiciário e relegar as consultas e outras atividades extrajudiciais. O judicialismo tenta inclusive judicializar as conciliações em vez de estimular que sejam feitas extrajudicialmente, antes do ajuizamento das ações. E até mesmo as faculdades de direito tende a ser judicialistas e relegar o acesso extrajudicial como de segunda classe e não estudado.

Não temos estatísticas sobre as diferenças no resultado entre estar representado, ou não, por advogado no requerimento judicial. Em geral, há casos complexos que realmente o advogado seria essencial, mas outros seria mais simples. Por outro lado, o que pode parece simples, talvez não o seja. Mas, o que falta é informação à população.

Sem dúvida um ambiente propício para fazer essa pesquisa seria no Juizado Especial, pois permite as duas formas de peticionamento com ou sem representação por advogado, bem como na justiça trabalhista. Mas, não há interesse por parte do Governo em fazer a pesquisa.

O tema é polêmico, mas nada impede que a lei amplie a possibilidade de jus postulandi. Na verdade, é possível até que independente da lei este direito de se dirigir diretamente ao Judiciário seja assegurado, ou seja, de defender a si próprio, embora isto venha sendo negado pelos Tribunais, sem aprofundamento da questão. Afinal, o Conselho Nacional da Justiça integra o Judiciário, conforme disposição expressa da Constituição Federal, mas admite-se o jus postulandi e em temas que também poderiam, em tese, ser resolvidos mediante ação judicial.

Mesmo nestes casos em que é possível o jus postulandi, as pessoas optam por se representar mediante advogado, o que é muito bom. Mas, é questionável negar esse direito pois viola os direitos humanos, haja vista que, a capacidade postulatória é inerente à cidadania.

O jus postulandi não restringe o mercado de trabalho da advocacia, pois no caso da justiça trabalhista apesar da sua possibilidade, trabalham mais de 300 mil advogados (quase a metade do número de advogados em atividade no país) e praticamente 80% das ações contam com advogado indicado pelo autor. Logo, o jus postulandi não restringe o mercado. O que tem restringido o acesso são algumas regras que dificultam o próprio acesso da população para conhecer o serviço da advocacia, como ao vedar o uso do rádio para publicidade e ausência de novas modalidades para facilitar o pagamento por parte da população.

A questão é tema de destaque no âmbito internacional, inclusive com tratado internacional ratificado pelo Brasil em 1992, a Convenção Americana de Direitos Humanos — “Pacto São José da Costa Rica”.

Direitos civis e políticos
Artigo 8º — Garantias judiciais
Toda pessoa acusada de um delito tem direito a que se presuma sua inocência, enquanto não for legalmente comprovada sua culpa. Durante o processo, toda pessoa tem direito, em plena igualdade, às seguintes garantias mínimas:

(…)

d) direito do acusado de defender-se pessoalmente ou de ser assistido por um defensor de as escolha e de comunicar-se, livremente e em particular, com seu defensor;
e) direito irrenunciável de ser assistido por um defensor proporcionado pelo Estado, remunerado ou não, segundo a legislação interna, se o acusado não se defender ele próprio, nem nomear defensor dentro do prazo estabelecido pela lei;

O jus postulandi não é exercício da advocacia, mas direito de cidadania, direito de autodefesa, no campo dos direitos humanos. Não se trata do rábula que exercia o direito para outros. No Jus Postulandi o cidadão apenas pode defender a si próprio e seus direitos — ainda que coletivos —, caso contrário seria exercício ilegal da profissão.

Geralmente na área criminal o jus postulandi é bem restrito, principalmente no caso de o delito poder gerar pena de prisão, nesse caso quase todos os países o negam.

Nos Estados Unidos é praticamente livre o jus postulandi no caso de questões cíveis de natureza patrimonial.  Sem dúvida o risco existe, mas é próximo do risco de ir a um banco e fazer um financiamento desfavorável. Possivelmente se estivesse assessorado por um economista ou um advogado teria melhor resultado. Mas, esta é uma questão meramente patrimonial e disponível, logo cabe ao cidadão decidir o risco.

Por outro lado, é importante que a Ordem dos Advogados do Brasil amplie as campanhas de divulgação da importância do trabalho do advogado, e assim as pessoas seriam estimuladas a contratar um profissional, inclusive preventivamente. Pode-se citar como exemplo, o divórcio. As pessoas procuram o advogado apenas no momento da crise, mas não no casamento (quando se define o regime de bens), ou seja, o momento mais importante para assessoria jurídica é no ato do casamento e não no divórcio. Mas, culturalmente não somos estimulados e faltam campanhas para mudarmos este comportamento. Em vez de apenas obrigarmos as pessoas quando forem ajuizarem ações judiciais a procurarem advogados seria importante que também fossem convencidas da eficiência da contratação.

Observa-se um hiato entre a OAB Federal e os advogados na base da pirâmide do exercício da advocacia, o que reflete na dificuldade da população ao relevante serviço de advocacia, o qual não pode ser confundido com apenas ajuizar ação judicial. No entanto, nem mesmo existe um programa para facilitar o pagamento de honorários por parte da população, como um programa que permita ao cliente fazer o financiamento e até recentemente nem se admitia cartão de crédito para pagamento. Nem mesmo uma discussão para que a população possa abater despesa com advogado no imposto de renda, o que certamente aumentaria o número de consultas preventivas existe.

Há um segmento poderoso da advocacia que é palaciano, com escritórios que parecem multinacionais em sua arquitetura e mobília, o qual não almeja uma popularização da advocacia, pois teme a concorrência nesta modalidade mais social.

