Direito & Mídia

A vida política promete muitos desdobramentos no STF

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6 de fevereiro de 2013, 13h22

Spacca
“A estudante de agronomia Juliana Sperone Lentz, de 18 anos, foi condenada à morte em agosto do ano passado, quando expirou a licença de segurança contra incêndio da boate Kiss, em Santa Maria, e os bombeiros aparentemente não apareceram para fazer a vistoria.” Com essa frase de impacto a Veja abre uma das 36 páginas especiais dedicadas esta semana à tragédia ocorrida no Rio Grande do Sul — tema da reflexão desta coluna na quarta-feira passada (clique aqui para ler). Na ocasião, o comentário foi de que a cobertura da imprensa havia sido ágil e sem grandes apelos. Nada como um dia após o outro.

O fato de três das quatro revistas semanais de informação repercutirem sete dias depois o doloroso acontecimento, com as histórias e imagens mostradas à exaustão durante esse período, é sintoma do que o mote por trás dessas coberturas é faturar em cima da tragédia alheia. Com todo o respeito devido à dor dos familiares (que guardarão as três revistas como um macabro álbum recordatório), há realmente pouco a aproveitar da leitura dessas publicações. E o infográfico de Veja mostrando o que acontece nos primeiros 5 minutos da intoxicação por monóxido de carbono, por cianeto ou pela fuligem de fumaça, lembra outro precioso trabalho da mesma revista, explicando a agilidade de Elize Kitano Matsunaga (técnica em enfermagem e bacharel em Direito) ao esquartejar o marido Marcos Matsunaga, em maio do ano passado. Há algum serviço ou utilidade nesse “como fazer”?

Diferentemente de IstoÉ (“Tolerância Zero: Santa Maria, nossos jovens nas arapucas da morte”), Época (Tão jovens, tão rápido, tão absurdo”) e Veja (“Nunca Mais”), a pequena CartaCapital novamente marca gol ao abordar em sua capa “O vazio da cultura (ou a imbecilização do Brasil)”. Faz todo o sentido!

Em 14 páginas, CartaCapital vai fundo na análise e diagnóstico da situação preocupante em que se encontra a cultura em nosso país, patinando numa mesmice de dar gosto. Nessas páginas densas, diversas cabeças bem pensantes se debruçam sobre o processo de imbecilização a que assistimos um tanto apalermados — da música às artes plásticas, passando pelo cinema, pela arquitetura e pela literatura. Faz bem aos neurônios ler reflexões em que os pingos são colocados nos ii — e criadores como Michel Teló, Ivete Sangalo, Paulo Coelho sendo colocados em perspectiva como “artistas da sociologia”, pois constam pelos números que exibem, não pela qualidade do que produzem.

Em contraponto, a revista lança luz a filmes como O Som ao Redor, de Kleber Mendonça Filho — considerado pela um dos dez melhores filmes do ano passado pelo The New York Times, e lançado agora aqui em 13 salas, contra as 718 em que De Pernas para o Ar 2,de Roberto Santucci, amealhou mais de 3,5 milhões de espectadores. Nada contra esse sucesso, mas preocupa o vazio cultural que se impõe.

Reconforta a análise otimista de Alfredo Bosi, entrevistado nessa reportagem da CartaCapital: há sim muita coisa boa acontecendo e fermentando no país, embora a decantada “indústria cultural” não veja rentabilidade em colocá-la em foco. Afinal, como lembra Bosi, citando Goethe, “o belo é raro” — e não está à venda. (Destaco ainda, na linha da ironia fina, o comentário da curadora Daniela Castro: “As expressões da pobreza e do abandono pelo Estado das classes baixas urbanas, uma vez retratadas pela dupla OsGêmeos, agora figuram nos lenços da nova coleção da Louis Vuitton”).

E com isso passamos ao desdobramento desta “pensata”. Nesta semana em que as revistas de informação se debruçaram em fotos de lágrimas, destroços e ataúdes, outra tragédia acontecia em Brasília. E com isso voltamos ao tema da escassez de vergonha na cara, abordado aqui há duas semanas.

Tivemos eleições para compor as mesas diretoras e as presidências das duas câmaras do Congresso Nacional. E esse foi mais um show de falta de decoro que talvez passe sem o devido reparo. Comecemos com o Senado: retorna à Presidência da casa, com uma expressiva votação, o mesmo José Renan Vasconcelos Calheiros que renunciou ao cargo há cinco anos, quando ocupava essa mesma Presidência. Renunciou ao cargo em 2007, quase perdendo o mandato, após ser acusado de ter despesas pessoais pagas (aluguel de um apartamento e a pensão da jornalista com quem o senador tem uma filha) pelo lobista de uma construtora. Na época Renan admitiu ser amigo do lobista, mas negou ter recebido dinheiro. Foi absolvido no processo de cassação em 12 de setembro de 2007 (o corporativismo da classe política é leonino). Mas por que renunciou se não devia?

