Sem previsão penal

Falsificação grosseira de documento é fato atípico

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8 de fevereiro de 2013, 13h25

Documento falsificado de forma grosseira, por se encontrar na iminência de ser imediatamente percebido e apreendido, não compromete a fé pública. Logo, quem se beneficiou deste não cometeu crime, pois a conduta é atípica.

Com esta fundamentação, a 4ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul reformou sentença que condenou um homem por ter "comprado" uma Carteira Nacional de Habilitação (CNH) falsa na Comarca de Igrejinha. A falsificação só foi constatada numa barreira de trânsito, após o motorista ter rodado com o documento por mais de um ano.

Enquadrado nas sanções do artigo 304, combinado com o artigo 297, caput, ambos do Código Penal, o motorista foi condenado à pena de dois anos de reclusão, em regime aberto. A pena foi substituída por pagamento de multa e prestação de serviços à comunidade.

O relator da Apelação-Crime, desembargador Marcel Esquivel Hoppe, ao contrário do que o juízo de primeiro grau expressou na sentença, entendeu que se trata de conduta atípica. Para justificar sua percepção, citou a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e destacou o depoimento do policial militar que fez a apreensão do documento falso.

Conforme o relator, o policial, ainda durante a fase de inquérito, afirmou que os sinais de falsificação da CNH eram visíveis, visto que constava, na parte interior, ter sido expedida pelo Detran do estado da Paraíba. E o motorista havia dito que o documento fora feito em Porto Alegre, quando pagara R$ 500 a um "despachante". Tal impressão foi reforçada quando deu depoimento em juízo. Outro policial ouvido seguiu na mesma linha.

"Assim, tratando-se de falsificação grosseira, visivelmente perceptível, a conduta torna-se atípica, por ausência de potencialidade lesiva", concluiu o relator. Logo, como não houve tipicidade no fato denunciado pelo Ministério Público estadual, o réu foi absolvido com base no artigo 386, inciso III, do Código de Processo Penal (CPP) — por não constituir o fato em infração penal. O acórdão foi lavrado dia 13 de dezembro.

Detalhe "capital"
O juiz de Direito Vancarlo André Anacleto, da Vara Judicial de Igrejinha, ao justificar sua decisão, também levou em conta os depoimentos dos policiais militares. E, por considerar a relevância de certos detalhes relatados no momento da abordagem, afastou a tese de atipicidade de conduta por falsificação grosseira.

Conforme o juiz, a falsificação do documento só viria a ficar clara na cabeça dos policiais após a checagem no Sistema de Consultas Integradas. Após verificarem que a habilitação não estava registrada é que passaram a observar melhor o documento apreendido, constatando que o papel era de um estado e o de trás de outro. E este detalhe faz toda a diferença, pois não se pode falar em "falsificação grosseira".

Aliás, o entendimento do juiz Vancarlo Anacleto, por ironia processual do destino, se alinha com julgado da própria 4ª Câmara Criminal, da lavra do desembargador Marcelo Bandeira Pereira, hoje presidente do TJ-RS.

Diz um trecho da ementa do acórdão, proferido na sessão do dia 29 de abril de 2010: "Não é grosseira a falsificação capaz de ludibriar o homem comum, não considerado o policial militar, que é treinado para detectar falsificação e que, no caso, mesmo assim, para bem se certificar, se utilizou do sistema de informação para averiguação da sua autenticidade. Informações do próprio réu de uso do documento que evidenciam a sua potencialidade para iludir."

Clique aqui para ler a sentença e aqui para ler o acórdão.

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