Missões impossíveis

Por falta de dinheiro, EUA querem cortar número de presos

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24 de dezembro de 2013, 10h26

Às vésperas da passagem do ano, o Departamento de Justiça (DOJ) dos EUA divulgou um relatório que define três prioridades do para 2014. As duas principais, pelo histórico do país, parecem “missões impossíveis”: esvaziar o sistema prisional do país, o maior do mundo, e proteger as liberdades civis, violadas principalmente pelo próprio governo, com seus programas de espionagem dos cidadãos. A terceira prioridade é algo que vem ganhando espaço em todo o mundo: combater as fraudes.

Os EUA podem provar que têm o maior sistema prisional do mundo com diversas estatísticas. O sistema mantém, em média, 2,3 milhões de habitantes nas prisões federais e estaduais — não estão computados, crianças e adolescentes (mais de 70 mil) e imigrantes ilegais (número desconhecido). Para cada 100 mil habitantes, 750, em média, estão atrás das grades.

O país tem cerca de 5% da população mundial, mas sua população carcerária representa cerca de 25% da população carcerária do mundo. Além disso, quase 5 milhões de pessoas estão em liberdade condicional ou liberdade vigiada, o que também sobrecarrega o sistema.

O inspetor-geral do Departamento de Justiça, Michael Horowitz, escreveu, no relatório, que o desafio mais premente do governo é acabar com a superpopulação das prisões federais e estaduais. Ele definiu a situação como “uma ameaça cada vez mais crítica” ao próprio governo.

“Numa época de contensões orçamentárias — ou até mesmo de cortes orçamentários — o crescimento dos dispêndios no sistema prisional ameaça outros programas fundamentais do governo, tais como os projetados para proteger a segurança nacional, financiar a Justiça criminal e defender os direitos civis”, declarou.

Desde agosto deste ano, o DOJ vem fazendo um esforço, sem muitos resultados, para esvaziar as prisões. O procurador-geral Eric Holder anunciou duas iniciativas, que agitaram a Justiça criminal do país. Uma delas foi uma instrução aos promotores para não solicitar — ou defender — penas mínimas longas para crimes não violentos. Outra, que chamou de “iniciativa inteligente contra o crime”, tenta concentrar os recursos da Promotoria/Procuradoria na investigação e no processo de crimes sérios, apenas.

À época, ele disse em um discurso, em San Francisco, Califórnia: “Está claro que americanos demais são mandados demais para as prisões, por tempo longo demais, sem razões verdadeiramente boas para a execução da lei”.

Para o Departamento de Justiça, também está claro que os custos crescentes para investigar, processar e manter os réus na cadeia está “sugando” os cofres públicos — incluindo o do próprio DOJ. E aí está a principal razão para o sistema se tornar mais “compassivo”.

“Compaixão” é uma palavra que entrou na pauta do sistema prisional americano, através do relatório de boas intenções do DOJ para 2014. “Precisamos, de início, estimular o programa que possibilita a libertação compassiva de presos doentes e velhos”, ele anunciou.

O propósito começa a tomar um aspecto de missão impossível quando, no próprio relatório, o DOJ se dá conta de que depende dos parlamentares federais e estaduais, para aprovar legislações que contribuam para o esvaziamento das prisões.

Desde a década de 70, os políticos americanos descobriram que a defesa de leis duras, do tipo quanto mais dura melhor, rendiam votos. Foi nessa época que o sistema prisional americano começou a crescer. Muitas leis “draconianas” foram aprovadas pelo Congresso dos EUA e pelas Assembleias Legislativas dos estados.

Questão legal
Algumas leis, que agora o DOJ espera que os parlamentares revejam, criaram penas mínimas obrigatórias de 20 a 30 anos, para crimes que seriam punidos com penas muito menores na maioria dos países. Essas leis não concedem aos juízes competência para levar em conta circunstâncias modificativas da pena.

No ano passado, por exemplo, uma mulher da Flórida foi considerada culpada por atirar contra a parede da casa para assustar o ex-marido, porque a bala ricocheteou e poderia ter acertado as crianças. Uma vez que o veredicto do júri foi “culpada”, o juiz foi obrigado a aplicar a sentença mínima, obrigatória, de 20 anos de prisão. Ele usou parte da decisão para criticar a lei.

Algumas leis, as favoritas do eleitorado, determinam a aplicação de pena de prisão perpétua, incluindo para crianças envolvidas em crimes que resultaram em morte. Uma lei na Califórnia, reformada recentemente, determina que o acúmulo de três crimes, de qualquer natureza, cometido por uma pessoa, obriga o juiz a aplicar pena de prisão perpétua — um reflexo da preferência do eleitorado por retirar criminosos da sociedade para sempre.

Em seu propósito de priorizar a defesa das liberdades civis, o relatório reconhece que haverá conflitos com os programas de vigilância do governo, que, por sinal, se intensificaram em 2013. Horowitz escreveu que o DOJ tem a missão de proteger a segurança dos cidadãos — que se traduz nos programas de espionagem da Agência Nacional de Segurança (NSA) e do FBI — e, ao mesmo tempo, proteger os direitos e liberdades civis desses mesmos cidadãos. O relatório não traz qualquer indicação sobre como o governo pretende fazer isso. 

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