Juizados Especiais

A distribuição do acesso à Justiça não é igualitária

Autor

  • Antonio César Bochenek

    é juiz federal de Ponta Grossa (PR) ex-presidente da Ajufe e da Associação Paranaense de Juízes Federais diretor do Instituto Brasileiro de Administração do Sistema Judiciário (Ibrajus) mestre e doutor em Direito pela Universidade de Coimbra.

5 de fevereiro de 2013, 7h10

“O futuro das instituições nada mais é do que a capacidade de fazê-las reviver em outro tempo, libertas dos erros do passado. Portanto é hora de corrigir os defeitos e ousar o futuro” (Silva, 1998) [1]

O grande desafio das sociedades democráticas contemporâneas e dos sistemas judiciais é garantir o acesso pleno e integral aos direitos e à justiça, ou seja, oferecer meios de acesso irrestrito aos direitos e à justiça, desde o momento anterior à formação do conflito, até a efetiva entrega da prestação jurisdicional reclamada nos tribunais.

O acesso pleno aos direitos e à justiça compreende duas dimensões que têm como divisor o ingresso da demanda no sistema judicial: prévia e posterior. A primeira congrega todas as ações que antecedem ao ajuizamento das demandas e visam, principalmente, a prevenção dos litígios ou minimizar os seus efeitos. Se não houver meio de evitar o conflito, que ele seja o menos oneroso para partes na resolução pela via judicial ou extrajudicial. A dimensão prévia também compreende a elaboração e a implantação de políticas públicas de acesso aos direitos para atender às expectativas sociais e evitar abusos ou desrespeitos aos direitos.

Os principais pontos da dimensão prévia são a consulta, orientação, conscientização e educação sobre os direitos e as formas de acesso aos direitos. Todas as formas citadas ainda são incipientes se consideramos as potencialidades de cada instrumento e as expectativas sociais. Por exemplo, os juizados especiais federais, por meio da disponibilidade dos serviços prestados por servidores, nos setores de "atermação", realizam consultas e orientações, mas não na integralidade, pois não atendem de modo igualitário toda a população, e apenas auxiliam na resolução do conflito apresentado, em regra, sem aprofundamento das questões fáticas ou jurídicas, em uma análise superficial do caso. Indiretamente, por meio da solução apontada no final do processo, os juizados auxiliam a conscientizar e educar, inclusive as pessoas próximas daquele que ajuizou uma demanda. Apesar de ser considerado um avanço na sistemática de implantação dos direitos, ainda há a necessidade dos serviços prestados pelo judiciário ser ampliado e estruturado para a configuração do acesso irrestrito aos direitos e à justiça.

A dimensão posterior congrega todas as ações voltadas a garantir o acesso aos direitos e à justiça após o ajuizamento da demanda, bem como todo o acompanhamento (técnico, processual, social, psicológico, assistencial) até a efetivação ou negação do direito reclamado em juízo com o trânsito em julgado, além das conseqüências, nem sempre estritamente jurídicas.

A lei dos juizados especiais federais privilegiou as reformas processuais que facilitaram o ingresso de demandas, pela via judicial, ao prever a gratuidade, desnecessidade de acompanhamento por advogado em primeira instância, informalidade e simplicidade como critérios orientadores. Nesse ponto, andou bem o legislador e as alterações contribuíram significativamente para a facilitação do acesso à justiça, pois ocorreu o aumento do número de demandas protocoladas nos juizados e muitas pessoas marginalizadas e excluídas dos sistemas judiciais passaram a utilizar os tribunais para resolver os seus conflitos ou assegurar direitos.

