Problema de gestão

“Do ponto de vista prático, o novo CPC não vai alterar nada”

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22 de dezembro de 2013, 6h15

Divulgado pelos deputados como uma espécie de acelerador dos processos judiciais, o novo Código de Processo Civil não mudará a marcha da Justiça no país. A afirmação é do advogado e professor titular de Direito Processual Civil da USP José Rogério Cruz e Tucci. “O novo CPC não vai alterar nada. A distribuição de justiça vai continuar como está. O problema da demora do processo não é de legislação, é de gestão”, afirma.

Para Tucci, um exemplo acabado de falta de planejamento está no Processo Judicial Eletrônico. Como o Conselho Nacional de Justiça estuda unificar os sistemas de todos os tribunais, algumas cortes que já têm seus programas desenvolvidos temem ter de dar um “reset” e começar tudo do zero, com mais custos. “Isso é falta de planejamento”, resume.

Em seu escritório, ele afirma que tem de colocar mais pessoas para transmitir um documento do que para confeccionar uma peça processual. “É um verdadeiro drama”, desabafou. Para Tucci, um dos problemas no sistema do Tribunal de Justiça de São Paulo está na pesquisa de precedentes. “É horrível”, diz. “Pesquise, por exemplo, o vocábulo ‘responsabilidade’. Aparecem todos os julgados com palavras assemelhadas, tornando-se absolutamente confuso o resultado.”

Apesar das críticas ao novo CPC, Tucci vê com bons olhos o incidente de demandas repetitivas. “O juiz tem que se curvar àquilo que o tribunal, em causas idênticas, já decidiu”.

Integrante da Comissão de Juristas para a reforma da Lei de Arbitragem, defende ampliar a aplicação do instituto para relações de trabalho, consumo e nos contratos da administração pública. Algumas exigências, contudo, devem ser respeitadas.

No caso das relações de trabalho, apenas em contratos de altos funcionários das empresas, como diretores estatutários ou equivalentes. "Um CEO, ou uma pessoa que tenha condições de se submeter a uma arbitragem, no âmbito dos contratos individuais de trabalho."

Nas relações de consumo, para compras de bens ou serviços de elevado valor. “Evidente que não é na compra de um liquidificador. Nós estamos falando de um consumidor que comprou um avião”, exemplifica.

Já os contratos da administração pública devem ser transparentes, mesmo a arbitragem sendo caracterizada pela confidencialdiade. “Na esfera da Administração Pública, a transparência é inarredável”.

O professor falou também da carreira docência. Mesmo dando aulas em uma das faculdades mais tradicionais e concorridas do país, diz que os alunos estão chegando com um formação deficiente. "Os alunos de 5º ano, em geral, não têm atingido um grau de dedicação que se espera”, lamenta. Bem-houmorado, defende que o estudante faça estágio apenas quando estiver na metade do curso. “A partir do 3º ano ele já tem condição de saber onde se localiza a Praça da Sé ou o Fórum João Mendes” diz, rindo.

Leia a entrevista:

ConJur — Como o senhor vê o novo CPC?
José Rogério Em primeiro lugar, é necessária uma reflexão. Para qual finalidade um Código de Processo Civil novo se as instituições judiciárias no país continuarão com a mesma estrutura? Desde há muito, verifica-se que não há interesse político em agilizar a Justiça. Não me pergunte por que, mas é notório que não existe. Não sei se isto se deve às forças dominantes, ao poder econômico preponderante. É a leitura que tenho feito: não há um interesse político deliberado em acelerar a marcha do processo no Brasil.

ConJur — Mas as mudanças propostas no novo CPC não tendem a desafogar a Justiça?
José Rogério — Do ponto de vista prático, o novo CPC não vai alterar nada. A distribuição de justiça vai continuar como está. O problema da demora do processo não é de legislação, é de gestão!

