Assumindo o TJ-SP

Nalini promete mudanças na revista na entrada da corte

Autor

24 de dezembro de 2013, 11h00

O desembargador José Renato Nalini assumirá, no dia 2 de janeiro de 2014, um enorme desafio. Após um biênio como corregedor-geral da Justiça, ele sucederá Ivan Sartori como presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo, colocando-se no olho do furacão. Caberá a Nalini analisar os projetos de seu antecessor, continuar o que considera positivo e tocar seus próprios projetos para o maior tribunal do Brasil.

A gestão de Ivan Sartori foi marcada por polêmicas, incluindo o despejo do Ministério Público das salas que os promotores ocupavam em fóruns, pagamentos extraordinários a magistrados e servidores e uma administração voltada “para dentro”, priorizando as necessidades de quem atua no TJ-SP e do próprio tribunal, o que irritou a advocacia. A quantidade de demandas é grande, a prestação não segue a velocidade desejada pela sociedade e parte dos jurisdicionados não aceita a ideia de passar por revistas individuais para entrar no tribunal.

Em entrevista ao repórter Fausto Macedo, publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo, Nalini diz que pretende fazer da transparência uma regra no TJ-SP, defende o pagamento do que chama de “verbas atrasadas e legítimas”, tanto para os julgadores como para os funcionários, e garante que pretende manter boa relação com o Conselho Nacional de Justiça. Sobre o Processo Judicial Eletrônico, o futuro presidente do TJ-SP afirma que isso é irreversível e que os processos em papel vão minguar cada vez mais.

Leia trechos da entrevista concedida ao jornal O Estado de S. Paulo:

A gestão que o senhor vai suceder ficou marcada por pagamentos extraordinários a magistrados e servidores. O senhor vai dar sequência a esse modelo?
O pagamento de verbas atrasadas e legítimas não deveria ser considerado extraordinário. A minha intenção seria ‘zerar’ o passivo de atrasados, que gera insatisfação nos credores e representa razoável parcela do tempo subtraído à atividade-fim do Judiciário: resolver problemas. Na medida do possível, pretendo continuar a saldar débitos para que o público interno, satisfeito com a administração, invista no desempenho da função primordial da Justiça: solucionar os conflitos.

Os advogados reclamam do processo judicial eletrônico e das revistas pessoais a que são submetidos para entrar no Palácio da Justiça.
O processo eletrônico é irreversível. Não consigo assimilar a necessidade de arquivamento eterno de papéis, os processos findos, se nós mesmos em breve seremos pó. O suporte papel deve ser reduzido ao mínimo e, se possível, desaparecer. Quanto às revistas, prometo que as coisas vão mudar.

Como alcançar a autonomia orçamentária?
A autonomia financeira, embora assegurada na Constituição desde 1988, ainda não foi implementada. Em outros Estados o total dos emolumentos, remuneração do setor extrajudicial, os antigos ‘cartórios’, é todo destinado ao funcionamento do Judiciário. Em São Paulo ainda não. É um passo inadiável. Mas é preciso convencer os demais Poderes de que o ‘custo Brasil’ também resulta de um Judiciário que não consegue vencer sua insuperável carga de trabalho. É urgente convencer a sociedade de que a Justiça está a serviço dela e que todos têm responsabilidade por aparelhá-la e provê-la dos recursos necessários.

Aponte três mudanças que faria na Lei Orgânica da Magistratura.
Muito pouco para uma lei que deriva do famigerado ‘pacote de abril’, a Emenda Constitucional 7/77, do autoritarismo. Difícil conceber que o fruto do arbítrio tenha sido recepcionado pela Constituição Cidadã. Excluiria vedações dos incisos II e III do artigo 36, que impedem o juiz de oferecer sua experiência e de se manifestar como qualquer cidadão sobre julgamentos rumorosos. O juiz não pode perder sua cidadania. Essa neutralidade asséptica absoluta simplesmente não existe. É preciso reconhecer que o ser humano juiz leva sua história, suas circunstâncias, formação, experiência e até suas idiossincrasias para todo processo.

O senhor é a favor de 60 dias de férias para juízes?
Sou favorável, embora reconheça a polêmica. Juiz que tem por matéria-prima a miséria do convívio humano, absorve boa parte da angústia no seu cotidiano. Outros países têm até previsão do ‘ano sabático’ para o magistrado. Ele pode passar até um ano a estudar, a se fortalecer intelectual e espiritualmente, depois de certo período de atuação. O triste é que as férias não são fruídas, senão convertidas em pecúnia para suprir a defasagem remuneratória. Há quanto tempo a magistratura está sem reajuste compatível com o custo de vida?

O que dizer a quem aguarda longos anos para ter justiça e nunca tem?
A população é paciente e resignada. Se formos pensar em 93 milhões de processos e no modelo de quatro instâncias, que leva as lides a perdurar por anos a fio, até que não existem manifestações maiores de irresignação. A situação chegou a um ponto em que não é possível evitar profundas reformas estruturais. Elas estão germinando e outras a caminho.

Como combater a corrupção?
Atuando sem trégua. Todo conjunto humano tem suas fissuras. Nós falamos sempre em corrupção e contemplamos o corrupto. Mas a prática exige também o corruptor. Este em regra quer permanecer imune. Aliás, é muito difícil conseguir que alguém deponha em desfavor de alguém considerado corrupto. Trazem os boatos, pretendendo que se aja de ofício, sem provocação e sem provas. Isso torna difícil localizar a corrente da contaminação. Conclama-se a responsabilidade cidadã de todos para que a corrupção seja ao menos atenuada, já que eliminada é mais difícil.

Como corregedor o que viu nas comarcas e fóruns?
Vi uma estrutura carcomida em grande parte. Falta de estrutura, falta de pessoal, falta de perspectivas. Mesmo assim, encontrei gente entusiasmada. Gente que acredita em vocação. Faz justiça como verdadeira missão. O maior patrimônio do Judiciário é seu pessoal. Por isso é que um ponto insuscetível de se transigir é o prestígio e a valorização das pessoas que fazem a Justiça. Um Poder Judiciário é um conjunto de pessoas animadas a resolver problemas alheios. Se essas pessoas se imbuírem dessa consciência, tudo poderá ser diferente sem as profundas reformas estruturais que nunca vieram e que a República ainda está a dever ao povo brasileiro.

A gestão que está de saída entrou em atrito sem precedentes com o Ministério Público porque tentou desalojar os promotores de 58 fóruns. O senhor vai revogar ou manter essa medida?
Não tive acesso direto ao problema. Em tese, o interesse do Ministério Público é conseguir autonomia, nem sempre possível se preservada essa situação antiga, dos tempos em que a instituição não ganhara a relevância que o constituinte de 1988 a ela conferiu. Mas não sou inflexível, fui promotor durante quatro anos, respeito o MP e acredito no diálogo. Vamos ver o que encontro quando tomar posse.

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!