Culpa in vigilando

Funai deve indenizar mulher apedrejada por índios

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4 de fevereiro de 2013, 12h21

A 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região manteve sentença que mandou indenizar uma moradora de Londrina, no norte do Paraná, apedrejada por índios caingangues em fevereiro de 2010. Os desembargadores, entretanto, deram parcial provimento ao recurso da Fundação Nacional do Índio (Funai), responsável pela tutela dos indígenas, para reduzir o valor das indenizações arbitradas na primeira instância. O atentado causou afundamento craniano na autora, que passou meses hospitalizada e perdeu parte da capacidade para o trabalho.

O relator da Apelação em Reexame Necessário, desembargador federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, disse que a análise dos fatos, do dano, do nexo de causalidade e da conduta omissiva da Funai — contemplada pela sentença lavrada dia 9 de dezembro de 2011 — apresenta-se ‘‘incensurável’’.

Para o desembargador, a perícia judicial e outros elementos cognitivos produzidos nos autos comprovam que as lesões sofridas pela autora não são passíveis de tratamento. Também comprovam que as sequelas reduziram sua capacidade funcional em 65%, tornando-a incapaz de forma total e permanente para atividades de trabalho genéricas.

O relator confirmou o quantum indenizatório de R$ 100 mil, com as devidas correções, para reparar os danos estéticos, bem como para ressarcir as despesas médicas, estimadas em R$ 1,3 mil. O valor dos danos morais, no entanto, caiu de R$ 350 mil para R$ 100 mil, para evitar ‘‘enriquecimento ilícito sem causa’’. O pensionamento mensal também foi reduzido para patamares inferiores a três salários-mínimos.

Lenz explicou, no acórdão, que a recomposição da renda auferida à época dos fatos, de R$ 1,5 mil, deve considerar o valor do benefício previdenciário pago à autora — R$ 869,00. ‘‘Assim, considerando que a redução ‘remuneratória’ da autora perfaz R$ 631,00 (seiscentos e trinta e um reais) — equivalente a 1,23 salário-mínimo vigente à época dos fatos —, anoto ser esse dimensionamento de 1,23 salário-mínimo que deve ter a pensão vitalícia devida’’, determinou. O acórdão foi lavrado no dia 30 de janeiro.

O caso
O atentado que deu causa à ação indenizatória aconteceu no dia 6 de fevereiro de 2010, quando a autora e seu marido voltavam de um churrasco. O veículo em que estavam foi apedrejado no momento em que passava pela manifestação promovida por índios caingangues, em frente à sede da Funai, em Londrina.

Os indígenas protestavam contra o decreto federal que determinou a extinção das representações da autarquia no Paraná. Uma das pedras arremessadas atingiu a cabeça da autora, causando-lhe grave traumatismo craniano. Ela chegou a ficar vários dias na UTI, em coma.

Depois de meses hospitalizada e de ter se submetido a duas cirurgias, a autora começou a se recuperar lentamente. Em julho de 2011, como resultado da intensa fisioterapia, voltou a andar. Entretanto, a agressão e a internação hospitalar fizeram com que abandonasse curso superior em Administração.

Na ação de reparação, ela disse que a agressão sofrida, além de deixá-la dependente de terceiros, que a ajudam na locomoção, acabou gerando profundas mudanças na sua vida social e profissional. Afirmou que, para ficar mais próxima do local onde faz as atividades de fisioterapia, teve de se mudar, o que causou transtornos com o contrato de locação.

Citada, a Funai alegou, preliminarmente, sua ilegitimidade passiva. Argumentou que os índios possuem capacidade civil plena para responder por seus atos. E garantiu não ter havido participação de prepostos ou agentes seus nos fatos narrados na inicial.

No mérito, a autarquia alegou que os ataques desferidos ao veículo se deram por legítima defesa dos índios — já que a autora ignorou as barreiras existentes no local. Sustentou que não houve arremesso contra os ocupantes do veículo, mas tão-somente contra o próprio veículo. Este detalhe, segundo a defesa da Funai, significa que o ferimento produzido na autora decorreu de ‘‘uma fatalidade’’.

A sentença
No julgamento do processo, o juiz federal substituto Roberto Lima Santos afirmou que a legitimidade passiva da autarquia não decorre da participação dos seus agentes nos fatos, mas da tutela sobre as comunidades indígenas — nos termos do artigo 7º, parágrafo 2º, da Lei 6.001/1973, o Estatuto do Índio.

Ele destacou que não se trata de responsabilidade objetiva da administração, fundada no artigo 37, parágrafo 6º, da Constituição Federal, mas de responsabilidade por fato de terceiro, decorrente de culpa in vigilando — culpa decorrente da falta de fiscalização do Estado sobre terceiros. Assim, os fatos devem ser interpretados à luz do Código Civil, que disciplina, em seu artigo 932, inciso II, a responsabilidade dos tutores sobre atos de seus tutelados.

‘‘A Funai, como tutora dos silvícolas, deixou de tomar as cautelas para que fatos como o narrado na inicial não ocorressem. É óbvio que, diante da notória revolta dos indígenas contra o Decreto Federal 3.056/2010, que determinou a extinção das representações da Funai no estado do Paraná, deveria a ré estar mais atenta para impedir que seus tutelados cometessem atos ilícitos’’, complementou.

O juiz substituto Roberto Lima Santos julgou os pedidos da inicial procedentes. Condenou a autarquia a ressarcir despesas médicas no valor de R$ 1.305,13; pagar pensão vitalícia mensal no valor de três salários mínimos, a contar da data do fato, que contempla a indenização relativa aos lucros cessantes; danos morais, na importância de R$ 350 mil; e danos estéticos, na quantia de R$ 100 mil com as devidas correções legais. Esses valores foram redimensionados com a decisão do TRF-4.

Clique aqui para ler a sentença e aqui para ler o acórdão. 

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