ConJur — Poderia explicar melhor?
José Rogério — Nós estamos muito bem servidos por uma legislação moderna, como, por exemplo, o CDC, a lei de ação civil pública, mas o sistema jurídico é inoperante por falta de gerenciamento, de modernização e de motivação na carreira do funcionalismo do PJ. Tente fazer uma pesquisa ao meio-dia no sítio do Tribunal de Justiça de SP. O exame de precedentes, no banco de dados eletrônico do TJ-SP, é horrível. Veja-se bem: eu não estou falando do TJ de um Estado despido de recursos materiais. Estou me referindo ao TJ-SP. Pesquise, por exemplo, o vocábulo “responsabilidade”, aparece todos os julgados com palavras assemelhadas, tornando-se absolutamente confuso o resultado.

ConJur — A aplicação do incidente de demandas repetitivas vai mesmo ajudar a diminuir a quantidade de processos?
José Rogério — A força e o prestígio que o projeto do CPC outorga aos precedentes judiciais é louvável, porque uma coisa que nós temos aqui no Brasil é a falta de humildade de muitos magistrados se curvarem ao precedente judicial, porque muitos se acham infalíveis. Se os juízes respeitassem as decisões superiores com boa vontade e reconsiderassem decisões equivocadas, haveria um número muito menor de recursos. Em inúmeros casos corriqueiros, a decisão do juiz consegue desagradar ambas as partes.

ConJur — Críticos dizem que isso é uma contaminação do common law.
José Rogério — Que contaminação do common law nada. É óbvio que o juiz tem liberdade para julgar, mas no âmbito de um sistema republicano de hierarquia. A jurisprudência tem que se moldar às exigências sociais, como aconteceu, ao longo do tempo, com a evolução do concubinato, mas o juiz tem que se curvar àquilo que o tribunal, em causas idênticas, já decidiu.

ConJur — Que balanço o senhor faz do novo CPC?
José Rogério — Não é tão moderno quanto o anteprojeto, cuja comissão de juristas, presidida pelo ilustre ministro Luiz Fux, ousou positivamente. Todavia, a estrutura do projeto me agrada. Não apresenta, é claro, um texto retalhado, como a atual redação do CPC em vigor. Detalhe interessante, e que convida à reflexão, é a sistematização idealizada do capítulo atinente à tutela de urgência e à tutela da evidência.

ConJur — O que são?
José Rogério — A tutela da evidência é aquela que a parte autora não tem necessidade de comprovar urgência, porque o seu direito já está comprovado pela prova documental produzida.

ConJur — Já é líquido e certo?
José Rogério — Não é bem líquido e certo, porque esta expressão é típica do objeto do mandado de segurança, mas é isso mesmo. Seu direito está certificado. A parte não precisa fazer prova do periculum in mora. E a tutela de urgência é aquela que o juízo é superficial e é caracterizada pela provisoriedade. Para inverter o ônus do tempo, o juiz defere desde logo a satisfação do direito em prol do litigante que provavelmente é titular do melhor direito.

ConJur — Pode dar um exemplo?
José Rogério — Nos domínios da tutela específica. Se você contratou um conjunto musical para se apresentar em seu casamento e por alguma razão a banda avisa antes que não cumprirá a obrigação, o contratante pode ajuizar uma ação de obrigação de fazer, requerendo a antecipação da tutela e o juiz, deferindo o respectivo pleito, impõe uma multa coercitiva. Isso é muito importante porque no passado se resolvia em perdas e danos e o processo era fonte de frustração. Hoje, o jurisdicionado pode pleitear o cumprimento da obrigação em espécie. Se o cotratado não quiser cumprir a obrigação, você não pode constrangê-lo à força, mas ela paga um preço por tal atitude contrária ao direito.

ConJur — Isso é uma coisa nova?
José Rogério — Não, já é contemplada no importante artigo 461 do atual CPC. A sistematização no projeto é que está satisfatória.

ConJur — E algum aspecto negativo?
José Rogério — A supressão da parte geral do processo cautelar, que era uma conquista do Código Buzaid (1973). A Itália, depois, em meados da década de 90, copiou a parte geral do processo cautelar do nosso CPC.