Contudo, o ajuizamento de uma demanda judicial, por si só, não soluciona os conflitos. A falta de amparo prévio e posterior ao ajuizamento da ação acarreta prejuízos às partes não assistidas (hipossuficientes, com nítidas condições de desigualdades, quando não excluídas), desde o retardamento na solução final do litígio até o perecimento de direitos. Entre as ocorrências notadas nos juizados especiais federais, por toda a parte e em níveis diversos, nota-se a falta de qualificação adequada (aprimorada e aperfeiçoada) daqueles que prestam os serviços de atermação, o desamparo das partes após o ingresso da demanda e no decorrer da instrução processual, as deficiências técnicas e jurídicas de parcela dos operadores dos juizados, as deficiências nos serviços de assistência judiciária (advocacia cidadã, dativa e defensoria pública), a falta de controle e responsabilidade em relação as atividades objeto dos convênios celebrados com as faculdades de direito para o atendimento ao público e a insuficiência de iniciativas voltadas para a realização de juizados itinerantes.

As carências estruturais e de qualificação dos servidores bem como o desprestígio institucional levado a cabo pelos dirigentes dos tribunais podem transformar os juizados especiais em “falsas percepções” de acesso aos direitos e à justiça, ou seja, apenas como portas abertas para a entrada de demandas, e com dificuldades de abrir as portas de saída que propiciem a efetiva concretização da justiça.

Também não há uma distribuição igualitária dos meios de acesso à justiça entre a população, seja pela ausência de políticas públicas aplicadas de forma paritária pela administração dos tribunais, seja pela distribuição não igualitária de trabalho entre as varas, juízes e servidores. Ainda, a mesma justiça, de um lado, permanece praticamente desconhecida e inacessível para grande parcela do povo brasileiro, e de outro, é utilizada de forma excessiva (litigantes frequentes) e abusiva (banalizada) por determinados setores da sociedade.

A nova e generalizada tendência de busca pela justiça total pelos cidadãos implica numa forma inevitável de extensão e consolidação da “cultura da reclamação”. Os cidadãos não são apenas usuários, reais ou potenciais, dos sistemas judiciais, são também, e sobretudo, titulares últimos do poder de julgar, assim como são titulares do voto para eleger os representantes do legislativo e executivo. A busca incessante de e por justiça deságua nos tribunais e os juizados especiais apresentam-se como a solução contemporânea do sistema estatal para dar cabo ao contingente enorme de demandas judicializadas.

Acesso pleno e integral à justiça também implica necessidade de adoção de medidas políticas e públicas que facilitem o acesso físico das pessoas aos órgãos jurisdicionais. Nesse sentido, os juizados itinerantes (juizados avançados ou unidades de atendimento – em qualquer de suas espécies) são elementos essenciais na promoção da cidadania plena, da democratização de alta intensidade e contribuem sob a perspectiva inclusiva e participativa da administração da justiça. De fato, a realização de juizados itinerantes propicia o contato, direto e próximo, entre a população menos favorecida e os integrantes dos tribunais. A justiça perto do povo e para o povo, que é justamente o motivo da sua existência. A presença dos tribunais nas comunidades fortalece os vínculos com a sociedade e principalmente oferece meios de informação e conscientização sobre os direitos e a forma de exercê-los.

Certa vez um servidor do judiciário federal ao comentar sobre o acesso aos direitos e à justiça referiu, com propriedade, sobre o “efeito camaleão”. Ou seja, para a realização plena do acesso aos direitos e a justiça, os operadores jurídicos e sociais necessitam fazer todos os esforços para adaptar as ferramentas dispostas na realidade local em proveito de medidas que facilitem o acesso aos direitos e à justiça. A observação reflete a riqueza das relações sociais e da vontade em construir melhores sociedades e tribunais, sobretudo, democráticas. Portanto, o acesso irrestrito aos direitos e à justiça depende da participação de todos os cidadãos, operadores e utilizadores dos juizados especiais, incluídas as entidades da sociedade civil organizada e os movimentos sociais.

[1] SILVA, Antônio Álvares (1998). Eleição de juízes pelo voto popular. São Paulo: LTr

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    é juiz federal de Ponta Grossa (PR), presidente da Associação Paranaense de Juízes Federais e diretor do Instituto Brasileiro de Administração do Sistema Judiciário (Ibrajus). Mestre e doutor em Direito pela Universidade de Coimbra.

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