Contudo, no Brasil temos uma quantidade acima do razoável de advogados em comparação com a Europa, logo é possível difundir o acesso ao serviço do advogado, conforme notícia publicada no site Consultor Jurídico:

Estado Advogados por 100 mil habitantes Advogados para cada juiz
Escócia * 5.4 1.5
França 75.8 8.3
Portugal 260.2 14.5
Espanha 266.5 25
Itália 332.1 32.4
Grécia 350.6 10.5
Brasil 375 44

É possível extrair pela situação que na  Escócia há uma média menor em razão dos Defensores Legais, o que implica no fato de que onde existe o sistema público de defesa acaba por diminuir a quantidade de advogados. E estas regras decorrem dos interesses dos advogados com mais tempo no mercado, que elaboram as regras de ética e têm acesso ao Governo, de manterem reserva de mercado e evitarem a concorrência com os mais novos.

Afinal, como se pode alegar que temos falta de assistência jurídica em um país que tem uma das maiores médias de advogado? O que está por trás disto? Esta pergunta ninguém quer fazer, muito menos responder. Se temos remédios sobrando, como faltam remédios nos postos? É porque há alguém manipulando o mercado! Quem seria?

No texto citado constante da Conjur obtém-se ainda o seguinte:

“No Brasil (…) Os números da advocacia brasileira também não têm paralelo com os da Europa. A OAB tem 713 mil advogados inscritos em seu quadro. O que dá a media de 375 advogados para 100 mil habitantes, uma relação superior à de qualquer país europeu e que se aproxima apenas à da Grêcia (350) e da Itália (332).

Como atuam 16.200 juizes nas três ramas da Justiça brasileira (estadual, federal e trabalhista), tem-se ainda que para cada juiz correspondem 44 advogados por magistrado, bem superior aos 32 da Italia, a campeã europeia nesse quesito.

Em matéria cível, há mais espaço para o cidadão bater nas portas do Judiciário sozinho. É o que acontece em 28 Estados, onde o advogado pode ser dispensado. Entre estes, há casos em que o profissional é exigido em algum momento do trâmite do processo, como na República Tcheca, onde o advogado é necessário num processo que chega à Suprema Corte. Em matéria criminal apenas nove países na Europa dispensam a  obrigatoriedade de um advogado.”

Apesar de o Brasil ter a segunda média mundial de advogados do mundo, ainda se alega que a população não tem assistência jurídica e setores estatais defendem que seja necessário ter mais de 20 mil Defensores Públicos e com monopólio para atendimento aos pobres. No entanto,  Cappelletti, na obra clássica  Acesso à Justiça, já defendia a necessidade de ter vários legitimados para prestar assistência jurídica, mas o Brasil segue no caminho contrário.

A rigor, regras da OAB que criam tabelas de honorários mínimos e vedam publicidade e outras formas de atendimento mais atuais acabam impedindo o acesso dos jovens advogados ao mercado de trabalho e o acesso de parte da população aos serviços jurídicos, em que há um paradoxo de excesso de oferta e excesso de demanda, mas a OAB cria regras para que seja dificultada a concorrência, o que beneficia os interesses dos escritórios mais estruturados e tradicionais. Assim, os jovens advogados vêem-se obrigados a trabalharem em escritórios já existentes, com baixo piso salarial ou até mesmo sem piso salarial.

Lado outro, existe a cultura popular e até jurídica de que se contrata advogado apenas quando se está na fase judicial, e não na questão contratual ou extrajudicial mais ampla.

O Jus Postulandi é um direito da cidadania e não pode ser limitado como vem sendo. É um aspecto judicial, sendo a atividade advocatícia, em tese, muito mais ampla que o segmento judicial.  Lado outro, é preciso desenvolver campanhas educativas sobre a importância da contratação do advogado. Deve ser algo mais denso e planejado para convencer as pessoas, além de medidas para popularizarem o acesso ao advogado como o financiamento dos honorários a serem pagos por cartão de crédito e a possibilidade de abater a despesa no Imposto de Renda, bem como outras talvez até melhores.

Ainda, é muito comum pessoas com medo de procurar um advogado ou de entrar em um escritório, pois não sabem como, nem quanto, pagarão e se a consulta é paga ou não, estas dúvidas fazem a advocacia perder muita clientela que poderia pagar os devidos honorários ao advogado que deve ser um parceiro e há casos que acabam virando adversários — cliente e advogado.

A rigor, não existe uma discussão, ao menos pública, da OAB Federal no sentido de facilitar o acesso da população ao advogado, e não se trata do advogado que tem escritório com vários  andares em região central de Capitais, mas sim, aquele que tem um pequeno escritório até mesmo na periferia, pois este está mais próximo da advocacia social.

De fato, negar o jus postulandi é uma violação aos direitos humanos, por outro lado, dificultar ou negar acesso aos serviços advocatícios também é uma violação aos direitos  humanos, o que é um tema de interesse social e público e não apenas dos advogados, como pensam alguns. Logo, o meio de equilibrar estes dois direitos é através de uma melhor campanha por parte da OAB acerca da importância do trabalho do advogado, ou então, permitir ao advogado fazer isto, como direito constitucional de informação.

Por fim, independente da quantidade de advogados públicos ou privados, há necessidade de se discutir a questão do pacto de São José, o qual trata do jus postulandi e que não é vedado pela Constituição Federal,  bem como debater normas administrativas que vedam a livre concorrência na advocacia e dificultam o acesso a serviço público de natureza social relevante.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!