ConJur — O que ele tinha de marcante?
José Rogério — Era um bom roteiro para os operadores do Direito, não se justificando, em minha opinião, a sua respectiva supressão. Outro problema é a comunicação eletrônica para fins de intimação do advogado. Tal problema foi minimizado na última versão, recentemente aprovada pela Câmara dos Deputados. Temos que enfrentar este problema dentro de nossa realidade. Há muitos advogados que ainda não têm acesso à internet. Não é possível pensar apenas nos grandes centros, como se todos os profissionais tivessem recursos materiais para migrarem, abruptamente, para o processo eletrônico. Os advogados mais antigos, como é o meu caso, sentem, além da natural insegurança, significativo desconforto no exercício profissional, com a imposição da praxe do processo eletrônico.

ConJur — Como o senhor avalia a implantação do Processo Judicial Eletrônico?
José Rogério O sistema do Superior Tribunal de Justiça é muito eficiente. O grande problema é a diversificação, sem qualquer projeto e sem ouvir a classe dos advogados, das inúmeras “técnicas” de processo eletrônico. Tudo tinha de ser implantado de forma transparente, participativa e com uma programação escalonada. Do modo como implantado em nosso estado (SP), “por decreto”, não funciona. Por exemplo, recentemente, eu subscrevi um agravo de instrumento com 1.207 agravantes. Quase dois meses para a distribuição, porque o sistema não tem como inserir os terceiros recorrentes, e, portanto, como não figuram como parte em primeiro grau, o agravo gerou uma “crise” no departamento incumbido do respectivo registro de entrada dos recursos.

ConJur — O Conselho Nacional de Justiça decidiu unificar todo o sistema, mas alguns tribunais, que já implantaram seus procedimentos, terão custos para se atualizar. Como o senhor avalia essa questão?
José Rogério — Isso é falta de planejamento. Eu fui presidente da Associação dos Advogados de São Paulo nos anos 90, e pretendíamos bancar materialmente as eventuais necessárias interfaces, para que durante a madrugada fosse disseminado um único veículo de informações das intimações por todos os Tribunais de Alçada, então existentes, e pelo Tribunal de Justiça. Procuramos saber e chegou-se à conclusão de que era impossível implantá-lo, porque cada tribunal de SP tinha obtido verba em um momento diferente e adquirido, no mesmo Estado, um sistema de informática diverso. Não existia uma interface que propiciasse a todos uma intercomunicação. Esse é um dado absurdo… Agora, o CNJ desconhece (ou finge desconhecer) as peculiaridades do foro de São Paulo.

ConJur — Que dificuldades o senhor tem com o processo eletrônico?
José Rogério — É um verdadeiro drama. Não sinto propriamente na pele, mas sentem os jovens do nosso escritório que cuidam disso. O sistema não lê determinado documento, tem que escanear, fazer não sei de que jeito. Dá mais trabalho transmitir do que fazer o recurso ou a petição inicial. O tempo que nós perdemos e o custo, por paradoxal que possa parecer, é muito grande, porque ficam mais pessoas envolvidas na transmissão do que na confecção da peça.

ConJur — Certeza?
José Rogério — Não tenha dúvida.

ConJur — Como ele deveria ser implantado?
José Rogério — Teria que haver uma programação paulatina, com a participação de todos os envolvidos. É mais um problema de gestão… Primeiro, nos foros regionais, nas varas cíveis, por exemplo, depois no central. Primeiro da 1ª à 10ª vara. E não ex abrupto, como se o mundo fosse acabar. O mais interessante é que alguns magistrados do foro paulista têm solicitado aos advogados que apresentem também uma via física!

ConJur — Como o senhor vê o crescente interesse por métodos alternativos de solução de conflitos, como mediação, conciliação e arbitragem?
José Rogério — Eu não me refiro a método alternativo, mas, sim, em meios adequados de solução de conflitos. 

