Sem dupla punição

Total de droga apreendida só entra uma vez na dosimetria

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19 de dezembro de 2013, 18h13

Nos casos envolvendo pessoas presas por tráfico de drogas, as circunstâncias relacionadas à natureza e quantidade do entorpecente apreendido só podem ser utilizadas uma vez na dosimetria da pena. Caso opte por incluir os dados na primeira fase — cálculo da pena-base —, o juiz não poderá fazer o mesmo na terceira etapa — análise das causas que elevam ou reduzem a pena. Isso ocorre porque, ao adotar os parâmetros nas duas etapas, o magistrado promove uma dupla punição por conta do mesmo crime, algo que não é permitido. No entanto, deve ser preservado o poder de discricionariedade concedido ao juiz, além da individualização da pena, o que justifica a possibilidade de que ele escolha se quer utilizar a natureza e quantidade da droga apreendida na primeira ou na terceira fase.

O entendimento foi consolidado pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, acionado pela 2ª Turma da corte para analisar dois Habeas Corpus que envolviam tráfico de drogas. Relator dos HCs 112.776 e 109.193, o ministro Teori Zavascki afirmou que a decisão plenária era necessária por conta da divergência, entre as duas turmas do STF, em relação ao artigo 42 da Lei 11.343/2006. O dispositivo prevê que o juiz deve considerar durante a fixação das penas, de forma preponderante ao artigo 59 do Código Penal, a natureza e a quantidade da substância ou do produto, a personalidade e a conduta social do agente.

O primeiro Habeas Corpus é relativo ao caso de um jovem flagrado com seis gramas de crack, e o segundo envolve um homem condenado com 70 pedras da mesma droga. No julgamento do primeiro preso, o juiz considerou a quantidade de entorpecentes apenas na terceira fase. O voto de Teori caracterizou o uso das características nas duas fases da dosimetria como como dupla punição, sendo que caberia ao juiz escolher quando analisar tais condições, com a prática podendo ocorrer apenas uma vez. O ministro informou que não é inédito o entendimento sobre a discricionariedade de definir o momento de sopesar as circunstâncias, alertando para o perigo da repetição.

O entendimento já foi adotado pela 2ª Turma, ao analisar demanda semelhante. Seu voto foi acompanhado pelos ministros Gilmar Mendes, Luis Barroso, Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia e pelo presidente do STF, Joaquim Barbosa.

A divergência foi aberta pelo ministro Luiz Fux, que apresentou a visão da 1ª Turma do STF sobre tal situação. De acordo com ele, os integrantes da turma não consideram a dupla análise como dupla punição, pois na primeira fase, o juiz analisa a natureza e quantidade como circunstância judicial e, na terceira fase, como indicativo do grau de dedicação ao tráfico. Assim, inicialmente seria analisada a intensidade da lesão à saúde pública e, na sequência, o grau de envolvimento do acusado com o crime, segundo Fux, que coloca tal situação como benéfica para punir com mais rigor quem está ligado ao tráfico de drogas. Ele foi acompanhado pelos ministros Marco Aurélio, Dias Toffoli e Rosa Weber. Assim, por maioria de votos, os ministros concederam a ordem no HC 112.776, determinando que o juiz responsável pela sentença promova nova dosimetria, calculando as circunstâncias e a quantidade de crack apreendido em apenas uma fase.

Visão moderna
Ao declarar seu voto sobre o assunto, o ministro Luis Barroso defendeu a necessidade de debate sobre a descriminalização das drogas leves no Brasil e classificou a maconha como uma droga que não provoca a antissocialidade em seus usuários e não causa perigo a terceiros. Ele disse que o STF julga semanalmente diversos casos envolvendo jovens presos com pequena quantidade de maconha, que poderia caracterizar consumo próprio, e que acabam julgados por crime com pena de até 15 anos de prisão.

O ministro apontou que a legislação brasileira é rígida em relação ao tráfico de drogas, o que coloca atrás das grades diversos jovens pobres, condenados pelo tráfico de maconha, e que não são os grandes criminosos. Quem vai para a cadeia em tais situações, de acordo com ele, são “pequenos intermediários, que portam e vendem a droga para financiar o consumo próprio e para se sustentarem. Esses jovens, de baixa periculosidade, entram no sistema penitenciário e passam a cursar a escola do crime. De lá, saem criminosos perigosos, integrando organizações e cheios de novas conexões”.

Ao defender o debate sobre a descriminalização, Luis Barroso pediu que especialistas sejam ouvidos e que a percepção social seja analisada, e citou a experiência uruguaia. Ele apontou outro foco como sendo sua maior preocupação, “o dano social que a atual política de criminalização tem provocado, tanto pelo encarceramento de jovens não perigosos como por um outro subproduto da criminalização: ela fomenta um submundo onde vicejam os barões e baronetes do tráfico”. Na visão do ministro, a descriminalização, regulamentação e venda em locais licenciados pode ajudar a combater o poder paralelo e — traçando um paralelo com o cigarro comum, que tem a venda autorizada — a reduzir o consumo por meio de contrapropaganda e esclarecimentos ao público. Com informações da Assessoria de Imprensa do STF.

Habeas Corpus 112.776
Habeas Corpus 109.193

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