Contra a corrente

Ministros da Suprema Corte são os únicos que resistem a câmeras

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31 de dezembro de 2013, 13h23

Ao contrário do Brasil, congressistas americanos estão se empenhando em aprovar legislação que, de certa forma, “obrigue” a Suprema Corte dos EUA a liberar a transmissão ao vivo de suas audiências. O Comitê Judiciário do Senado elaborou um projeto de lei que, a qualquer momento, pode chegar ao plenário da Casa para votação.

A maioria dos ministros da Suprema Corte resiste à ideia. Mas, de maneira geral, os argumentos não parecem convincentes aos ministros das Supremas Cortes estaduais, à maioria dos juízes dos tribunais de recursos, a professores de Direito, à maioria dos políticos e à imprensa.

A crítica de maior peso foi publicada no sábado (28/12), em artigo assinado nos jornais Los Angeles Times e Boston Herald, pela presidente da Suprema Corte de Ohio, ministra Maureen O’Connor. Ela escreveu que a Suprema Corte dos EUA é a única grande instituição da civilização ocidental que ainda não entrou no Século XXI, tecnologicamente.

De acordo com a ministra, as Supremas Cortes de todos os estados já permitem transmissões ao vivo por TV ou pela internet. Os tribunais de recurso estão adotando a medida progressivamente, a seu critério, liberando transmissões de audiências do plenário pleno — e não do painel de três juízes. O último foi o tribunal federal de recursos de São Francisco (Califórnia), que começou a transmitir seus procedimentos neste mês.

No artigo, a ministra criticou alguns dos argumentos dos ministros da Suprema Corte, a começar pela defesa que fazem de seu direito de se manter longe das câmeras, porque são avessos à ideia de se tornarem figuras públicas e porque preferem a privacidade. “Eles não têm nenhum problema com a perda da privacidade, quando aparecem em frente a câmeras para promover um de seus livros”, ela afirmou.

No entanto, disse a ministra, o público tem todo o direito de ver os membros da Suprema Corte em ação, quanto o de escrutinar seus prefeitos, governadores e parlamentares. “A população tem uma expectativa de que, se alguma coisa é realmente importante, deve ser testemunhada em primeira mão”, ela escreveu.

“Praticamente todas as instituições de governos democráticos, em todo o mundo, responderam a essa expectativa da população, permitindo a transmissão de seus procedimentos por TV ou online. Menos a Suprema Corte dos EUA. Hoje em dia, mesmo julgamentos em fóruns criminais podem ser vistos até em smartphones, a 10 mil metros de altura”, afirmou.

“Está na hora de os tribunais darem um passo à frente e abrir seu sistema judicial historicamente opaco ao público, com a liberação de todos os tipos de câmeras”, escreveu.

Outro argumento dos ministros da Suprema Corte dos EUA é o de que a presença de câmeras nas audiências pode estimular advogados e procuradores do governo a se exibirem para o público, em vez de se limitarem a defender corretamente suas causas.

Para a ministra, e outros defensores da transparência dos procedimentos judiciais, esse argumento é falho. “Todos os advogados sabem que a única audiência que precisam convencer está bem na frente deles. E os ministros não os deixarão se esquecer disso. Quem fizer isso, perderá estatura perante os olhos da corte”, afirmou.

De uma maneira geral, a ministra de Ohio repercutiu os argumentos e contra-argumentos mais comuns sobre a questão. Outro deles é o de que as emissoras de TV poderão apresentar em sua programação apenas um pequeno trecho, extraído de um pronunciamento, deixando-o fora de contexto.

Esse é mais um argumento falho, disse a ministra, repercutindo os defensores das câmeras nos tribunais. A Suprema Corte já divulga, há algum tempo, o áudio de toda a audiência, que é acompanhada por repórteres. Assim, a possibilidade dos meios de comunicação extraírem um trecho de um pronunciamento e deixá-lo fora de contexto já existe atualmente. Isso já acontece, todos os dias, nos jornais e nas emissoras de rádio e TV.

“Impedir que isso aconteça, só torna a corte uma instituição mais misteriosa e não necessariamente mais eficaz”, ela disse. Segundo a ministra, há tribunais que já usam câmeras há três décadas. A Suprema Corte de Ohio, há dez anos. A de Massachusetts faz transmissões pela Internet desde 2005. “A evidência mostra que as câmeras nas salas de audiência têm sido uma experiência positiva”, ela escreveu.

De acordo com a ministra, essa é uma evidência tão grande que mesmo o Clube Nacional da Imprensa, cujos membros nunca chegam a consenso algum, chegaram facilmente a um acordo sobre a necessidade de colocar câmeras nos tribunais, para tornar suas atividades mais transparentes.

A ministra da Suprema Corte Sonia Sotomayor tem um argumento que ainda não foi contestado. Ela afirma que o público poderá ter uma má impressão dos ministros, com transmissões ao vivo, porque eles sempre representam o “advogado do diabo” nas audiências. Isto é, para extrair o melhor dos advogados e procuradores, os ministros sempre se colocam em uma posição contrária a deles e, basicamente, contestam tudo o que dizem. Isso cria a presunção de que já assumiram uma posição sobre o caso, o que não é verdade.

O ministro Samuel Alito descreveu uma preocupação peculiar da corte. Ele disse a parlamentares que sempre foi defensor da presença das câmeras em todos os tribunais pelos quais passou. Mas mudou de ideia, quando chegou à Suprema Corte e soube que o ex-ministro David Souter havia declarado que uma câmera de televisão só entraria na Suprema Corte depois de passar por cima de seu cadáver. Nesse momento, ele começou a compreender o sentimento da corte sobre as câmeras.

Os ministros da Suprema Corte dos EUA, incluindo os liberais, são muito conservadores, na opinião da ministra da Suprema Corte de Ohio. “Eles conseguem ser mais conservadores que os juízes e advogados britânicos que, até hoje, usam perucas empoadas”, ela escreveu. Em novembro, o Tribunal de Recursos britânico acabou com um proibição de 88 anos de câmeras em suas salas, ela lembrou. E as cortes superiores permitem as transmissões desde 2009.

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