O velho recurso das maracutaias, a velha e conhecida história do uso da coisa pública para atender o interesse privado. No caso, o senador não se importou com o escândalo de ter a vida pessoal vasculhada e colocada como roupa íntima suja para ser lavada em público. Pior, ao retomar à presidência do Senado ainda ousa discursar sobre ética. Uma ética bastante utilitarista, pois na visão (escrevi visão?) do senhor Calheiros, ela é um meio, não um fim em si. E como se sabe, o fim (pagar contas pessoais, pensão de alimentos) justifica o ataque ao erário ou o uso de laranjas.

Quem não se lembra do ranário (de criação de rãs, incentivo à biodiversidade amazônica) da esposa de outro presidente do Senado, Jader Barbalho, aquele que foi algemado pela Polícia Federal num show midiático? O fato é que não se soube de nenhum desses heróis da pátria que tenha devolvido as moedas ao cofrinho republicano.

Mas concretamente contra o novo (são todos novos, como se vê) presidente da Câmara Alta pesa a denúncia apresentada pela Procuradoria-Geral da República ao Supremo Tribunal Federal por três crimes: peculato (desvio de dinheiro público), falsidade ideológica e uso de documento falso. Mas o rapaz saberá se sair bem. É o que vem fazendo desde os tempos de Collor.

Quem também tem uma larga trajetória é o novo presidente da Câmara dos Deputados, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), eleito em votação secreta nesta segunda-feira, dia 4, para presidir a casa no biênio 2013-2014. Somou 271 votos, contra 165 de Júlio Delgado (PSB-MG), 47 de Rose de Freitas (PMDB-ES) e 11 de Chico Alencar (PSOL-RJ). Também uma votação expressiva, dessas que consagram o melhor entre seus pares. Alves entrou na política pelas mãos de seu pai, o ex-deputado, ex-ministro e ex-governador do Rio Grande do Norte, Aluízio Alves. E chegou à Câmara aos 22 anos. Ele mesmo relembrou emocionado, ao tomar posse:

“Desculpem a emoção, imaginem um menino que entrou por aquela porta aos 22 anos. Cheguei aqui como líder, este menino se tornou presidente da Casa e, se Deus quiser, vamos fazer respeitar cada vez mais a nossa Casa, que é o Parlamento brasileiro”, disse. Onze mandatos e 42 anos de atuação parlamentar pesam em suas costas. Quanta coisa boa deve ter produzido pelo país!

Sem exagerar na ironia, ao deixar a Presidência do Senado, com sentidas lágrimas, Sarney também fez menção ao seu múnus de trabalhar pela coisa pública: “Dediquei toda a minha vida à política a serviço do meu país. Minha reflexão final é que essa paixão do bem comum e da política é maior do que a paixão da vida”, declarou. Ele presidiu quatro vezes o Senado e está no Congresso há mais de 50 anos. Nessa longa atividade seu Estado natal conseguiu chegar à penúltima posição entre os membros da federação no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). Só ganha do Alagoas, do companheiro José Renan Vasconcelos Calheiros, o 27º colocado.

Mas voltemos ao Henrique Alves: “Eu sou de um tempo em que esta Casa se orgulhava, se abria ao povo brasileiro e à comunhão de pensamento e de ideias. Sou de um tempo em que essa Casa se impunha pelos seus debates, pelos seus melhores valores. Vivi tudo isso. Hoje é fácil bancar o valentão e o destemido”, declarou.

No capítulo 4 de seu livro Mídia, Teoria e Política, o professor Venício A. de Lima discorre sobre as comunicações no Brasil: os novos e velhos atores. O terceiro tópico deste capítulo trata justamente do “padrão histórico brasileiro: famílias e elites políticas”. O professor cita levantamentos que mostram que praticamente metade das emissoras de rádio no Norte e Nordeste é controlada por políticos. Os grandes grupos regionais de comunicação têm sobrenomes conhecidos: Magalhães, na Bahia; Aluísio Alves, no Rio Grande do Norte; Sarney, no Maranhão; Barbalho, no Pará; Collor de Melo nas Alagoas; Inocência Oliveira, no Pernambuco; Jereissati, no Ceará, e por aí vai.

O destemido garoto Henrique Alves, que aos 22 anos chegou líder na Câmara dos Deputados, fez uma brilhante carreira à custa da força midiática da família Alves. Também está em situação delicada, investigado pelo Ministério Público. Em resumo: dos 11 integrantes do novo comando do Senado, seis respondem a inquéritos ou ações penais no Supremo. Na Câmara a situação segue parelha: três novos membros da direção também são investigados na Corte. A vida política no próximo biênio promete muitos desdobramentos no STF.

Faz falta a verve do Sérgio Porto, o Stanislaw Ponte Preta. É dele a frase: “Ou restaure-se a moralidade ou locupletemo-nos todos!”

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