Embargos Culturais

A trajetória de Holmes Jr., o herói do Direito dos EUA

Autor

  • Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy

    é livre-docente em Teoria Geral do Estado pela Faculdade de Direito da USP doutor e mestre em Filosofia do Direito e do Estado pela PUC-SP professor e pesquisador visitante na Universidade da California (Berkeley) e no Instituto Max-Planck de História do Direito Europeu (Frankfurt).

3 de fevereiro de 2013, 7h00

Oliver Wendell Holmes Jr. é a referência mais recorrente no realismo jurídico norte-americano. Jurista militante e filósofo diletante, Holmes levou o pragmatismo jurídico ao limite, atuando como juiz da Suprema Corte norte-americana, de 1902 a 1932, discordando frequentemente de opiniões formalistas, o que lhe valeu o epíteto the great dissenter, o que vertido para nossa linguagem forense indica algo próximo de prolator de votos vencidos.

Suas decisões foram com o tempo confirmadas e, nesse sentido, Holmes antecipou as grandes mudanças da jurisprudência norte-americana, que marcaram o século XX. No entanto, paradoxos e ambiguidades marcam sua trajetória.

Holmes nasceu em 1841 e faleceu em 1935, três anos depois de ter se aposentado da Suprema Corte. Seu pai, Oliver Wendell Holmes Jr., lecionou Medicina na Universidade Harvard e foi um dos mais conhecidos escritores norte-americanos do século XIX.

Vivendo em Boston, Holmes Jr. frequentou e conviveu com a elite do pensamento norte-americano, a exemplo de Charles Sanders Peirce e de William James, com quem se reunia frequentemente, em agremiação filosófica que fundaram, o Clube Metafísico.

O pai de Holmes também havia estudado Direito, embora, ao que consta, odiasse o estudo de leis e de antecedentes jurisprudenciais, tendo abandonado o curso, justificando sinceramente a atitude, ao afirmar que lhe era desagradável estudar Direito; a opção subsequente foi a Medicina, embora a literatura representasse seu maior interesse.

Em carta de 1831, o pai de Holmes havia escrito que a advocacia é a profissão daqueles que querem a selvageria, enquanto que a Medicina é a ocupação de comedores de ópio que amam as desilusões. Holmes viveu com o pai até os 30 anos, e dele dependeu financeiramente até essa idade (cf. BOWEN, 1944, p. 258). E foi na casa do pai que ele foi residir assim que se casou (cf. BOWEN, 1944, p. 261), embora nora e sogro não se dessem muito bem (cf. BOWEN, 1944, p. 263).

Holmes lutou na guerra civil norte-americana, experiência que lhe marcou profundamente. Serviu como tenente. Foi ferido várias vezes, quase perdeu um dos pés, caiu preso entre os confederados, conseguiu retornar a Boston, graduou-se em Direito; a partir de então, desenvolve-se sua prolífica carreira. Sentiu medo da guerra, e teria desde então desenvolvido percepção de profunda desconfiança para com a bondade humana (cf. BOWEN, 1944, p. 154).

No último ferimento, quase perdeu a perna. Ficou por nove meses distante dos sangrentos campos de batalha. O retorno à família foi triunfal (cf. BOWEN, 1944, p. 184). Holmes era um abolicionista (cf. ALSCHULER, 2000, p. 42).

Estudou em Harvard por tradição familiar, fazendo-o como seu pai, tios e primos fizeram antes dele (cf. BOWEN, 1944, p. 115). É indiscutivelmente o maior nome do pensamento jurídico norte-americano, ao qual imprimiu percepções e soluções práticas e pragmáticas, distanciando-se de problemas conceituais e metafísicos que marcavam (e marcam) o pensamento jurídico europeu. Holmes é o primeiro juiz moderno a adquirir status de celebridade.

Desde sua morte Holmes tem sido festejado por muitos e condenado e criticado por outros tantos. Passado mais de meio século de sua morte, Holmes é ainda tema de biografias e de estudos analíticos (cf. HOEFLICH, 2002, p. 398).

Depois de concluir o curso de Direito, Holmes advogou, fez pesquisas de história jurídica e foi convidado para lecionar em Harvard. Segundo os detratores de Holmes, seu plano era o de ser reconhecido como o maior jurista do mundo (the greatest jurist in the world) (cf. ALSCHULER, 2000, p. 34).

