Processo Novo

Chegou a hora da Câmara analisar projeto do novo CPC

Autor

  • José Miguel Garcia Medina

    é doutor e mestre em Direito professor titular na Universidade Paranaense e professor associado na UEM ex-visiting scholar na Columbia Law School em Nova York ex-integrante da Comissão de Juristas nomeada pelo Senado Federal para elaboração do anteprojeto que deu origem ao Código de Processo Civil de 2015 advogado árbitro e diretor do núcleo de atuação estratégica nos tribunais superiores do escritório Medina Guimarães Advogados.

16 de dezembro de 2013, 6h54

Spacca
No próximo dia 22 completam-se três anos de tramitação do projeto de novo Código de Processo Civil na Câmara dos Deputados.[1] O texto-base do projeto já foi aprovado. Restam, agora, as votações sobre os destaques.[2] De acordo com a Agência Câmara Notícias, os destaques poderão ser analisados na sessão do próximo dia 17.[3]

O projeto tramita há muito tempo. Tendo em vista que a Câmara dos Deputados realizou muitas emendas, o projeto deverá retornar ao Senado Federal, casa em que teve início sua tramitação. [4]

Aqui na Coluna Processo Novo foram levantadas questões relevantes em torno das quais gira o projeto, como, por exemplo, a importância de haver uma nova compreensão dos sujeitos da relação processual,[5] a integridade da jurisprudência,[6] a fundamentação das decisões judiciais,[7] a preocupação com a “jurisprudência defensiva”,[8] etc. Sobre esses pontos, dentre tantos outros, o projeto de novo CPC apresenta importantes avanços.

Embora tenha participado da comissão que elaborou o anteprojeto,[9] tenho me manifestado, ao longo da tramitação do projeto no Senado Federal e na Câmara dos Deputados, a respeito de dispositivos que, creio, devem ser aperfeiçoados, tal como aqueles relacionados à configuração do prequestionamento[10] e à repercussão geral.[11]

Tenho insistido que os debates em torno do projeto não podem ser superficiais e que o discutamos com seriedade.Um dos pontos que merecem o devido cuidado, por exemplo, diz respeito ao efeito suspensivo da apelação.

Como observei em texto anterior desta Coluna,[12] o Código em vigor padece de grave incoerência.[13] Afinal, a decisão que concede liminar antecipando efeitos da tutela pode ser executada de imediato, pois o agravo de instrumento (recurso cabível, no caso) não tem efeito suspensivo automático (cf. artigos 273, parágrafo 3º, e 558 do CPC). A decisão que concede liminar — fundada, portanto, em cognição sumária — pode ser executada liminarmente, enquanto a sentença condenatória sujeita-se a apelação, recurso que, como regra, deve ser recebido com efeito suspensivo (CPC, art. 520), impedindo sua execução imediata.

O Código em vigor, assim, permite a execução imediata de uma liminar fundada em cognição sumária, mas não a execução de sentença fundada em cognição exauriente.

De acordo com o artigo 1.025, caput do projeto, na versão em discussão na Câmara dos Deputados,[14] “a apelação terá efeito suspensivo”. Mantém-se, assim, a incoerência da legislação em vigor. Melhor, segundo penso, é a regra correspondente prevista na versão aprovada pelo Senado Federal.[15] De acordo com o artigo 949 do projeto aprovado pelo Senado, os recursos, inclusive a apelação, não impedem a eficácia da decisão. Quanto à possibilidade de concessão de efeito suspensivo à apelação, previu-se que o mero protocolo no tribunal da petição que o requerer impede a eficácia da sentença, até que seja apreciada pelo relator.

Melhor mesmo, segundo pensamos, é a versão inicialmente aprovada pela comissão que elaborou o anteprojeto, mas que acabou não constando de sua versão final. Em reunião realizada nos dias 12 e 13.04.2010, foi aprovada pela comissão, por unanimidade, a seguinte redação: “O cabimento da apelação impede a execução da decisão impugnada, até que o Tribunal se manifeste a respeito do juízo de admissibilidade, ocasião em que poderá conceder o efeito suspensivo eventualmente requerido pelo recorrente”.[16] Tal não foi, contudo, a redação que acabou sendo registrada na versão final do anteprojeto.[17]

O texto aprovado inicialmente pela comissão que elaborou o anteprojeto, a meu ver, tem a vantagem de evitar o risco de sentenças manifestamente errôneas produzirem eficácia de imediato, mas permite que, após manifestação do relator sobre a admissibilidade do recurso, sejam as sentenças desde logo executadas. Resolve-se, no caso, a polêmica, dispensando-se a necessidade de apresentação de requerimento autônomo diretamente no tribunal, para a atribuição de efeito suspensivo à apelação, enquanto esta tramita perante o juízo de primeiro grau. A apelação, assim, como regra, não teria efeito suspensivo, mas a eficácia da sentença dependeria de exame pelo relator sobre a admissibilidade do recurso. Andaria bem a Câmara dos Deputados, a meu ver, se incorporasse tal redação ao projeto.

É importante, de todo modo, que a Câmara dos Deputados delibere logo a respeito dos destaques, aprovando o que tiver que ser aprovado, e rejeitando o que tiver que ser rejeitado. É lamentável ver projeto tão importante tendo sua análise sucessivamente adiada, tal como tem sido, nas sessões mais recentes. Que a Câmara dos Deputados conclua logo sua análise e o envie ao Senado Federal para apreciação das emendas, é o que se espera.


[1] O Projeto de Lei 8.046/2010 tramita na Câmara desde 22/12/2010 (cf. tramitação do referido projeto aqui). A partir de meados de 2011, referido projeto foi apensado ao Projeto de Lei 6.025/2005 (cf. tramitação do referido projeto aqui). Na página de tramitação deste projeto é possível acompanhar a evolução mais recente do Projeto.

[2] A relação dos destaques pode ser lida aqui.

[3] Cf. notícia publicada aqui.

[4] No Senado Federal, o Projeto de Lei tramitou sob o n. 166/2010 (cf. tramitação do referido projeto aqui).

[5] Cf. “Advogados têm direito a trabalhar com dignidade”, disponível aqui.

[6] Cf. “O que precisamos é de uma jurisprudência íntegra”, disponível aqui, “Jurisprudência não está, nem pode estar, acima da lei”, disponível aqui,  e “Os caminhos percorridos pela jurisprudência do STF”, disponível aqui.

[7] Cf. “Precisamos de regra sobre fundamentação de decisões?”, disponível aqui, e “Fundamentação de decisões ainda não dá conta do básico”, disponível aqui.

[8] Cf. “Pelo fim da jurisprudência defensiva: uma utopia?”, disponível aqui.

[9] Os intensos trabalhos realizados pela referida Comissão podem ser conferidos aqui.

[10] Cf. “Câmara deve rever ‘prequestionamento ficto’ no CPC”, disponível aqui.

[11] Cf. “Deve caber repercussão geral sempre que houver divergência”, disponível aqui.

[12] Cf. “É um pássaro? Um avião? Não, é o ‘superjuiz’!”, disponível aqui.

[13] Cf. também, a respeito, o que escreve Fernando Gajardoni: “Efeito suspensivo automático da apelação deve acabar”, disponível aqui.

[14] Disponível aqui, para download.

[15] Disponível aqui, para download.

[16] A ata da referida reunião está disponível aqui.

[17] Cf. artigo 908 da versão final do anteprojeto, disponível aqui.

 

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!