ConJur — Por que fazer um projeto separado para a arbitragem e outro para a mediação?
José Rogério — Pelo fato de o instituto da arbitragem não guardar qualquer similitude com a mediação é que a comissão de juristas, instituída pelo Senado Federal, presidida pelo eminente ministro Luis Felipe Salomão, entendeu melhor elaborar dois anteprojetos diferentes, para não haver confusão. Do ponto de vista técnico se apresenta absolutamente correta essa decisão. Como a lei de arbitragem em vigor é muito prestigiada pela doutrina e pelos tribunais, entendeu-se também que era melhor não elaborar um novo texto, mas, na verdade, ampliar a sua incidência, e, ainda, ajustar alguns pontos, sempre com o intuito de aperfeiçoamento da legislação em vigor.

ConJur — Como foram traçadas as premissas para essa reforma?
José Rogério — Antes de mais nada, devo dizer que, para mim, foi uma experiência notável, em especial, pela qualidade e experiência dos membros da referida comissão de juristas. Destaco ainda o papel importantíssimo do presidente, o ministro Salomão, que, de forma sábia, deu ampla liberdade de discussão aos membros da comissão. Esta verificou quais eram os pontos que mereciam atenção, impostos pela praxe da arbitragem, como por exemplo, a questão das listas fechadas de árbitros, e, ainda, a ampliação subjetiva e objetiva de sua aplicação, já que a arbitragem hoje goza de um prestígio muito grande, tendo em vista a sua confiabilidade e confidencialidade. Por que não inserir nesse contexto a administração pública, desde que o litígio verse sobre direitos disponíveis? E por que não estender para as relações de consumo, quando é o consumidor que toma a iniciativa? Ou para as relações de trabalho, quando altos funcionários que tenham o discernimento necessário tomam também a iniciativa?

ConJur — No caso de contrato de trabalho haveria um patamar mínimo?
José Rogério — Não. Nós pensávamos em dar uma definição de acordo com uma regra de um prejulgado do âmbito do direito do trabalho, mas ficou constando administrador ou diretor estatutário, a ele equiparado. Um CEO, ou uma pessoa que tenha condições de se submeter a uma arbitragem, no âmbito dos contratos individuais de trabalho.

ConJur — Em quais casos seriam fechados os contratos com a administração pública?
José Rogério — Quando ela contrata uma grande construtora para fazer uma mini-hidrelétrica, ou estádio de futebol, por exemplo. Um dos objetivos, a curto prazo, é celebrar contratos que possam agilizar, seduzir e estimular os negócios na véspera da Copa do Mundo.

ConJur — Mas como fica a questão da confidencialidade nos contratos com a administração pública?
José Rogério — Está expresso no projeto: tratando-se de administração pública, não impera princípio da confidencialidade. E faz toda a lógica. Na esfera da Administração Pública, a transparência é inarredável. 

ConJur — O que o projeto de reforma da lei trouxe da jurisprudência?
José Rogério — A questão, por exemplo, do marco de interrupção da prescrição e a competência para examinar as medidas de urgência, que hoje são do Judiciário. Um outro detalhe também é que se tornou importante ampliar a arbitragem para o direito societário. Há polêmica sobre este tema. O acionista que ingressa numa companhia já constituída está sujeito à arbitragem, ou não está?

ConJur — O que ficou decidido?
José Rogério — Ficou decidido que há a sujeição dele [minoritário], resguardado os seus direitos, com a previsão do direito de retirada.

ConJur — Como ficou a questão da prescrição?
José Rogério — Havia uma certa insegurança quanto ao momento de interrupção da prescrição e hoje está lá com todas as letras, a exemplo do que ocorre no artigo 209 do CPC. Lavrado o termo de arbitragem, há interrupção da prescrição, retroagindo ao momento em que se pleiteia a instituição de arbitragem. Está em perfeita sintonia com a regra consagrada no CPC. No processo estatal, o marco é a citação válida, no processo arbitral, é a celebração do termo de arbitragem.

