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Existência de escritura pública não impede reconhecimento de união homoafetiva

21 de dezembro de 2013, 8h51

Por Redação ConJur

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A existência de escritura de sociedade de fato não impede que seja também reconhecida uma união estável homoafetiva. Este foi o entendimento da 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça ao analisar caso em que o reconhecimento da sociedade estável era necessário para a concessão de visto definitivo de permanência de estrangeiro no Brasil.

O estrangeiro, que chegou ao Brasil em fevereiro de 2010 com visto temporário de trabalho, iniciou relação homoafetiva com seu companheiro e o casal formalizou escritura pública de declaração de sociedade de fato para efeitos patrimoniais. O objetivo era apenas a divisão patrimonial e foi adotado o regime de separação total de bens.

É exatamente o objetivo que diferencia o documento da escritura pública de reconhecimento de sociedade conjugal de fato e união estável. Esta permite tanto o reconhecimento  da sociedade conjugal homoafetiva, com aspecto familiar, quanto regulamenta o aspecto patrimonial. No final de 2011, eles ajuizaram a ação para reconhecimento da união estável, pedindo que fosse judicialmente reconhecida a existência da relação.

O pedido foi negado em primeira instância. A sentença apontou que a existência da escritura pública em cartório tornava desnecessária a intervenção do Judiciário. A tese foi mantida pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal, que entendeu que o objetivo era apenas conseguir documentos que instruíssem o pedido de concessão de visto permanente para o estrangeiro. O TJ-DF indicou ainda que a forma adequada para constituição da prova era a justificação judicial, com competência da Justiça Federal.

Entidade familiar
Segundo o recurso que o casal apresentou ao TJ-SP, o objetivo do processo não era conseguir os documentos, mas o reconhecimento judicial da entidade familiar. Relatora do caso, a ministra Nancy Andrighi citou decisão do Supremo Tribunal Federal que, ao analisar a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, reconheceu a união estável entre pessoas do mesmo sexo.

Ela disse que o STJ adota a aplicação por analogia das regras para reconhecimento de união estável entre heterossexuais no caso de relações entre pessoas do mesmo sexo. Isso, afirmou a ministra, permite que sejam conferidos direitos idênticos aos homossexuais que vivem em relação estável. Para Nancy Andrighi, os mesmos instrumentos processuais devem estar disponíveis em todos os casos, independente da orientação sexual.

Ela apontou que se uma situação “é possível ao extrato heterossexual da população brasileira, também o é à fração homossexual, assexual ou transexual, e a todos os demais grupos representativos de minorias de qualquer natureza, que são abraçados, em igualdade de condições, pelos mesmos direitos e se submetem, de igual forma, às restrições ou exigências da mesma lei, que deve, em homenagem ao princípio da igualdade, resguardar-se de quaisquer conteúdos discriminatórios”.

Em relação ao pedido feito pelo casal, a relatora informou que a escritura pública de declaração de sociedade de fato para efeitos patrimoniais tem característica econômica e patrimonial, deixando de lado a existência de vínculo afetivo. Isso, prossegue a ministra, torna necessário o reconhecimento da relação do casal como uma família e a chancela judicial tem efeitos no contexto social e no íntimo dos envolvidos, consequência do sentimento de integrar a sociedade.

Rejeitar o pedido feito pelo casal com base na argumentação de que o reconhecimento da união visa apenas provar uma circunstância necessária para que um dos integrantes obtenha o visto de permanência “equivale à própria negativa de lhes assegurar a via judicial para reconhecimento e declaração da união nutrida”, afirmou Nancy. De acordo com a ministra, o instrumento da justificação judicial foi aplicado de forma incorreta no caso em questão. Por fim, ela disse que mesmo sendo possível a utilização da justificação para comprovar fato existente, há o interesse de agir do casal ao buscar um objetivo maior: o reconhecimento da entidade familiar. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.