Segurança jurídica

Regulamentação para PPPs e concessões deve ser uniforme

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28 de dezembro de 2013, 6h27

Na linha do que escrevi na revista Consultor Jurídico em 23 de agosto de 2013 (Governo lentamente muda forma de contratação pública), quando, de forma lúdica, comparei o recente agigantamento do Regime Diferenciado de Contratação — RDC — com a Conquista do Oeste, no século XIX, podemos fazer um balanço do que representou este ano de 2013 para a contratação pública, e chegar à conclusão de que o RDC está próximo à situação dos stados Unidos início do século XX. O RDC inicia a sua expansão ultramarina sobre Porto Rico, Havaí, Cuba, Samoa Americana e a Zona Internacional do Panamá — a propósito, com relação à construção do Canal do Panamá, recomendo aos estudiosos de infraestrutura pública a excelente e interessante obra Febre do Panamá, de Matthew Parker.

Assim como nos outros casos de expansão, justificadas pela relevância e “urgência” das medidas provisórias do artigo 62 da Constituição Federal, em 24 de dezembro de 2013, o governo federal presenteou os especialistas em direito público com mais uma Medida Provisória, a 630, promovendo novas alterações na Lei 12.462, de 4 de agosto de 2011. Imbuído pelo espírito natalino cristão, o RDC “presenteia” a sociedade e também será aplicável às obras e serviços de engenharia para construção, ampliação e reforma de estabelecimentos penais e unidades de atendimento socioeducativo. Enquanto isso, as PPPs para estabelecimentos prisionais, as quais poderiam, de fato, imprimir uma gestão eficiente, econômica e racional, promovendo uma sensível melhoria na situação desumana que aflige a população de encarcerados no País, remanesce como um tabu na União.

Qualquer expansão, no entanto, não consegue ser tranquila e pacífica por muito tempo. A tentativa do governo federal de estabelecer uma pax licitatio, por meio da alteração silente do RDC, e assim agradar alguns setores da economia e agentes públicos, não vem passando despercebida por parte dos especialistas em Direito Administrativo no país – e, em especial, do Congresso brasileiro. Prova disso é que, em dezembro de 2013, a Comissão Especial Temporária de Modernização da Lei de Licitações e Contratos — CTLICON —, presidida pelo senador Vital do Rêgo, emitiu um relatório final referente às diversas proposições remetidas à comissão, recomendando a fusão da Lei de Licitações (Lei 8.666/1993), Lei do Pregão (10.520/2002) e o RDC — deixando apartadas, de propósito, as normas referentes a concessões (comuns, patrocinadas, administrativas), permissões e autorizações para a prestação de serviços públicos.

Abrindo um breve parêntese, a unificação da legislação de concessões e permissões de serviços públicos deve ser o próximo passo para uma tentativa de expansão nessa modalidade de contratação pública. Prova disso é que o recente “ornitorrinco” concebido com as concessões ferroviárias, que mesclam conceitos de Lei de Concessões comuns e PPPs, não resistem a uma análise mais estrita das normas que regulam o setor de exploração de serviços públicos por parte dos órgãos de controle externo. A tendência natural é que, assim como nos demais países, a regulamentação para PPPs e concessões seja algo uniforme a fim de dar maior segurança jurídica a essas modelagens. Não se discute, aqui, o mérito quanto à eleição de uma ou outra modalidade de exploração, mas sim a necessidade de uma aplicação padrão de princípios, regras e procedimentos, com vistas a evitar tais questionamentos.

Porém, volvendo à CTLICON (a nossa Prússia), tal como o governo federal com as Medidas Provisórias, ela vem promovendo essa “anexação de territórios” sem a devida ampliação da discussão aos diversos acadêmicos e profissionais que se envolvem, diariamente, com o sistema de compras e contratações públicas no Brasil. A impressão é que o debate está sendo feito “a portas fechadas”, sem a abertura de diálogo para a sociedade civil — no clássico modelo de eleição de um pequeno rol de especialistas que contribuem isoladamente para a concepção da norma jurídica. É a famosa “Lei do Fulano de Tal”. Seguramente, a ampliação do debate, se não prejudica, é um claro mecanismo de accountability referente a um tema de interesse nacional.

Ademais, tal reforma não vem acompanhada de uma discussão e análise com relação a outros sistemas internacionais de compras públicas, de forma a aprendermos com as experiências exitosas e fracassadas ocorridas em outras localidades: o relatório final, por exemplo, sequer menciona, em suas passagens, a Diretiva 2004/18/EC do Parlamento Europeu e do Conselho, a qual consolida os procedimentos europeus de adjudicação de contratos de empreitada de obras públicas, de fornecimento e de serviços.

A título de exemplo, embora haja a ideia de se consagrar o sistema de avaliação e remuneração quanto ao desempenho do contratado, tal como é feito nas concessões e permissões, olvida-se de analisar tal peculiaridade prevista na própria Diretiva mencionada para a contratação pública. Outras questões, como a elaboração de short lists e maior utilização de mecanismos de diálogo competitivo, passam à revelia dessa reforma – em que pese sejam negligenciadas, em menor grau, na expansão ultramarina do RDC.

Veremos, em breve, uma formação de blocos independentes de reformas (Executivo e Legislativo) e um subsequente confronto entre a Tríplice Aliança e a Tríplice Entente? A preocupação é: o que emergirá, posteriormente a esse “pós-guerra”, de forma a efetivamente desencadear a modernização nos sistemas de contratação e compras públicas no País?

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