ConJur — A arbitragem é mais rápida, mas é mais cara também.
José Rogério Ela é cara porque é oferecida por órgãos institucionais de uma forma sofisticada. Geralmente, os conflitos submetidos à arbitragem são complexos e envolvem grandes somas, que exigem estudo aprofundado e considerável dedicação. Os árbitros geralmente são profissionais experientes e são reconhecidos como especialistas.

ConJur — Existe um valor mínimo recomendado para que uma causa seja levada para arbitragem?
José Rogério — Eu não posso sugerir um patamar quantitativo porque já trabalhei em arbitragens de valores significativos e em arbitragens de valores que eu não diria insignificantes, mas bem menores, bem menos expressivos.

ConJur — Em quais situações o consumidor deve levar a causa para a arbitragem?
José Rogério — Evidente que não é na compra de um liquidificador. Nós estamos falando de um consumidor que comprou um avião. Não podemos esquecer que ele é consumidor e não podemos esquecer que é uma relação de consumo. Em uma empresa de grandes dimensões, por exemplo, um aparelho de ar condicionado tem um custo elevado, então é a partir de um determinado valor. Não é para quem compra uma bicicleta. Se você compra um tênis com defeito, o acesso à Justiça se dá por outros meios, muito bem traçados em nossa legislação.

ConJur — O que fazer com os processos que tratam justamente de quem comprou uma bicicleta ou um tênis com defeito?
José Rogério — As questões repetitivamente judicializadas devem sair do Judiciário, mas não devem ir para a arbitragem. Não tem cabimento irmos ao Judiciário discutir plano de telefone ou plano de saúde. Isso é do dia a dia, e as empresas sabem que vão perder, pois, sobre inúmeras questões há reiterados precedentes. No Brasil de hoje, o Poder Judiciário acabou virando verdadeiro SAC ou cal center de muitas empresas. É preciso reprimir esse abuso…

ConJur — Como isso poderia ser feito na prática?
José Rogério Eu não estou preconizando a criação de um contencioso administrativo, pois não adianta trocar seis por meia dúzia, tirar o problema da Justiça estatal e levar para a Justiça administrativa. Mas tinha de ter uma regulamentação, em particular, às empresas privadas que prestam serviço público. Eu não tenho a fórmula na cabeça, mas em muitas ocasiões, violado o contrato, a sanção deveria ser automática, impostas pelas respectivas agências reguladoras.

ConJur — Em alguns países há várias instâncias antes de entrar no Judiciário.
José Rogério Mas aí tem que mudar a Constituição. Podíamos encontrar uma solução eficaz para evitar o número crescente de ações repetidas. Plano de saúde é uma coisa escorchante. É como seguro de automóvel. Você liga e celebra o contrato por telefone, mas para receber o seguro, tem uma burocracia infernal.

ConJur — É possível tornar a arbitragem mais barata?
José Rogério Eu acho que sim. É uma questão de escala. Quanto mais você tiver, mais a tendência é diminuir. Isso vai fomentar a criação de outros órgãos institucionais. É uma questão de número, de oferta e procura.

ConJur — O ministro Aldir Passarinho disse que há risco de processualização do juízo arbitral, que pode acabar com a celeridade da arbitragem.
José Rogério — Não vejo esse perigo. É mínimo o percentual de sentenças arbitrais impugnadas em juízo. Claro que há sentenças viciadas, mas pela experiência que eu tenho, há um cuidado excepcional dos árbitros em assegurar a ampla defesa e em proferir uma decisão com todas as exigências legais.

ConJur — Quais as principais diferenças do processo na Justiça comum e a arbitragem?
José Rogério — Há muita surpresa no processo estatal. Ele é menos previsível do que a arbitragem. Ademais, os prazos no âmbito do processo arbitral são mais flexíveis. Já há previsão do momento da prolação da sentença arbitral. O árbitro faz o seu próprio calendário. Já o juiz não é dono de si, porque ele tem uma montanha diuturna de processos.