Contraditório, Holmes professava certa simpatia por práticas de eugenia, bem como refutava a validade do direito natural, o que lhe granjeou a desconfiança e a antipatia de segmentos católicos (cf. POSNER, in HOLMES, 1992, p. xvii).

Por outro lado, manteve casamento de 60 anos com Fanny Dixwell, convivência que os americanos veem como um monumento ao matrimônio, o que provoca em um admirador a observação de que Holmes não fora apenas um grande jurista; ele teria sido também um grande intelectual, uma grande pessoa, um grande americano, um homem de uma grande vida (cf. POSNER, in HOLMES, 1992, p. xv). Holmes visitava semanalmente o túmulo da esposa; conta-se que quando Fanny morreu, Holmes teria escrito que ela por 60 anos havia feito da vida uma poesia para ele (cf. ALSCHULER, 2000, p. 35).

Porém nem tudo pode se confirmar como imaculadamente perfeito. Há suspeitas de que Holmes tivera uma amante inglesa, aristocrática, conhecida como Lady Castledown (cf. cf. ALSCHULER, 2000, p. 20).

Ao que já se disse, Holmes teria escrito 103 cartas para Lady Castledown, cartas que ainda existem, conforme intrigante ensaio escrito por David Seipp, professor de História do Direito na Universidade de Boston, de quem fui aluno, e que defendeu que Holmes teria escrito seu trabalho The Path of the Law em estado de grande paixão e euforia amorosa, e que o texto fornece indícios de redação apaixonada, romanticizada (cf. SEIPP, 1997, p. 535).

Holmes é o herói do Direito norte-americano (the hero of American law). Benjamin Cardozo o reputava de senhor de todo o Direito e da Filosofia do Direito, o mais perfeito jurista de seu tempo.

Felix Frankfurter teria dito que Holmes era o filósofo que se tornou rei. Frankfurter ainda dizia que por séculos homens que jamais teriam ouvido falar de Holmes estaria se movimentado na extensão de seu pensamento. Charles Wyzanski afirmara que como a estátua A Vitória de Samotrácia, Holmes era o ápice de cem anos de civilização.

Thomas Grey afirmara que Holmes fora o maior oráculo do pensamento jurídico norte-americano. Karl Llewellyn tinha Holmes como a mente mais distinta de seu tempo. Morton Horwitz reputava Holmes o único pensador jurídico nos Estados Unidos. Para Richard Posner, Holmes é a mais ilustre figura do Direito norte-americano. Para Harry Kalven e Hans Zeisel, Holmes seria o mais perfeito ideal buscado por um advogado norte-americano.

Declarou-se que a indústria automobilística teve Henry Ford, que o jazz contou com Louis Armstrong, que Hollywood teve Marilyn Monroe, que o baseball contou com Babe Ruth e que o Direito orgulhava-se de Oliver Wendell Holmes Jr. (cf. ALSCHULER, 2000, p. 15).

Holmes foi beatificado, o que ensejou questão intrigante. Afinal, como um homem brutalizado pela guerra civil tornou-se o grande oráculo do Direito norte-americano? Sem dúvidas, ele era brilhante, trabalhava duro e com seriedade, escrevia prosa cativante e ao que consta era pessoa de charme extraordinário (cf. ALSCHULER, 2000, p. 181), um causeur. A história de Holmes confunde-se com a história dos Estados Unidos.

Referências bibliográficas
ALSCHULER, Albert W. Law without Values. Chicago: Chicago University Press, 2000.

BOWEN, Catherine Drinker. Yankee from Olympus. Boston: Little Brown, 1944.

FISHER III, William W. et alii (ed.). American Legal Realism. New York: Oxford University Press, 1993.

HOEFLICH, Michael M. Holmes, Oliver Wendell Jr. in HALL, Kermit (ed.) The Oxford Companion to American Law. New York: Oxford University Press, 2002.

HOLMES JR., Oliver Wendell. The Common Law. New York: Dover, 1991.

HOLMES JR., Oliver Wendell. The Essential Holmes. Chicago: Chicago University Press, 1992.

KUHN, Thomas S. The Structure of Scientific Revolutions. Chicago: Chicago University Press, 1996.

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