Dilemas do Judiciário

Sistema processual exige abordagem panorâmica e macroestrutural

Autor

  • Dierle Nunes

    é advogado doutor em Direito Processual professor adjunto na PUC Minas e na UFMG e sócio do escritório Camara Rodrigues Oliveira & Nunes Advocacia (CRON Advocacia). Membro da Comissão de Juristas que assessorou na elaboração do Novo Código de Processo Civil na Câmara dos Deputados.

24 de dezembro de 2013, 8h13

Grande parte daqueles que analisam o sistema processual continuam imersos na tentativa de resolução de seus dilemas a partir de uma dimensão interna e dogmática, ou seja, defendendo propostas que se limitam a dimensionar os litígios e não a preveni-los, a abordá-los tão somente a partir das leis (e suas reformas) e não do sistema, a pensar o “processo” olvidando-se de seus fundamentos e finalidades constitucionais. [1]

É comum argumentos como o de se buscar a mudança da legislação (como chave mágica)[2] ou, quando se lê algo chamado “mais sofisticado”, se percebe a defesa de que os tribunais deveriam informatizar procedimentos mediante uma plataforma uniforme, rever suas rotinas e gerenciamento dos processos (não dos litígios). É também recorrente a defesa pelas classes profissionais do interesse de seus membros.

Não que essas abordagens sejam, de modo essencial, erradas, mas as mesmas reduzem de modo drástico a complexidade das questões e não promovem uma proposta que analise o sistema processual de todos os ângulos e mediante a participação de todos os seus envolvidos.

Percebe-se que existe a predominância de abordagens que desprezam uma dimensão externa que deveria estudar as causas da litigiosidade plúrima e complexa existente e que vem aumentando vertiginosamente a cada dia.

Os discursos recorrentes de boa parcela dos processualistas, na atualidade, se limitam à proposição: a) de uma estabilidade decisória (padronização decisória imposta às vezes à força e de maneira superficial) pelos tribunais superiores para (pseudo) resolver os litígios repetitivos, b) do uso indiscriminado e hipertrofiado das técnicas alternativas (sem muitas vezes enxergar os riscos da utilização inadequada das mesmas) e c) do uso de técnicas gerenciais para os processos, entre outras medidas.

Ou seja, partem da análise das demandas que já se encontram no sistema judiciário, desprezando fenômenos externos que desencadeiam os litígios.

Parece haver uma crença de que as demandas ingressarão de modo inexorável na “Justiça” quando é evidente que precisaríamos (incluindo os “poderes” constituídos) promover ações que tornassem efetivos os direitos dos cidadãos, tornando desnecessária a sua busca judicial. Prevenção de litígios inclusive mediante diálogos institucionais que percebessem quais descumprimentos de direitos geram demandas judiciais.

E mesmo na hipótese que o conflito ecloda precisaríamos a símile do que ocorre em sistemas estrangeiros pensar no delineamento de etapas pré-processuais (pre trial protocols), modelos multiportas (com o uso da técnica adequada para o conflito em questão, v.g. conciliação profissional, mediação profissional, jurisdição, entre outras) e gerenciamento comparticipativo (com responsabilidade e interdependência de todos os sujeitos processuais) dos litígios (e não dos processos).

Sabe-se que somente nos últimos quatro anos tivemos um aumento de 10 milhões de processos, segundo dados do próprio CNJ, contando hoje com mais de 93 milhões de demandas judiciais em tramitação.

Percebe-se também que, diversamente das outras funções estatais (Executivo e Legislativo), o Judiciário não pode, na prática, “optar” em dizer não à provocação do cidadão em face da existência do direito fundamental ao acesso à Justiça.

No entanto, apesar da modificação incessante de nosso ordenamento jurídico ao longo dos 25 anos da Constituição de 1988, mantemos uma abordagem reativa e monológica: não se busca reduzir as causas da alta judicialização e boa parte das abordagens são empreendidas sem se levar em consideração as vozes e opiniões de todos os envolvidos no sistema processual, especialmente, dos principais atingidos: os cidadãos e seus direitos fundamentais.

De posse de tais percepções, precisamos começar a analisar o sistema processual em dúplice dimensão, interna e externa, uma vez que ambas se retroalimentam, de maneira a frear o fingimento de que somente com novas leis ou com abordagens gerenciais sofisticadas da administração burocrática dos procedimentos conseguiremos dimensionar os dilemas que se somam e se complicam a cada dia que passa.

É preciso conciliar um acesso democrático[3] à Justiçam com propostas legítimas de prevenção de litígios, mediante a implementação efetiva de direitos.

Uma abordagem macroestrutural (processualismo constitucional democrático) nos parece ser uma possível saída, mas ainda há muito a se fazer e, quanto mais pessoas se somarem a esta empreitada, mais perto estaremos de uma solução adequada e legítima.


[1] Nessa revista são essenciais as abordagens profundas realizadas pelo Prof. Lenio Streck acerca dos dilemas jurídicos brasileiros.

[2] Não se podendo negligenciar a necessidade de aprovação do CPC Projetado na Câmara (e posteriormente no Senado) em face da ampla discussão que o mesmo passou. No entanto, o mesmo se trata de apenas um capítulo dos dilemas processuais. Qualquer lei é limitada em seus efeitos e o CPC projetado promoverá avanços dogmaticos nos limites que uma lei, por essência, pode viabilizar.

[3] NUNES, Dierle; TEIXEIRA, Ludmila. Acesso à justiça democrático. Brasília: Gazeta Jurídica, 2013. Cf. https://soundcloud.com/dierle-nunes/confer-ncia-de-abertura-do

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    é advogado, doutor em Direito Processual, professor adjunto na UFMG e PUCMinas e sócio do escritório Camara, Rodrigues, Oliveira & Nunes Advocacia.

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