ConJur — O senhor também atua como árbitro. Como é o trabalho?
José Rogério — É o trabalho de juiz em alguns casos específicos. Há uma atenção e dedicação constante. Para mim, atuar como árbitro, é uma gratificante experiência, porque me coloca em posição completamente diferente de advogado, uma posição não neutra, mas imparcial. A perspectiva do fenômeno jurídico é bem diferente… Outro dia, presidindo uma arbitragem concedi uma liminar suspendendo um leilão. Senti-me o presidente do Supremo Tribunal Federal (risos). Eu tento trabalhar com muita serenidade, muito zelo, tomando cuidado para não macular o direito de defesa. A postura que eu tenho é de sempre estar com um sorriso no rosto, jamais agir com prepotência ou soberba. A imparcialidade não tem nada a ver com o cenho fechado e cara de bravo.

ConJur — Como é a sua agenda de arbitragem?
José Rogério — Depende. Eu trabalho em duas, três arbitragens.

ConJur — Por mês?
José Rogério — Não. O processo arbitral, via de regra, tem uma duração razoável de um ano, um ano e pouco, dependendo da complexidade do objeto.

ConJur — O senhor prefere atuar como árbitro ou como advogado no processo judicial?
José Rogério — Do ponto de vista íntimo e pessoal, eu prefiro o processo judicial, que é muito mais imprevisível, do que ser juiz. Apesar da imprevisibilidade, é muito mais estimulante para um advogado trabalhar no contencioso perante a justiça estatal, muito mais adrenalina.

ConJur — Poderia explicar melhor essa diferença?
José Rogério — Como árbitro, a posição é muito mais tranquila, porque o compromisso é de examinar as teses, o diálogo que se estabelece entre as partes, e proferir de acordo com a sua consciência, aplicando o Direito. Já o discurso do advogado é diferente. De duas teses possíveis, ele deve escolher uma e agarrar aquilo como a sua meta, o seu objetivo final e inafastável.

ConJur — Como o senhor vê a atuação do CNJ?
José Rogério — O CNJ veio em boa hora para estabelecer metas, cobrar resultados, mostrar que o juiz é um prestador de serviço, que também deve se curvar à nobreza da função que escolheu e seguir uma pauta na sua atividade, e para fazer programas de conciliação. O que não podemos é tampar o sol com a peneira, ou seja, obrigar a pessoa a se conciliar para diminuir o número de causas do Judiciário. Os mutirões de conciliação são paradoxais.

ConJur — Por quê?
José Rogério — Você vai ao fórum e vê escrito num painel: “eu concilio, você concilia, nós ganhamos”. Eu sempre tive medo da conciliação reprimida, a conciliação forçada, que é fonte de frustração. A pessoa quer aquilo que é seu, e aí o juiz a obriga a abrir mão de uma parcela daquilo para conciliar. O juiz vai falar: “ufa, me livrei de um processo, a sociedade se livrou de um processo”. Mas aquele que teve o seu direito lesado, com medo do juiz arbitrário, acabou se conciliando. Esses grandes movimentos em prol da conciliação são excepcionais, mas eu sempre tive um pé atrás com receio de que nesse Brasil todo esse movimento esconda um dado importante, que é a repressão aos direitos subjetivos.

ConJur — O senhor já viu algum juiz obrigar alguém a fazer conciliação?
José Rogério — Já vi juiz falar: “hoje vocês vão fazer acordo e sair daqui reconciliados”. Às vezes com a melhor das boas intenções, outras vezes para se ver livre do caso. Isso acontece, é da natureza humana. Assim como tem juiz absolutamente passivo, como se fosse um espectador, em outras oportunidade há juízes proativos demais, que diz: “olhe, se o senhor não se conciliar, não fizer o acordo, eu não sei o que vai acontecer com o senhor, não, hein…” Esse é o juiz que não inspira segurança para a sociedade.

ConJur — Há uma discussão quanto à participação do advogado na audiência de conciliação.
José Rogério — Respondendo academicamente, o advogado tem de estar presente, sobretudo se a outra parte também tiver advogado constituído. E respondendo como advogado, também acho que o advogado tem de estar presente. E aqui não é questão da reserva de mercado. O advogado sempre vai iluminar a parte. Não acredito na defesa sem ser técnica. Se a outra parte tiver advogado, como acontece na justiça do trabalho, ela levará inequívoca vantagem…

ConJur — Mas hoje a presença do advogado na conciliação é facultativa.
José Rogério — É, mas dificilmente nós vemos a parte sem advogado. Advogado hoje é como “praga” (risos), existem muitos, e a maioria tem plena consciência da relevância de seu papel na sociedade contemporânea.

ConJur — A condução de mediação e conciliação em cartórios, sem a presença do advogado, beneficia ou prejudica a população?
José Rogério — Isso sim que é cartel. Você acha que não tem um advogado de plantão lá no cartório, se precisar? É evidente que tem. Temos que ser realistas. Quer dizer que tudo se faz em cartório agora? Vamos voltar aos séculos XVIII e XIX, quando todo registro de pessoas era na igreja? Não tem sentido isso.

ConJur — Mas os cartórios não podem ajudar a fazer certos acordos?
José Rogério — Não. Sou completamente contra esta atividade, em razão da exigência de expertise, do conhecimento. O cartório não está preparado para isso.

ConJur — Advogados públicos devem ter direito a honorários de sucumbência?
José Rogério — É interessante. Hoje, o advogado público não quer se filiar à Ordem dos Advogados do Brasil, e aí aplica o estatuto para dizer que a sucumbência é dele. É um paradoxo, mas isso é detalhe. Não tenho condição de opinar sobre este tema, porque não tenho conhecimento mais pormenorizado do atual sistema.

ConJur — O senhor dá aulas na Faculdade de Direito da USP e lá há professores que atuam em regime de dedicação exclusiva, outros não. Como o senhor vê isso?
José Rogério — Um professor na Europa que tenha regime de dedicação exclusiva vive dignamente com o salário que ganha. No Brasil, ele não vive tão bem assim. Em outras unidades da USP, alguns professores complementam o salário nos projetos da universidade com a iniciativa privada. Na Faculdade de Direito não há condição para fazer isso.

ConJur — O senhor se refere às fundações?
José Rogério É. Pelas fundações. Hoje o salário melhorou, o ambiente de trabalho melhorou, a carreira está bem estruturada. Tem havido uma mobilização para abrirmos cursos de especialização pela Fundação Arcadas, visando inclusive a desafogar o nosso programa de pós-gradução, que é muito procurado, devido ao seu tradicional prestígio.

ConJur — Há uma queixa geral entre professores universitários quanto à formação básica dos alunos que chegam às faculdades, com dificuldades em leitura e escrita. Isso acontece também na USP, quem tem uma seleção bastante rigorosa?
José Rogério — Sou professor de 5º ano e é isso mesmo. Uma falta de conhecimento de literatura geral e literatura jurídica que é assustadora. Eles têm direitos, mas não têm dever nenhum. Universidade pública tem tido uma frequência que deixa muito a desejar. Muitos professores exigem controle de presença.

ConJur — E por que não é feito?
José Rogério — Cada um é responsável pelos seus atos. Eu procuro cumprir meus horários. Não vou ser mais realista do que o rei. Depois, não elaboram prova demonstrando o esperado conhecimento da matéria. Os alunos de 5º ano, em geral, não têm atingido um grau de dedicação que se espera.

ConJur — Hoje o estudante de Direito está no 1º ano e já pode estagiar em um escritório. Qual período seria adequado para o estágio?
José Rogério — A partir do 3º ano ele já tem condição de saber onde se localiza a Praça da Sé ou o Fórum João Mendes (risos).

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